Liturgia Pagã

 

«Eu sou o bom empresário»

4º Domingo da Páscoa  (ano A)

1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 2, 36-41

2ª leia profetura: 1ª Carta de S. Pedro, 2, 20-25

Evangelho: S. João, 10, 1-10

 

Quanto mais complexos são os seres vivos, maior é a necessidade de protecção (embora em conflito crescente com a exigência de liberdade). O «domingo do Bom Pastor» lembra a imagem apaziguante de quem vela por nós sem olhar a sacrifícios. No Antigo Testamento, «pastor» pode designar qualquer pessoa com um cargo «directivo», seja político, religioso, empresarial… Reis e profetas eram «pastores», e não faltam quer elogios quer as condenações mais severas para aqueles que nem olham para as «ovelhas» mais fracas e matam as mais gordas para se banquetearem com os amigos (Zacarias,11,15-17). São pastores conluiados com os lobos.

Mas o mal não estará também nas «ovelhas»? Sobretudo naquelas que só se interessam com o cantinho de boa erva, sem olhar à volta, sem trocar ideias, sem se organizarem, decidindo à toa… Precisamos de conhecer as características necessárias para que um «pastor» seja «bom», e de saber avaliá-las com aquela sabedoria que não provoca um clima de direitos sem deveres, de passa-culpas ou de violência.

S. Pedro acabou por aprender essa lição. O seu discurso (1ª leitura) começa com uma citação do profeta Joel (3,1-5, que não consta deste texto litúrgico): «Nos últimos dias, diz o Senhor, derramarei o meu Espírito sobre toda a criatura. Os vossos filhos e as vossas filhas hão-de profetizar», e toda a Humanidade sentirá mais vivamente a Força do Espírito de Deus. A ideia de um único detentor da verdade já era posta em questão no Antigo Testamento: quando Moisés conduzia o povo pelo deserto, Deus quis dar o seu Espírito a um grupo alargado de pessoas de confiança do povo, tornando-os aptos a falar em nome de Deus. Logo houve quem se indignasse, por dois homens estarem a profetizar sem terem estado presentes à “tomada de posse”. E Moisés de responder: «Não sejais mesquinhos! Quem dera que o Senhor enviasse o seu Espírito sobre todo o povo!» (Livro dos Números, 11, 24-29).

Jesus encarnou a Força de Deus, que ama a cada um dos seres humanos ao longo de todos os tempos, e convida cada um a contribuir, à medida e ao feitio dos «talentos» próprios, para o projecto de um mundo novo, da «nova criação» de que se fala na Bíblia. Não se calou perante a injustiça e até questionou o fundamento do poder de Pilatos (João, 19, 10-11). A posição do cristão é pois de não cruzar os braços perante o muito a fazer para melhorar o mundo (como se pode concluir da 2ª leitura).

No evangelho, Jesus não se comparou apenas ao pastor preocupado com a vida das ovelhas, mas também à «porta» do redil: por ela «se entra e sai» – hebraísmo que designa a confiança, liberdade e responsabilidade das “ovelhas”. Hoje, porém, poderia designar-se como “o bom empresário” (também há bons e maus «empresários» na política, na educação, na própria religião...): não negoceia com «salteadores e ladrões», nem foge deixando os outros no desemprego e miséria; pelo contrário, estimula a participação numa gestão sempre em melhoramento. Os cristãos têm consciência de seguir um «Empreendedor» que não se deixou vencer pelas mais duras cruezas da vida e da morte, nem pela tentação de pôr o poder ao serviço de si mesmo. Por isso, quando a sua missão se cumpriu («ao terceiro dia»), Deus o «exaltou» (Filipenses,2,9) como «Filho amado», partilhando o mesmo Espírito de Sabedoria que é forte e suave. O entusiamo que nos continua a deixar liberta-nos as energias para sermos empreendedores sem nos sentirmos derrotados pela morte e dá firmeza à esperança de virmos a descobrir o inestimável valor e o sabor pleno da vida, na mais bem sucedida «união de bons empresários».

11-05-2014


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