4º Domingo do Advento (ano B)
1ª leitura: 2º Livro de Samuel, 7, 1-5.8b-12.14ª.16
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Romanos, 16, 25-27
Evangelho: S. Lucas, 1, 26-38
Foi no «diário» infantil de uma menina de 9 anos que encontrei este
registo tão simples quanto maravilhado de na mesma casa, na mesma
família e no mesmo amor, aparecer mais um. Assim naturalmente…
Conta a 1ª leitura que David queria construir uma casa como um
palácio para Deus. Mas Deus não se pode prender a uma casa (e muito
menos a palácios de corrupção…). E por isso o profeta (aquele que dá
tempo à experiência de Deus) afirma que é Deus que dará uma «casa» a
David: não uma casa destrutível mas «uma casa viva», sempre em
crescimento e sempre acolhedora – porque é a «descendência», é a
vida que constrói a «casa resistente» contra todas as adversidades.
Uma «descendência» que não se limita a «dinastia» (conceito
etimologicamente ligado à ideia de «bom» e de «poder», mas que
acabou por referir um «lobby» hereditário pelo sangue ou pelos mais
diversos tipos de «afiliação»).
O
sonho da Humanidade é sentir-se toda ela numa «casa resistente»,
numa «casa cheia» de vida, onde nunca morreremos sós: pois nos
sabemos e sentimos criadores de mais vida. A própria dimensão
biológica torna-se frustrante se não é acompanhada pela
participação de todos no acto criador que faz dizer à criança:
«éramos 4 e agora somos 5». Um acto sempre de «agora», de todos os
momentos que vão passando. O espanto da menina guardava o cheiro do
amor que não se aguenta numa casa que se feche à «grande casa».
Não é por acaso que acarinhamos especialmente os «Contos de Natal».
Todos eles reflectem a pergunta de onde viemos e para onde vamos. É
o «ser pequenino» que nos «deixa sem resposta»: instalou-se entre
nós, depende de nós, é fruto da mesma vida que nos leva, é surpresa,
é alegria… mas é também um peso (não só para quem o leva ao colo…),
preocupação e quantas vezes atrapalhação... É uma pergunta para
todos: Porque veio? Uma «bênção de Deus»? Um «capricho» humano? Mais
um peso no mundo? Que virá a ser?
É
triste se afastamos os olhos desse ser pequenino (com vergonha de
que ele nos possa ler os pensamentos?). De certo modo, sentimo-nos
julgados: como é que eu vou assumir o meu papel diante deste «bebé»?
David compôs uma belíssima oração: pediu que a sua «casa» (ele e
descendência) estivesse sempre na presença de Deus (2º Livro de
Samuel,7,18-29).
«Estar sempre na presença de Deus» significa não ter medo de Deus: o
Deus da Bíblia é sobretudo um desafiador para que nunca deixemos de
querer o melhor, de viver mais intensamente a vida de todos os dias
e sobretudo na maneira de lidar com os outros (na sua expressão
familiar, religiosa, sexual, profissional, política, desportiva…).
Sentindo-nos mais realizados, mais felizes, somos mais sensíveis às
necessidades e ao bem dos outros – criando uma «casa» onde todos
podem sentir por que é que vale a pena viver. Uma «casa» onde não
seja em vão que se morra ainda no berço ou numa cruz. Onde a própria
solidão possa acreditar no amor.
No Conto de Natal de S. Lucas, um jovem e simples casal (Maria e
José) é «escolhido» para dar cumprimento à promessa feita a David
(S. José é apresentado como «da casa de David»). Mais uma vez, o
drama da ligação entre a Humanidade e Deus – patente nas nossas
histórias e na história de Jesus desde o nascimento. (S. Lucas
mostra-se particularmente sensível à fragilidade de uma jovem
mulher, casada com um simples carpinteiro).
A
Bíblia fala de vários nascimentos «milagrosos», onde mais se sente a
acção divina (desde a mulher de Abraão à mãe de João Baptista).
Todos eles apontam para a chegada de alguém que, como se diz, não
deixa o mundo como estava.
Ao festejar o nascimento de Jesus Cristo, que sentido vamos dar ao
registo encantado da menina: «éramos 4 mas agora somos 5»?
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