Li recentemente na «Ecclesia» que «Eutanásia e
suicídio assistido não acabam com o sofrimento, acabam com uma
vida».
Parece um «slogan»próprio de grandes marchas pública.
O autor (D. Nuno, Bispo Auxiliar de Braga) propõe que a Assembleia
da República deve votar «não à eutanásia e suicídio assistido»,
porque se trata de uma «interrupção voluntária do amor e da vida».
Mais recentemente, apareceu o mote: «Eutanásia é
opção pela morte».
Porém, apreciei positivamente a editorial do Público
sob o título «A vida não se referenda». A meu ver: Quem sabe ou pode
definir e avaliar a «Vida»? E que valor se pode dar a um referendo?
Entre parênteses: referendo, greve… já foram meios honestos para
aproximar a sociedade da melhor ideia possível de democracia – outro
conceito frequentemente aviltado. Pertencerão aos novos tabus?
Muito claramente: SOU CONTRA a legislação sobre
«situações extremas». Aquilo que não conseguimos pensar nem
descrever (a experiência total é segredo de quem morreu) não pode
ser reduzido a um caso jurídico entre outros.
SOU CONTRA o sofrimento que já não é «razoável». Sou
contra legislar sobre o trâmite da morte DOS OUTROS – muito mais se
as leis partem de «gente nova» ou de «axiomas» quer religiosos quer
políticos.
Portanto, sou CONTRA qualquer limitação do bom senso
e humanidade nesta situação extrema: a liberdade e dignidade perante
a morte deve ser totalmente respeitada e favorecida. O que é punível
é a perversidade sob qualquer forma. É a grande consequência de
levarmos a vida a sério.
O artigo no 7M de 11 de Fevereiro, da autoria de
Helena T. Valentim, expõe sem rodeios como nas conversas do
dia-a-dia se manifestam angústias e atitudes, por vezes contrárias
entre si, que nos impedem de tomar posições «claras», devido
justamente ao «nevoeiro ético e sentimental» que envolve estas
situações.
É perigoso e «nada transparente» jogar com
sentimentos tão fortes e tanto para além dos estudos e reflexões
mais aturadas e honestas. A «condição humana» tem que descobrir a
riqueza da sua humildade. Humildade que é o esforço pessoal de se
reconhecer devedor a todos os outros, bons ou maus, pobres ou ricos.
De todos recebemos «lições» sobre a vida, cabendo-nos enriquecer o
futuro da Humanidade com o mais alto nível dessa «muito nobre
humildade».
Será que temas como eutanásia, aborto, divórcio… só
podem ser «notícia» quando surgem «ameaças», de qualquer parte que
seja? Não serão suficientemente sérios para contínua exploração?
Preferimos baixar os braços e suplicar a esmola de um
parecer favorável, que nos liberte de ter que pensar?
Que é que nos leva a teimar que podemos ser salvos
por leis – impostas por um grupo de poder desprovido de competência
«para tudo»? Se a própria «votação» é obscurecida pelos slogans,
mentiras e baixo nível cultural das assim chamadas «discussões» e
«esclarecimentos»? Infelizmente, o mesmo se passa da parte dos
próprios «líderes» religiosos e de diversos «ideólogos». A Igreja
tem uma quase «eterna» sucessão de anos litúrgicos, em que os
«fiéis» raramente são «chamados à pedra» para que não fujam ao
trabalho de pensar nos valores da vida – essa energia que se vai
concretizando em cada um de nós, do mesmo modo que se concretizou e
concretizará indefinidamente e esperemos que criativamente.
De novo lembro uma estratégia merecedora de ser
tentada pacientemente: explorando incansáveis trocas de ideias que
permitam a cada qual falar claramente, ouvir sem excitação nem
pressa de interromper, dar lugar a «gente diferente» e ideologias
diversas… e formular sem preconceitos as posições tidas como mais
«razoáveis». Este último adjectivo é extremamente importante: é o
reconhecimento de que a «verdade plena» está para além do nosso
esforço e só abusivamente e perigosamente é apresentada como «posse»
de alguém. A Verdade plena será a Luz que deveria orientar o nosso
esforço e da qual apenas nos podemos aproximar – sendo «razoável»
esperar que por toda a eternidade…
SOU SIM A FAVOR DE PERMANENTE, HUMILDE E HONESTA
REFLEXÃO sobre as tentativas de pensar e agir como deve ser, nos
casos de eutanásia e aborto, nomeadamente. Se não confiamos na
prevalência do bom senso da Humanidade, em que «representantes»
podemos confiar?
SOU A FAVOR da consciente liberdade de escolha quanto
aos momentos finais: sofremos para viver – e a morte é o último
sofrimento. As instituições culturais (nomeadamente as artísticas)
deviam «educar» as pessoas a enfrentar este «sofrimento último» SE
NÃO HÁ SUFICIENTE RAZÃO PARA PROLONGAR: durante a vida, somos
capazes de sofrer pelos outros e de nos privarmos de prazeres por
bem daqueles que amamos. Mais do que morrer na dor e na revolta, não
vale mais entregar à vida dos que amamos e à de toda a Humanidade
os recursos financeiros «razoavelmente inúteis» e dando exemplo de
superar a visão niilista da morte?
Dá-se precisamente o contrário da «interrupção
voluntária do amor e da vida»: «Não há maior amor do que oferecer a
vida por aqueles que amamos». Um bom desabafo, atribuído a Jesus, e
que devíamos meditar, sem preconceitos nem sombra de fanatismo – e
com a grandeza da nossa humildade…
Aveiro, 14-02-2020 |