30º Domingo do tempo
comum (ano C)
1ª leitura: Livro de
Ben-Sirá, 35, 12-18.
2ª leitura: 2ª Carta de
S. Paulo a Timóteo, 4, 6-8, 16-18
Evangelho: S. Lucas, 18,
9-14
Em boa
verdade, este ditado tem ar de pessimista e perverso: não acredita
que possa haver justiça (quando muito um arremedo); e diz que a
melhor forma de viver bem é agradar aos poderosos, se possível tendo
como único esforço a escolha de palavras que lhes caiam no goto.
Será
que todos os «avaliadores» ou juízes são incapazes de considerar o
valor próprio de quem é avaliado ou julgado? E que «ser alguém» não
passa de uma cosmética aplicada superficialmente à pessoa inteira?
No
evangelho, aparece um fariseu plenamente convencido de si próprio.
Achava-se engraçado. E arranjou um lugar que desse nas vistas.
Aparece também um publicano, plenamente consciente de que não tinha
graça nenhuma. E quase se escondeu ao fundo do templo.
Será
que Deus se vai deixar impressionar pela boa presença do fariseu?
Entre as várias classes dirigentes do povo hebreu, os fariseus
constituíam o grupo mais considerado, por darem a impressão de
equilíbrio político e religioso, cultura e honestidade. Mas prezavam
demasiado a aparência social: mais importante do que fazer boas
obras era mostrar que as faziam. E que bastaria cumprir à letra os
«receituários» bíblicos das «boas obras», sem se preocuparem com o
porquê da religião e com os perigos de se encobrir o grão com
demasiada palha. Aliás, a este perigo não fugiu o cristianismo:
tanto se enredou no teatro do esplendor do poder material e
espiritual, das altas ideias e especulações e nas «receitas para ir
para o céu», que quase encobriu a simples e profunda mensagem de
Jesus Cristo. Parafraseando S. Agostinho, a Igreja tem sido uma «publicana»
a que falta entrar humildemente no Templo…
O mal
não está na riqueza do pensamento filosófico e teológico mas na
distracção teatral que se faz com ele. Toda a grande construção da
actividade intelectual (científica, filosófica, religiosa,
artística…) é boa se procura, em todas as coisas, o que há de bem, o
que pode ser melhor e o que é de justiça.
O
fariseu apresentou um bonito programa de boas acções. O publicano
ateve-se ao essencial – que é muito mais exigente: reconhecer que há
sempre mais e melhor para fazer.
A
entrada de ambos no Templo diz-nos que todos os tipos de vida serão
mais humanos se enriquecermos a vida (o pensar e o agir) com a
«experiência de Deus» (mesmo para quem não vê em Deus mais do que a
projecção da perfeição humana).
Afinal, o publicano é que era o verdadeiro «engraçado»: vivia mais
profundamente, com sinceridade e seriedade. E corrigiu-se o
provérbio: o «engraçado» «caiu em graça»…
É bom
sentir alegria pelas coisas boas que temos e pelo bem que fazemos
(nisto podemos imitar o fariseu): é alimento saudável para o «ego»,
se com moderação. Mas para isso, não há nada como ouvir palavras de
apreço. Se a vida é caminhar «na corda bamba», bem precisamos de uma
boa claque que anime a manter o passo equilibrado. Não podemos é
desprezar os passos mais vacilantes dos outros, nem querer mal a
quem é mais artista.
A
consciência de que todos valemos muito, apesar dos trambolhões, é a
verdadeira humildade (1ª leitura). A palavra «humilde» deriva de «humus»
– a terra, o solo que pisamos. O humilde será aquele que tem «os pés
na terra» – o que tanto pode aplicar-se a quem não é (ou não quer
ser) capaz de levantar voo, como àquele que tem os olhos bem abertos
para ver onde põe os pés, onde se agarrar e para onde deverá dirigir
os seus passos. Ser humilde é ter consciência do que é ser «humano»
(do «húmus»), sem cair nem na resignação nem na presunção; nem na
ganância nem no alheamento.
Neste «circo» da vida, Deus bate
palmas ao esforço «humilde» (no bom sentido!) por espalhar alegria e
bem estar. Por isso, a grande ovação foi para o publicano. Achou-o
mesmo «engraçado»…
27-10-2013 |