(a partir do grego: morte utilitária, conveniente,
necessária)
Até parece: depois da preocupação (sincera?) com os
«idosos», sugere-se que estes não têm assim tanta utilidade para o
bem da família e da sociedade. Por isso, até convém não falar do
contributo deste numeroso grupo para o crescimento da economia: não
só pelo dinheiro que movimentam como também por alimentarem variados
tipos de emprego e por serem a retaguarda de trabalhadores e
famílias mais jovens; e que são o grande público-alvo de muitas
iniciativas empresariais. Só interessa dizer que as pessoas mais
idosas ou gravemente doentes ocupam excessivamente os hospitais,
dificultando o atendimento à gente mais nova e mais rentável
economicamente (por hipótese).
Apetece-me dizer, em conformidade com esta posição,
que a «cré-tanásia»se devia estender a todas as pessoas inúteis e
sobretudo às que fazem mal à sociedade, com especial incidência, no
interesse do bem-estar geral, sobre «certos» políticos, dirigentes
de bancos, etc., etc.. Enfim: um feliz regresso ao puro nazismo.
Evidentemente, a lei louvaria a coragem de todos aqueles que,
independentemente da idade ou profissão, escolhessem sacrificar-se
ao bem público, aceitando a sua «cré-tanásia»…
Moral da história: Covid19 deixou bem à vista que a
sociedade não se sabe preparar para a vida. Tem medo de sofrer mas
pouco ou nada se importa de fazer sofrer. Tem medo de morrer, mas
não se importa de matar – aos outros e a si próprio – mais ou menos
violentamente. E utiliza outra modalidade de gerir a morte (a não
confundir com a «cré-tanásia») – a que podíamos chamar «crio-tanásia»:
levar à «morte pelo frio» ou frieza nas relações humanas e nas
estratégias de domínio e enriquecimento.
Outra moral da história: os movimentos em prol da vida
humana (e onde muita gente dedica a vida à vida dos outros) dão
frequentemente a imagem de ficarem presos ao sentido negativo de
eutanásia: como se tivessem medo de identificar as causas reais da
indiferença e desprezo para com o valor da vida. Perdem-se no jogo
da burocracia: lei para lá, lei para cá, artigo para lá ou para cá,
vírgulas e interrogações a mais ou a menos…
Precisa-se de coragem e bom senso para
abaixo-assinados contra as causas concretas, que multiplicam a
indiferença e os ataques directos ao respeito devido a todos os
seres humanos. E outros tantos abaixo-assinados pela promoção de
atitudes e comportamentos que dêem mais vida à nossa vida, respeito
sincero e relação amistosa.
Contra a corrupção e abuso de poder, sem medo de
concretizar. Por exemplo: a nova escravatura no trabalho, que impede
e até destrói a saúde física e psíquica, atitudes humanas e o
desenvolvimento cultural, aniquilando os contributos positivos da
família, utilizando mão de obra barata para a descartar, abusando
notoriamente da gente nova mais responsável e matando à nascença
muitos futuros promissores…
Ou a favor de explícito reconhecimento do valor de
certas profissões em que mal pensamos – mas cuja actividade não só é
imprescindível como especialmente dura e perigosa. Por exemplo, os
recolectores do lixo, expostos a um arriscado ambiente higiénico e
que não costumamos cumprimentar… Ou as Forças de Segurança,
castigadas quantas vezes por terem que seguir ordens nem sempre
sensatas, acusadas e agredidas tanto por não aparecerem como por
terem aparecido…
Temas? Basta olhar para a vida e meditar.
A sociedade precisa de ser mais criativa, para que
todas as gerações promovam a vida. Cada pessoa, quando é a sua vez
de sair do palco desta vida, deve entregar ao «actor» seguinte a
«deixa» necessária para o final feliz do enredo da história humana.
Em todas as idades, cumpre-nos passar o testemunho de
como é bom saber apreciar a maravilha que é viver.
Em todas as idades, é próprio do ser humano exercitar
mentalidade aberta, livre de ideias feitas – a que nos podemos
apegar sem razão suficiente; e ser capaz de auto-crítica, de aceitar
opiniões novas, enriquecendo continuamente o nosso nível cultural.
Sentimentos positivos de respeito pela dignidade
humana, racionalmente discutidos e fundamentados, são a sólida raiz
de atitudes e comportamentos – que esses sim trarão respostas
eficazes aos desafios da nebulosa e ideologicamente tão manipulada e
falseada questão da eutanásia.
Aveiro, 07-07-2020 |