Domingo da SS. Trindade (ano A)
1ª leitura: Livro do Êxodo, 34, 4-9
2ª leitura: 2ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 13, 11-13
Evangelho: S. João, 3, 16-18
O
domingo de Pentecostes festejou a comunhão, animada pelo fogo alegre
e pacificador do espírito divino. Pouco a pouco, porém, começou a
guerra das opiniões: Quem é mais importante? (1Coríntios,1,12-13).
Quem tem o melhor discurso sobre Deus? Quem tem a melhor experiência
de Deus?
Há muita confusão entre autoridade e poder: a «autoridade» «aumenta»
(sentido do comum radical «aug») tudo o que é bom; o «poder» é
manifestação de força para impor. Em verdade, a imposição não
deveria ser necessária, pois é o resultado de o ser humano não saber
gerir a liberdade. Só se justifica perante manifesta incapacidade
(pela idade, doença ou situações problemáticas) para procurar o
próprio bem ou o bem comum. Mas esta imposição tem que ser sentida
como estratégia favorável ao desenvolvimento livre da pessoa em
questão. É um poder que «aumenta» o bem e nessa medida tem o
estatuto supremo de «autoridade».
A
tentativa de descrever Deus como «uno e trino» revela como o
mistério de Deus fica sempre infinitamente além do discurso humano
mais lógico e cultivado. Embora com boa intenção, acabamos por
«complicar» a «extrema simplicidade» de Deus. (Cá entre nós: quem é
que gostaria de viver com um Deus «complicado»?). Devíamos pensar
mais no que Jesus Cristo propôs: que o vosso sim seja sim, e o não
seja não – muito palavreado dá lugar às ervas daninhas.
Esta «complicada» afirmação de Deus «uno e trino» deu origem a uma
festa, no séc. XIV: o Domingo da Santíssima Trindade.
Porém, nenhuma fórmula teológica, nem as palavras da Bíblia, podem
ser «idolatradas» como possuindo uma força mágica, «ditadas» pelo
próprio Deus e por isso inatacáveis. O valor simbólico de ideias e
imagens antigas pode ser reavivado continuamente, com muito proveito
espiritual e cultural, mas sem nos fixarmos nessas fórmulas. Seria
mau que nos pudessem aplicar o provérbio «fia-te na Virgem e não
corras…»: precisamos de nos sabermos comprometer na mudança deste
mundo e descobrir como a sabedoria do passado pode alimentar uma
vida espiritual cada vez mais adulta. A experiência religiosa do
passado da Humanidade deve suscitar em nós o desejo de novas
experiências religiosas, com a linguagem adequada aos problemas que
vivemos.
Segundo muitos especialistas, Deus-Trindade é uma tentativa de
reflectir a multiforme acção de Deus na história humana. Confessamos
que Deus, fundamento de toda a existência, a quem Jesus se referia
carinhosamente como Pai («Abba» – uma «autoridade» e não um «poder»)
, se tornou sensível, historicamente identificável, nesse mesmo
Jesus. E ao seu amor tão forte e tão acima dos condicionamentos
humanos, chamamos Espírito («sopro de vida») – a Força que Jesus
prometeu que estaria sempre a nosso lado, mas que implica vontade
sincera de nos ligarmos com Deus.
Existencialmente, o mistério da Trindade diz que «vida» é
incompatível com solidão, egoísmo ou inacção. Deus «é interactivo»,
não se identifica com aquele «relojoeiro» que construiu o universo e
quando muito lhe dá corda, segundo «leis» que nós tentamos
compreender; nem se identifica com nenhuma das mais altas
especulações metafísicas.
O
grande mistério permanece o mesmo e sempre debaixo dos nossos olhos:
é um Deus que não atrapalha a vida e nos convida a falar com ele,
com histórias tristes ou alegres. Deixou-se revelar como «querido
Pai», respeitador do bom ou mau humor dos «filhos», e cujo maior
prazer é ver como (apesar de tudo!) sabemos organizar uma grande
festa de família, onde ninguém se sente sozinho.
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