5º Domingo da Quaresma (ano C)
1ª
leitura: Isaías, 43, 16-21
2ª
leitura: Carta aos Filipenses, 3, 8-14
Evangelho: S. João, 8, 1-11
Assim respondia minha mãe, quando ouvia dizer
«antigamente é que era bom»…
Não negava que teria sido bom e que talvez nos
sentíssemos melhor então; e muito menos negava o que a nossa
história apresenta como momentos altos – daqueles que “edificam”
(isto é, constroem) personalidades optimistas e arrojadas.
Era como se conhecesse a 1ª leitura: esta também
não nega os tempos de glória do povo israelita – mas apresenta-os
como estímulo para se criarem novos tempos. Não podemos ficar no
passado – uma coisa é a alegria de boas memórias, outra coisa é
agarrar-se a elas «como um menino às saias da mãe». O «povo eleito»
não é bom por Deus o ter ajudado mas será bom se se fizer digno de
maiores ajudas de Deus (e dos Homens…). O profeta sente que, da
parte de Deus, há sinais de um futuro cada vez melhor para a
humanidade: e diz ao «menino» para se soltar do aconchego passado e
agarrar-se à esperança criadora dos melhores tempos.
S. Paulo parece exagerar apaixonadamente ao
considerar «lixo» toda a sua vida anterior ao encontro com Jesus
Cristo – mas porque a considerava um empecilho ao novo caminho
escolhido. E diz claramente: «esqueço o passado, para me lançar
continuamente para a frente». O que se vai fazendo é que interessa.
Porém, não disse Jesus (Mateus, 13, 52) que «o homem sábio e
prudente tira do seu tesoiro coisas novas e coisas velhas»? Todo o
tipo de passado se pode – e deve – transformar em energia, como já
sabemos fazer com o pior lixo das nossas lixeiras.
Só quando nos prendemos demasiado a qualquer
coisa (por muito boa que seja), é que esta se torna lixo mau, porque
nos impede de avançar.
Por isso, a riqueza e o poder são lixo mau, se
nos agarramos demasiado. A própria vida é lixo mau, se não a usamos
para aumentar o que é mesmo bom, e se não sabemos preparar até ao
fim um salto para a frente.
Até o apego a pessoas é mau, quando estas são
vistas como «coisas».
Na realidade, Jesus disse várias vezes (Mateus,
13) que o «reino de Deus» é como uma pedra tão preciosa que vale a
pena vender todas as outras para a comprar; e que quem não deixa
tudo para o seguir, «não é digno de ser seu discípulo» (Lucas, 14,
33). Mas o acto de deixar deve ser a melhor rentabilização daquilo
que se deixa: todas as experiências humanas podem servir de material
de «conversão», de alerta para novos caminhos, de ponto de partida
de uma maneira de viver que nos realize cada vez mais.
Quanta energia se soltou do passado do «filho
pródigo» (do qual se falou no último domingo), da experiência de
vida de Zaqueu e da «mulher adúltera» do evangelho de hoje?
Quanta energia se solta da experiência de
calamidades, do sofrimento e da morte? Todos lhe estamos sujeitos, e
o único antídoto é viver todos os tempos – não só esses – como
companheiros, cientes de que lucramos todos com as melhores
condições físicas e espirituais para todos.
É hipocrisia oferecer flores aos mortos quando
não as queremos oferecer aos vivos. Com a oferta aos vivos (custosa
quantas vezes) é que mostramos o apego a um futuro sempre melhor.
Os escribas e fariseus de que fala o evangelho
mostraram-se bem apegados a um preceito antigo atribuído a Moisés
(estranhamente mais severo do que a lei babilónica, vários séculos
anterior): punir com a morte quem infringisse o estatuto legal do
casamento. A Lei justificava: «é preciso arrancar o mal do meio do
povo» (Deuteronómio, 22, 22).
Mas Jesus caminhava para a frente, sem medo: «não
arranqueis o joio, para não fazer mal ao trigo» (Mateus, 13, 29). Na
«mulher adúltera», Jesus não viu uma «coisa» para fazer funcionar a
Lei punitiva – viu uma pessoa com quem poderia caminhar junto, uma
pessoa a quem se podia dar um «espírito novo» para anunciar os novos
caminhos da justiça (salmos 51 e 107).
E Jesus não nos prendeu às suas palavras nem modo de vida: escreveu
pacientemente no chão sinais que ninguém desvendará – para podermos
imaginar livremente como construir os melhores dias que estão para
vir.
17-03-2013 |