Falar dele é ficar à espera de uma gargalhada, de uma
anedota, de uma história da vida ou de qualquer facto – relatado com
elegância, ritmo e abundância de tons… como grande actor de teatro.
Todos os momentos, dos mais tristes ou sérios até aos
mais comuns e divertidos, todos transmitiam o seu movimento
interior. Nas peripécias da adolescência, como nas viagens em
imundos vagões de mercadorias, em que não só poupava dinheiro como
sobretudo sentia o gosto e liberdade da aventura. Ou nos anos 60 em
Angola, em que se fazia amigo de gente desconhecida de catana ao
alto, com quem se cruzava em caminhos perdidos; sobrevivendo a
desastres, inundações… e sobretudo nas cenas todas em que farejava o
lado cómico.
E no Brasil? Os milhares de quilómetros pelo interior
da Amazónia, com partidas da natureza, bem perigosas algumas, e com
salteadores ou outros seres «des-humanos».
Bem quis publicar as suas aventuras, mas não chegou a
fazer a apresentação do livro completo. Contudo, o que já foi
publicado é bem sugestivo e empolgante. Até me lembra uma das mais
apreciadas leituras no tempo da minha Escola Primária: «Aventuras do
Barão de Munchausen».
Como empregado, professor… era aventureiro da
Justiça. E sofria por esse objectivo e pela reacção negativa e
nefasta, até por parte daqueles que desejava defender. Como seria de
esperar, era outra Amazónia. Mas como professor, sabia dar a volta
aos alunos e alunas de cursos profissionais, aplicando as qualidades
de actor, os seus conhecimentos diversificados e o prazer em criar
amizade. O interesse pela História, a experiência de anos em
Inglaterra, Angola, Brasil e visitas a amigos de países diversos…
garantiam positiva defesa.
E sabia muito bem que quem vai à guerra dá e leva. Em
resumo: tinha sempre os braços abertos para a Vida, mesmo quando não
acertava em cheio.
A aventura da vida alimentou a aventura com «o Deus
de quem é sinceramente religioso». Naturalmente, era um cristão
questionador de conceitos e de rituais, mas consciente de que a vida
fiava mais fino se procurava andar de braço dado com Deus.
Tive o proveitoso prazer de o acompanhar em viagens.
Fossem longas ou curtas, contemplava a beleza de paisagens e
monumentos históricos. E sempre, como seria de esperar, escolhendo
os caminhos mais estranhos e desconhecidos.
Em aventuras, não é fácil medir a força e qualidade
dos grandes abraços que gostaria de dar. E o mais pequeno recanto
podia transformar-se num palco cheio de vida, com abraços lançados
quase à toa.
Família e Amigos, com quem se podia encontrar também à toa,
enchiam-lhe a agenda, como verdadeira «Torre do Tombo» de
aniversários, direcções, ascendências e descendências.
A 12 de Novembro de 2024, vi-me sozinho como último
membro da fratria Alte da Veiga – o «clã dos 5 irmãos», todos
rapazes. Eu sou o 5º elemento e o António era o mais próximo de mim,
quatro anos e meio mais velho. Subindo a escada, vinham o Eugénio,
Luiz e Francisco (10 anos mais velho que eu). Eu era alcunhado e
tratado como «laparoto desgarrado».
Deixei os Quatro a brilhar no palco deste mundo. Eu
só fui digno de ficar a olhar… Até que ao cair do pano fui empurrado
para a frente, como mensageiro de todos eles para estimular a
assistência a bater palmas e gritar vivas a esses artistas que
animaram tantos momentos da vida, cada qual com a Sabedoria e
rendimento dos Talentos que lhes couberam.
Como dizia em O VENTO GOSTA DAS FLORES: «Partiram com
o vento na mais desconhecida aventura. Todas as virtudes do seu
perfume e beleza vão ser espalhadas pelo mundo inteiro e pelos
tempos fora – por esse vento que «ninguém sabe de onde vem ou para
onde vai».
No Livro da Sabedoria e nas páginas finais do Livro
do Apocalipse, gosto de me encontrar com o sentido da Vida.
Via como a Sabedoria divina gosta de brincar com os
seres humanos e deixa-se encontrar por quem a procura. E quando os
«actores» saem do palco são por ela levados para a alegria de Deus,
e renova o universo ao juntar todos os amigos de Deus onde nunca
mais haverá tristeza e dor mas uma permanente aventura, que supera
os sonhos mais arrojados.
O amor da Sabedoria é aventurar-se no seu conhecimento. E ela nos
dará a paz verdadeira, porque é o reflexo de todas as perfeições de
Deus.
E quando resplandecer em toda a justiça o Reino de
Deus, tudo se transformará numa «nova criação» onde os abraços a
Deus se confundem com os abraços de Deus.
E o mano António gostava tanto de abrir os braços a
quem vinha ao seu encontro!
Aveiro,
01-12-2024 |