Liturgia Pagã

 

Carapuças de pastor – e não só

16º Domingo do tempo comum (ano B)

1ª leitura: Profeta Jeremias, 23, 1-6

2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Efésios, 2, 13-18

Evangelho: S. Marcos, 6, 30-34

 

Sazonalmente, dão um bom negócio… O próprio Jesus se preocupava com as «carapuças» que muitos pastores (detentores do poder político ou religioso) não tinham coragem de enfiar…

O valor simbólico do pastor já é reconhecido nas antigas civilizações do Médio e Próximo Oriente. Explora sobretudo a característica de dedicação e proximidade com o rebanho, de tal modo que este confia (por vezes cegamente) na voz familiar que o dirige; por sua vez, o pastor chega a arriscar a vida para defender a vida do rebanho. Reis e deuses eram pastores por excelência. Na religião hebraica, o título aplica-se sobretudo aos dirigentes do povo (reis, sacerdotes, juízes…) – embora muitos sejam apontados como «maus pastores», por incompetência, egoísmo ou malvadez.

É preciso coragem para pedir a sabedoria de Deus. Convém ler o salmo 72, sobre o «rei pastor»: «Ó Deus, concede ao rei a tua rectidão, para que julgue o teu povo com justiça, ajude os necessitados e esmague os opressores».

O profeta Jeremias (que exerceu a sua actividade por volta de 600 a.C. e testemunhou um dos mais graves períodos da história do Próximo Oriente) ataca violentamente os reis pastores iníquos, embora já o Antigo Testamento ataque também os sacerdotes e os seus círculos de poder. Perante as consequências desastrosas para Judá e Israel, não hesita em afirmar que Deus enviará em breve um rei «bom pastor».

Para o cristianismo, séculos mais tarde, Jesus Cristo foi o «bom pastor» por excelência, o grande enviado de Deus. No evangelho de hoje, Jesus comove-se ao ver a multidão de olhar perdido, sem nada que desse sentido e sabor à vida de cada dia, «como ovelhas sem pastor». Esta expressão pertence ao profeta Ezequiel (poucos anos mais novo do que Jeremias, e um dos deportados para Babilónia). O capítulo 34 deste profeta, na linha de Jeremias, fala sem rodeios de uma situação tristemente sempre actual, onde a violência foge da razão e imperam o oportunismo, a inveja, a ignorância e mesquinhez, perante a fuga desordenada de ovelhas que não se dão ao trabalho de serem elas a escolher um pastor competente, enriquecedor dos sabores da vida – um pastor na dimensão política e na religiosa. A «vida futura» não pode ter sabor, se não defendemos os sabores da vida presente.

Deixemos a Ezequiel (cap.34) o comentário final a Jeremias e ao evangelho – e «aquele que tiver ouvidos, entenda!» (Mateus,13,9):

«Ai dos pastores que se apascentam a si mesmos! Que bebem o leite das suas ovelhas, lhes tiram a lã e matam as mais gordas! Não tratam das mais fracas, das feridas e das perdidas, mas a todas tratam com violência e dureza! Por isso elas fogem sem saber para onde ir e são chacinadas pelos animais mais fortes. Por isso, diz o Senhor: Da boca dos pastores iníquos arrancarei as minhas ovelhas, e elas nunca mais serão uma presa para eles».

Porém, o profeta acrescenta que Deus vai julgar também as ovelhas: porque há «ovelhas gordas» cúmplices dos pastores iníquos e que se alimentam dos pastos mais suculentos – e «ainda por cima calcam aos pés o resto do prado; bebem a água límpida e ainda vão turvar com os pés a água das ovelhas magras. Por isso diz o Senhor: Porque investistes com os chifres contra todas as ovelhas fracas até as atirar para fora, Eu virei em socorro das minhas ovelhas, para que elas sejam poupadas à pilhagem; vou julgar entre ovelhas e ovelhas».

22-07-2012


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