Domingo XIII do tempo comum (ano C)
1ª leitura: 1º livro dos Reis, 19, 16-21
2ª leitura: carta aos Gálatas, 5, 1, 13-18
Evangelho: S. Lucas, 9, 51-62.
O Evangelho de hoje baralha o jogo por completo: como conciliar a
bondade de Jesus e a sua mensagem de que somos «filhos» de Deus, com
a exigência de nem sequer voltar atrás, por uns momentos, para nos
despedirmos carinhosamente da família e amigos?
Uma longa e de algum modo bem intencionada tradição cristã
(particularmente nas ordens religiosas) provocou um clima de
conflito entre «seguir Jesus» e os laços afectivos com os amigos e a
família mais chegada. De facto, este grupo, justamente porque tende
(e por bem!) a defender a estabilidade e equilíbrio dos seus
elementos, opõe-se por vezes duramente à escolha de uma vocação
original – ora porque não traz dinheiro, ora porque é francamente
esquisita e quem sabe se perigosa, ora porque dá falatório… Na
óptica da maioria das instituições religiosas, impunham-se cortes
radicais numa relação potencialmente “perigosa” para o seguimento de
Jesus.
A imagem de Cristo surgia totalmente avassaladora. E quem dela
despegasse os olhos, seria semelhante ao lavrador que perdia a mão
do arado, só por «olhar para trás» e chorar de saudades.
Os três provérbios usados por Jesus, extremistas e até chocantes,
cumprem o objectivo de pôr em questão muitos preconceitos e ideias
correntes, que, no melhor dos casos, apenas levam à construção de
uma vida mediana.
Jesus lembra que a luta pelo bem das pessoas concretas (o projecto
de Deus) pode exigir, de vez em quando, que não se saiba onde e
quando se pode repousar; e que não se devem falsificar, devido a
fraqueza de espírito ou interesses maldosos, as manifestações de
carinho; e que o projecto de vida é como o rude e pesado arado do
seu tempo, que exige, a quem quiser abrir os sulcos com proveito,
pulso forte e olhar bem à frente – não vá o arado rasgar a terra por
onde não deve… Ou seja: é preciso muito tino.
A interpretação exacta é pois de todos os tempos e civilizações: é
preciso concentrar-se, concentrar-se, concentrar-se… naquilo que
descobrimos ser o que dá sentido à vida e nos faz realmente felizes.
Esta concentração é que nos liberta para a planificação prudente de
todas as nossas acções, desde as mais comezinhas. E de vez em quando
só faz bem a gente parar e apreciar o trabalho feito – o que aumenta
o prazer e possibilita avaliações produtivas. Se Eliseu não tivesse
«olhado para trás» antes de seguir Elias (para se despedir dos
pais), teria provocado tristeza e nem sequer teria tirado proveito
do velho arado e de uma das suas juntas de bois, com que preparou
uma boa fogueira e um belo assado. E assim festejou e ganhou forças
para o novo tipo de missão…
O que Jesus frisa claramente é que o Reino de Deus não permite
confusões entre o sim e o não (Mateus,5,37). Seja qual for o nosso
estilo de vida, não nos podemos fingir descomprometidos com a
justiça, com o bem do outro e o nosso bem: à mesa da família e
quando “vamos à missa”; no trabalho e na oração; «na paz e na
guerra»; na solidão e na convivência amigável; no namoro e na
intimidade da união sexual … Com este compromisso, o «Espírito de
Deus» tudo transforma em energia para nosso bem.
Para S. Paulo, só ganha esta energia quem queira «viver segundo o
espírito», e não como animaizinhos de olhos fechados como os que
ainda «vivem segundo a carne». São dois modos de viver. Mas só quem
possui «a verdadeira liberdade» é que é capaz de tomar decisões,
procurando libertar-se tanto das injustiças sociais como de
perigosos caprichos. O progresso real exige vontade eficiente para
estudar e aplicar o que é verdadeiramente o bem comum – para além do
nosso pequeno espaço e tempo; e para pôr o maior prazer em descobrir
para onde convém apontar o arado.
Jesus queria que os seus discípulos compreendessem que a todos
compete lançar mão ao arado e que não se pode hesitar perante o que
é mesmo bom para fazer.
Queria que ninguém «perdesse o tino»…
30-06-2013 |