Que quer dizer «boa educação»?

Lemos na Bíblia que o profeta Eliseu foi autorizado a visitar a sua família, para dela se despedir e só depois acompanhar Elias (1 Reis, 19. 19-21). Até organizou um banquete de despedida, matando a junta de bois com que ganhava a vida.

Por que é que os Evangelhos apresentam Jesus a dissuadir pretensos discípulos de se despedirem da família e até, para um deles, de cumprir o dever quase sagrado de sepultar o pai acabado de morrer? Como se pode falar de boa educação? (Lucas,9.57-62).

Não duvido que Jesus foi exemplo de «boa educação». Contudo, várias vezes parecia seguir uma «etiqueta» no mínimo estranha. Nas Bodas de Caná, quase «pôs de lado» a própria mãe. Pretenderia mostrar a toda a gente que a missão dele não era seguir os desejos ou sugestões de sua mãe, por muito sensatos que fossem? Se acabou por «dar uma ajudinha» à festa, foi porque achou que a ideia era plenamente ajustada à sua missão (João, 2,1-12).

Pelo que sei e vou sabendo, Jesus combate a mediocridade e a presunção. Comecemos por verificar que a situação histórica é bastante diferente da de Eliseu. Por outro lado, não se pode afirmar que Jesus falou e agiu como escreve o evangelista, nem podemos esquecer o estilo semita de argumentação, que utiliza muito o contraste de ideias e comportamentos. Neste caso, serve para vincar a dificuldade de escolher o que é melhor num momento stressante e decisivo. Agiu como profeta: deixou claro o sinal de que já era tempo de dar o primeiro lugar ao que é mais importante, sem nos perdermos com coisas ou acções, por muito bonitas e louváveis que sejam. Temos um provérbio adequado: «vão-se os anéis, fiquem os dedos». Numa aterragem de emergência, só se salva quem deixa para trás os pertences mais «preciosos». Não se avança com a construção, se os alicerces do projecto não garantem solidez.

Jesus também partia do princípio de que não dispunha de toda uma vida: urgia aproveitar o tempo para realizar o projecto da sua vida. Podíamos dizer que se sentia num «teatro de guerra»: quem entra nas fileiras não tem tempo para grandes despedidas. Hoje, o mais pobre telemóvel anunciaria com um só toque: «I love you» – e tanto a família como a namorada e amigos ficariam contentes por ver partir o amigo em tão nobre missão.

É claro que o exército de telemóveis favorece novas «etiquetas», continuamente a serem actualizadas. E a «educação» – poderá deixar de ser «boa»?

«Etiqueta» é um rótulo ou espécie de prego para fixar um lembrete, como normas de «bom comportamento» ou de cerimónia. Adapta-se aos tempos e situações. Mas para nunca nos cansarmos de bem-querer em todo o tipo de relações humanas nem sermos «Maria vai com os outros», só faz bem reflectir em que não somos animais irracionais.

A história da palavra «Educação» esclarece o sentido fundamental: conduzir ou levar para mais além. É libertar do casulo e não ter medo de sermos «insatisfeitos»: não se fechar na sua concha, ter coragem de vencer o medo da aventura (cada qual segundo o seu jeito!). Como se diz, «ficar parado é andar para trás».

Mas como garantir que não nos vamos perder?

Temos a capacidade de perguntar o caminho. Porém, quer o guia quer a nossa cabeça precisam de conhecer o que mais desejamos e as nossas aptidões. Se «seguirmos a manada», será porque tomámos essa decisão de modo razoável.

A boa caminhada, contudo, implica parar de vez em quando para descansar, admirar as novas paisagens e discernir o trilho mais conveniente para seguir. Precisamos de estabelecer um «Critério», que nos permita elaborar um juízo de apreciação.

Ora muita coisa se faz sob o nome de educação que não é sequer educação e muito menos «boa».

O verbo latino educare (puxar para fora, conduzir) pode-se aplicar a todos os seres vivos (animais e plantas): originalmente tem os significados de produzir, alimentar e cultivar, passando para instruir, formar, educar. Aplica-se especialmente à acção sobre um ser humano. Note-se que a dimensão de alimentar é muito importante: pois «adulto» significa «alimentado». Ainda hoje, depois de milhares de anos, a noção de adulto mantém o valor da perfeição (sempre utópica!) de cada pessoa. Enquanto caminhamos do nascimento até à morte, como que continuamos «adolescentes», num contínuo e indefinido processo de crescimento («educação contínua»).Parece que bastaria «desenvolver» o ser humano para se dar «boa educação».

O pior é que o mal também se desenvolve… Sejam doenças, ideologias ou o “progresso” da violência. O «desenvolvimento» em foco só poderá ser aquele que possibilita ao sujeito um estádio considerado "superior", na linha dos «talentos» disponíveis em cada qual. 

Sendo assim, talvez a melhor garantia de que a nossa caminhada – «educação» – é «boa» será «alimentar» essa busca insatisfeita por paisagens cada vez mais espantosas, sem esquecer que a nossa estrutura interior se fortalece ao saber utilizar as situações difíceis para se enriquecer. Perante o que parece «melhor, mais prático, mais apetecível», temos que assumir a responsabilidade de escolher. Ora a escolha própria do ser humano é um exercício da razão: a procura honesta de justificação.

Descobrindo as razões de como vale a pena viver, encontramos o prazer da «boa educação».

Aveiro, 27-06-2019

 

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