O meu irmão António

Falar dele é ficar à espera de uma gargalhada, de uma anedota, de uma história da vida ou de qualquer facto – relatado com elegância, ritmo e abundância de tons… como grande actor de teatro.

Todos os momentos, dos mais tristes ou sérios até aos mais comuns e divertidos, todos transmitiam o seu movimento interior. Nas peripécias da adolescência, como nas viagens em imundos vagões de mercadorias, em que não só poupava dinheiro como sobretudo sentia o gosto e liberdade da aventura. Ou nos anos 60 em Angola, em que se fazia amigo de gente desconhecida de catana ao alto, com quem se cruzava em caminhos perdidos; sobrevivendo a desastres, inundações… e sobretudo nas cenas todas em que farejava o lado cómico.

E no Brasil? Os milhares de quilómetros pelo interior da Amazónia, com partidas da natureza, bem perigosas algumas, e com salteadores ou outros seres «des-humanos».

Bem quis publicar as suas aventuras, mas não chegou a fazer a apresentação do livro completo. Contudo, o que já foi publicado é bem sugestivo e empolgante. Até me lembra uma das mais apreciadas leituras no tempo da minha Escola Primária: «Aventuras do Barão de Munchausen».

Como empregado, professor… era aventureiro da Justiça. E sofria por esse objectivo e pela reacção negativa e nefasta, até por parte daqueles que desejava defender. Como seria de esperar, era outra Amazónia. Mas como professor, sabia dar a volta aos alunos e alunas de cursos profissionais, aplicando as qualidades de actor, os seus conhecimentos diversificados e o prazer em criar amizade. O interesse pela História, a experiência de anos em Inglaterra, Angola, Brasil e visitas a amigos de países diversos… garantiam positiva defesa.

E sabia muito bem que quem vai à guerra dá e leva. Em resumo: tinha sempre os braços abertos para a Vida, mesmo quando não acertava em cheio.

A aventura da vida alimentou a aventura com «o Deus de quem é sinceramente religioso». Naturalmente, era um cristão questionador de conceitos e de rituais, mas consciente de que a vida fiava mais fino se procurava andar de braço dado com Deus.

Tive o proveitoso prazer de o acompanhar em viagens. Fossem longas ou curtas, contemplava a beleza de paisagens e monumentos históricos. E sempre, como seria de esperar, escolhendo os caminhos mais estranhos e desconhecidos.

Em aventuras, não é fácil medir a força e qualidade dos grandes abraços que gostaria de dar. E o mais pequeno recanto podia transformar-se num palco cheio de vida, com abraços lançados quase à toa.

Família e Amigos, com quem se podia encontrar também à toa, enchiam-lhe a agenda, como verdadeira «Torre do Tombo» de aniversários, direcções, ascendências e descendências.

A 12 de Novembro de 2024, vi-me sozinho como último membro da fratria Alte da Veiga – o «clã dos 5 irmãos», todos rapazes. Eu sou o 5º elemento e o António era o mais próximo de mim, quatro anos e meio mais velho. Subindo a escada, vinham o Eugénio, Luiz e Francisco (10 anos mais velho que eu). Eu era alcunhado e tratado como «laparoto desgarrado».

Deixei os Quatro a brilhar no palco deste mundo. Eu só fui digno de ficar a olhar… Até que ao cair do pano fui empurrado para a frente, como mensageiro de todos eles para estimular a assistência a bater palmas e gritar vivas a esses artistas que animaram tantos momentos da vida, cada qual com a Sabedoria e rendimento dos Talentos que lhes couberam.

Como dizia em O VENTO GOSTA DAS FLORES: «Partiram com o vento na mais desconhecida aventura. Todas as virtudes do seu perfume e beleza vão ser espalhadas pelo mundo inteiro e pelos tempos fora – por esse vento que «ninguém sabe de onde vem ou para onde vai».

No Livro da Sabedoria e nas páginas finais do Livro do Apocalipse, gosto de me encontrar com o sentido da Vida.

Via como a Sabedoria divina gosta de brincar com os seres humanos e deixa-se encontrar por quem a procura. E quando os «actores» saem do palco são por ela levados para a alegria de Deus, e renova o universo ao juntar todos os amigos de Deus onde nunca mais haverá tristeza e dor mas uma permanente aventura, que supera os sonhos mais arrojados.

O amor da Sabedoria é aventurar-se no seu conhecimento. E ela nos dará a paz verdadeira, porque é o reflexo de todas as perfeições de Deus.

E quando resplandecer em toda a justiça o Reino de Deus, tudo se transformará numa «nova criação» onde os abraços a Deus se confundem com os abraços de Deus.

E o mano António gostava tanto de abrir os braços a quem vinha ao seu encontro!

Aveiro, 01-12-2024

 

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