«Junto aos rios de Babilónia me sentei,
a meditar no que diziam sobre Sião»
(paráfrase do Salmo 137,1)
1 –
Pelo que investiguei sobre KÉRIGMA, trata-se de uma
«proclamação oral» - não exposição teórica, mas um anúncio
importante, chamada de atenção ou alerta. No caso do Cristianismo,
proclama-se, por ex., Jesus Cristo crucificado e «vivo»; e o
«arauto» tem que mostrar que vive o que proclama.
2 –
Cada «ARAUTO» deve aproveitar o seu próprio estilo e
cultura. Por isso, foi necessária, desde o princípio, uma exposição
simples e concisa do núcleo da mensagem: confissão ou «símbolo da
fé». O grande critério de verdade da mensagem é querer «amar os
outros»; «amar a Deus» aponta para o desejo de querer sempre o que
vale mais a pena, não se ficar pelo muito que já tenha feito em prol
da «grande casa humana»; é confiar no «Deus vivo» e não no
«Deus dinheiro»; é investir o dinheiro no bem-estar de todos. Os
Actos dos Apóstolos (2,42-47) construíram a imagem idílica de uma
sociedade de «bem-estar» como resultado da «encarnação» deste
critério de verdade; essa imagem também forma um «kérigma» agradável
de ouvir, pois fortifica a esperança de que construiremos uma
sociedade verdadeiramente humana, tendo a «boa nova» de Jesus Cristo
como alicerce do nosso projecto. Esta esperança, já manifesta nos
antigos profetas, pertence ao núcleo da mensagem cristã; e assim
contribuiu para o sucesso extraordinário do Cristianismo, juntamente
com outros factores ainda não suficientemente discutidos.
3 –
Que sentido tem proclamar um «Deus de Deus… gerado
não criado, consubstancial ao Pai…»? Ainda por cima, a terminologia
é muito próxima do gnosticismo histórico. Até KARL RAHNER propunha
um «novo credo», que exprimisse o núcleo da vida e proclamação de
Jesus Cristo (inserida na matriz judaica) e da nova relação entre
Homem e Deus. (Veja-se o «gnosticismo
actual» na encíclica GAUDETE ET EXULTATE)
4 –
Jesus proclamou que «querer o melhor» exige não
descansar «na Lei» (que até pode favorecer a corrupção). Nas
Bem-aventuranças e no «mistério» do «reino de Deus», nada está
definido, nem há rankings de classificação: proclamam a tensão
provocada pelo desafio de Deus aos Homens. As parábolas e muitas das
suas respostas são suficientemente enigmáticas para suscitar a
curiosidade, interesse, reflexão… pondo os ouvintes a «mexer por
dentro». Mas o «enigma da vida» era acompanhado de fé e esperança na
LIBERTAÇÃO das angústias da vida. E o núcleo da sua proclamação (a
forma simples do seu «credo») pode ser assim resumido: Deus é como
um pai que se alegra por viver com os filhos e por ver regressar os
que andam longe (ver artigo de MEIER no Nuevo Comentario Biblico
San Jeronimo). E juntá-los na mesma mesa (eucaristia).
5 –
Pelos tempos fora, os estilos e meios de proclamação
naturalmente adquirem novas formas. Os VALORES não são dogmas (e
estes são perigosos e abusados). Misturando artigos meus com o livro
do P. Tolentino, gostaria de anunciar «um Deus que dança connosco»,
sem nos impor o ritmo mas também sem pisarmos o outro…
6 –
Bons e maus seguidores de Cristo. Alguns viveram como
sendo possível comprar o Deus vivo com o Deus dinheiro. PÉSSIMOS
ARAUTOS, «cegos conduzindo cegos». Transformaram o DIÁLOGO de Jesus
num monólogo inquisitório, manietante e manipulador; defendem uma
doutrina fixista (medo do exercício da razão), imposta pela «banha
de cobra», pelo «assédio moral» e até pela força física e política.
A sua riqueza, ostentação e hipocrisia (na comunicação e no
ocultamento da corrupção moral) mostram FALSA VOCAÇÃO, sem
autenticidade (Mat.12,34). Elite quase intocável (ver o citado
«Gnosticismo actual»).
7 –
Porque todos somos ARAUTOS, devemos ajudar-nos uns
aos outros e dizer, com suavidade mas sem encolhimentos, o que pode
estar a destruir a construção do «reino de justiça e de paz». Não
ter medo de ir «de braço dado com FRANCISCO» (tenciono escrever sob
este título), com quem se pode falar à vontade. Por exemplo, eu acho
que o Papa, ao falar da misericórdia e migração, deixou demasiado
para segundo plano a responsabilidade política de todos os países,
sobretudo dos mais implicados – na linha da «ética universal» tão
bem apresentada por HANS KÜNG. Ajudar os Padres («tipo diocesanos»)
a viverem connosco, a não terem medo de escutar e discutir conflitos
não só ideológicos e religiosos e de enfrentar várias situações de
violência (e obtendo preparação para tal). Discutir o celibato e
abordar a sexualidade sem meias palavras.
8 –
Só os leigos é que devem ser «missionários nas coisas
do mundo»? Mas porquê afastar padres e religiosos da acção política?
A questão não é apoiar partidos ou personalidades: é PROCLAMAR o bem
e o mal, onde quer que se encontrem, e quais promovem ou destroem a
dignidade humana. Por outro lado, não estaremos perante o fenómeno
de «angelismo»? Não se estará a contribuir para uma imagem elitista
de «místicos seres humanos», a meio da escala entre «os outros» e
Deus? Esta «visão angélica» contribui em grande medida para o
«assédio sexual» (está na moda!) a esses «anjos» e para problemas de
equilíbrio pessoal.
9 –
No dia-a-dia: cumprimentamos as mulheres ou homens de
limpeza? «Falamos de alto» para pessoal subordinado? É causa
principal do «burn-out». Elogiamos o trabalho deles?
Preocupamo-nos com o bem-estar deles (necessário para a qualidade)?
Quando elogio a arte de condução dos arrumadores de carrinhos nos
supermercados, como é bom ver a reacção! Mas um deles respondeu
tristemente: «Pois é, para o meu patrão eu nem isto faço bem, nem
mereço o que ganho».
10. –
Estratégias de «proclamação»? A missionação tem novas
exigências de contacto. Aposto na inserção noutros grupos, criando
ambientes de conversa aberta e recíproca, e até de amizade. Cada vez
mais penso, paradoxalmente, que «vale a pena morrer porque vale a
pena viver». Assim vejo Jesus Cristo e a sua proclamação. Dar a
vida para que a vida valha a pena. A começar na vida neste mundo.
E em vez de «morrer», por que não dizer «dar a vida»? Aliás, ao
longo doa vida, não a vamos dando aos bocadinhos – quando não em
grossas fatias?
11. –
Finalmente: Chamo a atenção para os artigos de
ANTÓNIO MARUJO no jornal PÚBLICO, 25 de Agosto e 26 de Setembro. E
o que disse o Papa em Dublin: «É necessário que cada baptizado se
sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto
necessitamos».
Aveiro, 30-09-2018 |