31º Domingo do tempo comum (ano B)
1ª leitura: Livro do Deuteronómio, 6, 2-6
2ª leitura: Carta aos Hebreus, 7, 23-28
Evangelho: São Marcos, 12, 28-34
Podemo-los provar na variedade e criatividade dos textos da
«Liturgia da Palavra». É verdade que a 1ª leitura e o Evangelho
costumam apresentar ideias semelhantes. Também quase sempre a 1ª
leitura vai buscar os ingredientes ao Antigo Testamento,
apresentando-se o Evangelho como reelaboração requintada que explora
e potencia os melhores sabores do Antigo – o próprio Jesus Cristo
proclamou que não vinha abolir a antiga Lei, mas aperfeiçoá-la (S.
Mateus, 5, 17). A 2ª leitura, as mais das vezes «à la carte» de S.
Paulo, é que se destina a outros gostos.
O
prato forte de hoje é o recheio mais rico da revelação de Deus no
Antigo e Novo Testamento: «Escuta, Israel! O Senhor, nosso Deus, é o
único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma, de toda a tua mente e de todas as tuas forças». E
Jesus apressa-se a juntar a segunda parte deste núcleo da fé:
«Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há qualquer mandamento
maior do que estes». Assim o saboreou o escriba ao falar com Jesus,
vendo que esse «menu» está muito acima de «holocaustos e
sacrifícios» (Evangelho). É de justiça lembrar que esta receita tem
uma base tradicional, que se encontra não só no Antigo Testamento
como também noutras religiões. Mas «a escola» de Jesus Cristo não
deixa de nos espantar, e se os menus são desenxabidos, é porque «o
chefe de mesa» se distraiu…
Já o
A.T. incluía, no amor ao próximo, os escravos, estrangeiros, e
particularmente os pobres, os doentes e os desamparados. A 1ª carta
de S. João e a carta de S. Tiago vêm depois «pôr os pontos nos ii»:
quem diz que ama a Deus, que não vê, e não ama os outros, que vê, é
mentiroso e condenável.
A
carta aos Hebreus continua com o tema da dignidade de Jesus Cristo
como «sumo sacerdote» intercessor junto de Deus. Os Hebreus
convertidos ao cristianismo não podiam esquecer facilmente a
majestade e a solidez do ambiente sagrado próprio dos rituais
desempenhados pelos sacerdotes do Antigo Testamento. Mas com Jesus
Cristo, chegou o tempo do «único sacerdote», homem perfeito e
eternamente vivo, constituído na dignidade de «Filho de Deus» e que,
com a sua morte e ressurreição, intercede continuamente e para
sempre pelo género humano. Não há razão para que os hebreus tenham
saudades dos «tempos antigos», embora seja muito mais cómodo ser
espectador de lindos e pomposos rituais do que sermos nós a cozinhar
com novos ingredientes.
A
mesma preguiça está presente na tentação de olhar para a Igreja como
um lugar seguro onde nos basta refugiar. Ora só se pode dizer que a
Igreja é viva no sentido em que todos nós somos vivos – e ser vivo,
para os seres humanos, implica o exercício da razão, avaliadora de
«receitas antigas e novas» (Mateus,13,52), crítica dos diversos
sabores, sem se deixar enganar por preconceitos ou manipulações do
pensamento – técnicas tanto mais perigosas quanto mais «importantes»
parecem a sua fonte ou quanto mais ligações afectivas estão em jogo.
Perante o actual bombardeamento de informação, é cada vez mais
necessário analisar aquilo de que falamos ou os motivos que nos
levam à acção. Não podemos «ter fé» nem atacar a fé sem pensar com
honestidade o que queremos dizer ou fazer.
Por
isso, Jesus inaugurou um novo tempo e um novo templo: um tempo de
contínua união com Deus, porque o templo é cada um de nós
(João,4,23). E deixa a cada qual a decisão: ou uma vida sujeita aos
mais questionáveis poderes ou uma vida de diálogo amigo e criterioso
com o próprio Deus. A imagem de Deus não é a de um juiz punitivo,
mas de Alguém que nos desperta a alegria da «salvação» – ou seja, o
caminho para o «mundo perfeito» que Deus deseja.
Compete-nos dar corpo ao grande mandamento expresso no evangelho,
que une a Humanidade com Deus. E assim como o amor é «erótico»,
reflectindo a característica humana de precisar de alguém para ser
alguém, assim também precisamos de Deus. A plenitude do prazer é
querer e promover a plenitude do prazer dos outros, cientes de que
uma sadia alimentação espiritual aproveita (Romanos, 8,28), pondo de
lado elementos perigosos, todos os «sabores exóticos» da vida.
04-11-2012 |