19º Domingo do tempo comum (ano B)
1ª leitura: 1º Livro dos Reis, 19, 4-8
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Efésios, 4, 30-5, 2
Evangelho: S. João, 6, 41-51
«Naquele tempo», em que só arranjava os biscates rejeitados pelos
outros, cabia-me uma aula nocturna, aos sábados, que terminava pelas
23h30. Era no Porto, e facilmente apanhava o célebre conboio-correio
da meia noite, com destino a Lisboa, que me deixava em Mogofores, na
Bairrada, pelas 14h30 da madrugada de domingo.
Em minha casa, outrora bem cheia de filhos, o meu velho pai,
sozinho, já se havia deitado, e o silêncio da rua e da casa parecia
tão antigo como o mundo. Mas como eu gostava dessa quietude e
silêncio! Na mesinha de cabeceira, com a cama preparada,
esperava-me, fielmente, a mais simples e profunda prova de amor
paterno: um pucarinho de chá, coberto por um pires e coroado por
três bolachas-maria. Adormecia como um menino e sentia renovar as
forças para a caminhada dos dias seguintes.
Não foi o que se passou com Elias (1ª leitura)? Afinal, quando a
vida lhe parecia um deserto perigoso, «alguém» (que muitas vezes
parece estar a dormir profundamente…) cuidava pelo seu descanso e
restabelecimento do ânimo para levar a vida até ao fim.
E
o evangelho não fala do «maná» que alimentou os judeus, no deserto,
a caminho da Terra Prometida? Era um sinal do carinho (estranho,
sempre estranho…) de Deus. Também a samaritana (João,4) ficou a
saber que podia dispor de uma misteriosa «água viva», sempre a
jorrar para além dos tempos.
No evangelho de hoje, Jesus é apresentado como «o pão que veio do
céu», ou seja como sinal de que precisamos de um alimento que nos dê
forças, não só para os caminhos desta vida, mas também para caminhar
muito para além, partilhando da vida do próprio Deus.
(A própria anunciada «vida eterna» não será uma exploração sempre
nova, incansável e deslumbrante, do mistério de Deus, que Jesus
sempre referiu como o ambiente de perfeita alegria?)
No entanto é no «evangelho de João» que é bem sublinhado como nem o
maná, nem a água viva oferecida à samaritana, nem o «verdadeiro pão
que veio do céu» libertaram alguém da morte. O próprio Jesus morreu
e de morte cruel.
É
um evangelho célebre pelas antíteses que explora: Luz e trevas,
espírito e carne, verdade e mentira… cabendo aos seres humanos
escolher com sabedoria. Mas a principal antítese será a de morte e
vida: todos sabem que a morte faz parte da vida – e a comunidade
joânica, de modo especial, sofria as primeiras grandes perseguições
e duras mortes, apesar de se unirem à volta da «água donde jorra a
vida eterna» e do «pão que não deixa morrer».
O
essencial do 4º evangelho é que Jesus revela a dimensão paterna (e
materna) de Deus, mesmo se no momento da sua morte a única bebida de
conforto foi uma esponja embebida em vinagre.
É
evangelho mais difícil de interpretar e até de justificar – de tal
modo reflecte as pregações e reflexões da «comunidade joanina» – uma
comunidade que sofria a oposição do Império romano, a expulsão da
sinagoga judaica e uma certa influência gnóstica, favorecendo uma
atitude de isolamento e de diferenciação da principal comunidade
cristã centrada em S. Pedro (o que faz pensar no perigo de
dogmatizar especulações e vivências religiosas, chegando-sd a causar
guerras e provocando a estagnação do pensamento humano – cuja
inquietude atesta a sua fonte divina).
Aliás, Jesus Cristo é um «incompreendido»… Mas é justamente este
Jesus que é «recordado» (nos rituais eucarísticos) como merecedor de
toda a nossa confiança. Um Jesus que sublinhou como os seus
seguidores são aqueles que dão de comer e de beber a quem precisa (e
não se diz que os gestos de carinho são como pão para a boca?)
Se eu, na madrugada de domingo, me atirasse tonto de sono para cima
da cama, não tinha olhos para ver a comida e bebida ao dispor, e
sobretudo não veria o carinho de meu pai.
Não nos acontece tantas vezes? Não conseguimos abrir os olhos para
os inúmeros sinais de carinho e amor, que nos fazem sentir que é bom
viver «apesar de tudo».
Jesus revelou que Deus está igualmente presente nos momentos de
prazer, de alegria, de dor e tristeza – como aquele alimento que a
tudo dá sabor a vida (2ª leitura).
E
Jesus revia-se nas nossas aventuras humanas – vivia a sério, porque
sabia que não nascemos para acabar com a morte e dava e procurava o
apoio da amizade.
Não
gostaria de encontrar, ao chegarem as noites do seu campismo vadio,
uma bebida quentinha com três bolos de fabrico regional…?
12-08-2012 |