Domingo de Pentecostes (ano A)
1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 2, 1-11
2ª leitura: 1ª Carta de S. Paulo aos Coríntios, 12, 3-7, 12-13
Evangelho: S. João, 20, 19-23.
Era bem notória, a desajeitada linguagem de pescador impetuoso e
inculto, e com experiência directa de que «um peixe fora da água»
não dura muito tempo…
Segundo os «Actos dos Apóstolos», S. Pedro não podia escolher melhor
data para produzir «a primeira encíclica»: aproveitou uma das três
principais festas do judaísmo (Êxodo, 23,13-19) – todas elas
marcando os momentos mais importantes da actividade agrícola: o
início («Pães ázimos»), o fim da ceifa e a colheita («festa das
tendas»).
Ao princípio, a 1ª festa não tinha ligação directa com a Páscoa: com
efeito, a oferta de pães ázimos significava apenas a oferta da
colheita do trigo «na sua pureza natural», sem a intervenção humana
do fermento. A datação a partir do dia de Páscoa firmou-se com a
primeira fusão de datas entre a festa dos Ázimos e a da Páscoa, a
que se juntou o sentido da celebração da entrega da Lei a Moisés.
Sete semanas depois (ou 7 semanas depois da Páscoa), vinha a ceifa,
também chamada a «festa das semanas». A estes 7x7 dias, seguia-se o
dia da festa rija, «o quinquagésimo (pentekoste, em grego)
dia», donde o nome de «Pentecostes».
(Na «festa das tendas», já no Outono, dava-se a apanha das uvas e da
azeitona: vivia-se festivamente em cabanas de ramos verdes,
lembrando o modo de vida de Israel no deserto).
O
Livro do Êxodo admoestava todos os israelitas a que não faltassem a
estas três grandes peregrinações. A multidão tornava-se tão imensa e
diversificada, que S. Lucas não teve dificuldade em fazer uma lista
quase exaustiva dos povos à volta, com línguas e costumes diversos.
Com muita arte e sabedoria, preparou o cenário em que S. Pedro iria
fazer a primeira «comunicação universal». S. Lucas não hesita em
criar um ambiente quase fantástico, com os tradicionais símbolos de
presença divina: línguas de fogo, vento, estrondo, e a novidade
maravilhosa de as línguas humanas falarem o fogo e a aragem de Deus
(profecia de Joel, referida em Actos, 2, 17-21).
O
evangelista não poupou as tintas mais fortes para gravar o
essencial: a universalidade da missão dos discípulos de Jesus
Cristo; a superação das barreiras linguísticas e culturais; a
afirmação de uma comunidade «de espírito novo» perante «o mundo
inteiro»; a ascensão de Jesus, lembrando a subida de Moisés ao Monte
Sinai, mas como Messias chamado por Deus «para se sentar à sua
direita». E por isso, «o Espírito de Jesus» é «o mesmo Espírito de
Deus» (2ª leitura) que, em cada um de nós, permite que o dia a dia
de cada qual, com seus dissabores, alegrias, ódios e amores,
trabalho e descanso… anuncie a quantos se cruzam connosco por que é
que vale a pena viver. É a realização dos «sonhos de novos e velhos»
(Actos, 2,17-18), em que todos os seres humanos, sem distinção,
comunicam livremente com Deus, vendo nele a fonte inspiradora da
vida com que sonhamos.
S. Pedro falou como um «expert» duramente formado na «escola» de
Jesus Cristo, e depois de traçar uma breve memória da vida e morte
do «Mestre», termina assim: «Foi este Jesus que Deus ressuscitou, e
disto nós somos testemunhas. Tendo sido exaltado pelo poder de Deus,
recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou-o como vedes e
ouvis» (Actos, 2, 32-33). O evangelho de João, escrito mais tarde,
ilustra perfeitamente esta síntese doutrinária.
Muitos
«experts» dos vários ramos do saber, especialmente da religião e
teologia, têm tentado explicar o inexplicável, enfrentando os
remoinhos da razão, misticismo e sentimentos. Não foi em vão esse
trabalho: no esforço de cada vez mais amplo conhecimento, de cada
vez mais razões articuladas, foi-se confirmando como todos os modos
de vida humana e todos os pensamentos honestos, por muito
dissonantes que pareçam, nascem do mesmo Espírito e com ele alcançam
a beleza da harmonia.
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