Liturgia Pagã

 

A primeira avaliação

Domingo da Epifania (ano C)

1ª leitura: Livro de Isaías, 60, 1-6

2ª leitura: Carta aos Efésios, 3, 2-6

Evangelho: S. Mateus, 2, 1-12

 

Conta-se que vieram de longe, para ver se era verdade o que se ouvia sobre o nascimento do Messias esperado. Nada os fez arredar pé e deram a melhor atenção a Jesus menino. Encheram-no de presentes, mas daqueles que duram uma vida inteira – e  sem nada exigir em troca. Um grande acto de confiança – mas eles também tinham trabalhado arduamente para verificar se valia a pena apostar naquele menino.

Não espanta que a classe dirigente de Jerusalém ficasse despeitada por se ver ultrapassada por «gente pagã» – mas que era mais atenta aos «sinais dos tempos», mais estudiosa do sentido das escrituras, mais diligente para se lançar por novos caminhos, para rever prudentemente os próprios passos e se de facto estariam a ser guiados pela «boa estrela». A classe dirigente de Jerusalém e todos os que dormiam à sua sombra também ficaram perturbados porque era mais agradável a alternativa de manter, passivamente, a esperança de um messias que fizesse dela uma grande e poderosa cidade – na linha daqueles interesses que são fonte de violência. Um messias sem dar nas vistas, sem glória nem poder, independente das jogadas daqueles que se julgam os primeiros… não valia a pena apostar nele.

Jerusalém é uma cidade marcada, desde há milhares de anos, por violentos conflitos. Existente já na pré-história, foi conquistada por David, tornando-se o centro político e religioso de Israel. Desde o princípio, foi uma cidade com estatuto especial, não pertencendo a nenhuma tribo, representando a unidade do «povo de Deus» e a «morada do Senhor». Porém, continuou a ser o alvo de várias conquistas, invasões e destruições. Os profetas referem os momentos de grandeza ou decadência como ritmos da harmonia entre Deus e os seres humanos. E continua-se a sonhar com a justiça e liberdade – que só elas são o sorriso do «rosto do Senhor».

Jerusalém bem que simboliza a história da Humanidade, feita da mistura e combate entre morte e vida, firmeza e fragilidade. Representa o sonho ancestral de um «regaço» ou «útero», no qual um dia se possa viver tranquilamente. Como «cidade sagrada», é o centro de união dos seres humanos com Deus e forma o verdadeiro «eixo do mundo», um tema que aparece em todas as religiões: é o «eixo» à volta do qual se estrutura o «uni-verso» – uma palavra que vinca a «unidade» para a qual «convergem» todas as coisas, onde se entrelaçam o divino e o humano, tudo o que é sensível e o que está para além. Conscientes desse «eixo», sentimo-nos todos «em casa», por mais perturbada que seja a história de cada qual e da Humanidade: uma «casa» onde tanto os quartos escuros como as salas de belas paisagens nos revelam o sentido de todas as coisas, nos revelam Deus intrincado na nossa história, nos revelam que não somos feitos para a tristeza e que também nos compete a sabedoria de revelar como tornar presente o sentido da vida.

«Revelação» é o significado de «Epifania», um termo grego que designa a chegada imponente de reis e imperadores, para serem reverenciados pelo povo. Já havia a crença popular de que cada pessoa «nasce com uma estrela». A um futuro rei caberia uma «estrela» especial, indicando a alta missão a que estava destinado.

Jesus Cristo revelou que o «eixo do mundo» se faz sentir onde quer que estejamos e o que quer que façamos (João,4,21-24; 1ª Coríntios,10,31). De modo especial quando nos reunimos em seu nome (Mateus,18,20). Ele próprio foi a grande revelação de Deus entre os Homens, e até hoje o nosso tempo se organiza tendo como referência a data do seu nascimento.

Os grandes centros religiosos, os mais diversos tipos de templos…são outros tantos lugares «sagrados» – onde o ser humano reconhece a sua ligação com o divino e  assim converte a fragilidade em força. Mas não são as paredes dos templos, por mais ricos e belos, que tornam um lugar sagrado. Jesus insistia em que não nos prendêssemos a templos e tesoiros perecíveis, mas cuidássemos da pessoa humana como sendo o verdadeiro templo e o verdadeiro tesoiro, que nada pode destruir (João,4,21-24). Todos nós somos capazes de rasgar novos caminhos de justiça e avaliar como estamos a interpretar a «estrela».

06-01-2013


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