6º Domingo de Páscoa (ano B)
1ª leitura: Actos dos Apóstolos, 10, 25-26.
34-35. 44-48
2ª leitura: 1ª Carta de S. João, 4, 7-10
Evangelho: S. João, 15, 9-17
Três histórias: S. Pedro
e a comunidade cristã enfrentam novos tipos de ser e pensar; uma
carta de S. João conta o que lhe vai na alma; e as memórias de um
serão intensamente dramático.
Recordar requer o dom de contar e só conta bem quem fez família com
quem é recordado. E só recorda a sério quem guarda dentro de si a
vida daquele que ama.
Mas
também só é bom ouvinte quem se dispõe a partilhar dos sentimentos
do contador; quem faz perguntas e é curioso de ouvir histórias que
falem de mundos novos.
Todos
nós sabemos que há péssimos contadores de histórias. Por mau jeito
de articulação seja das palavras seja das ideias. Os piores, porém,
serão aqueles que, justamente nas histórias importantes, se ficam
por discursos «moralizantes», demasiado «angélicos», revelando que
não vibram a sério com aquilo de que estão a falar. Partem do
princípio que os seus ouvintes não pensam… Caem numa linguagem quase
incompreensível e apresentam os valores como tesouros intocáveis.
Lembram certas leituras da liturgia (qual é o critério de escolha e
de remodelação do texto original?): monótonas, demasiado «etéreas»,
sem ligação com a vida e, mais grave ainda, desvalorizando a alegria
de viver – e quem não a valoriza, como poderá acreditar que a «nova
vida» vale a pena?
Ora um
valor, por mais venerável e venerado que seja, precisa de ser
continuamente avaliado e sujeito a novos modos de expressão. De
outro modo, deixa de ser um valor compreendido e querido por cada
ser humano, transformando-se num instrumento de opressão –
espiritual, política e física.
Aquilo
a que damos mais valor deve ser o centro das nossas histórias. E à
medida que as contamos é que a família vai descobrindo «o fio da
história».
Os
primeiros cristãos precisaram de contar e recontar como o Espírito
de Deus levou S. Pedro a reconhecer algumas falhas de inteligência e
vontade: a 1ª leitura descreve a dificuldade do «primeiro papa» em
aceitar a família do centurião Cornélio como igual, em dignidade e
direitos, aos cristãos judeus.
As
ideias feitas sempre nos impediram de aderir à sabedoria divina:
esta é que vê em cada ser humano, sem excepção, a dignidade de
representantes de Deus. Não foi Jesus Cristo desprezado e
maltratado? Não disse ele que «quem manda seja como quem serve»? Não
falou S. Paulo das diferentes funções e estatutos sociais de quem
faz o trabalho «ou das mãos ou dos pés»? Uns e outros são a mesma
família, onde a alegria não depende de ser o «homem rico» ou o
«homem pobre». Quanto àqueles intrusos que só fazem roda ao «homem
rico»… não querem mesmo ser da família.
Mas
não esqueçamos duas coisas: S. Pedro foi capaz de «virar as tripas
do avesso» para aceitar os pagãos como «família» e mais tarde pagou
com a vida a fidelidade ao novo compromisso.
S.
João continua a falar do amor. Conta-se que já os discípulos dele se
queixavam de estarem sempre a ouvir a mesma música… Mas S. João
insistia. Não há dúvida que era alguém super impressionado com «as
histórias de Cristo»!
Numa
família equilibrada, gente velha e gente moça, gente letrada ou não,
irmão rico e irmão pobre… todos andam no mesmo rodopio, entre o
arregaçar das mangas e a ternura dos beijos e abraços. Todos contam
histórias e são actores de histórias.
Nessas
famílias, ninguém nasceu para morrer: todos nasceram para serem
ocasião de alegria e de se amarem e para ajudarem a alegria e o amor
a vingar por todos os tempos.
É
aceitável dizer que a dimensão religiosa se deve à saudade deste
amor e alegria tão sentidos e tão desejados, e que sentimos nunca
poderem acabar. A vitória da alegria esclarece o confuso termo
«ressurreição».
Jesus
precisou de partilhar ideais e angústias, na intimidade com a «sua
família». E fê-lo com tanto amor, tão certo de dar a vida porque há
mais vida, que os seus amigos, desde então até hoje, se sentem
cheios de força para viver e poder contar velhas e novas «histórias
de família».
13-05-2012 |