Por meados do século passado, assim se podia meter
medo às crianças quando se portavam mal. E ainda não havia «Senhora
Polícia». Mas o meu Pai, quando passeava comigo, dizia: «Olha, vamos
por ali, que é mais seguro: está lá um polícia». Pela vida fora,
encontrei gente culta que nem podia ouvir falar de polícia… Outros
queixam-se por não haver polícias suficientes e no dia seguinte
vociferam porque há polícias «demasiado a sério». É raro um elogio à
acção policial – é mais fácil ver no polícia o braço do Poder que
bate à esquerda e à direita, sem peso nem medida. Porquê sentimentos
tão contrários?
Estudos actuais confirmam que predomina a imagem
negativada Polícia enquanto instituição estatal que devia proteger
racionalmente a ordem e segurança dos cidadãos. Pergunta-se: qual a
legitimidade da sua intervenção? E qual o sentido de conceitos como
autoridade, força, honestidade, democracia…? Há muita falta de
transparência nos órgãos centrais, o que dificulta gravemente aos
agentes no terreno um desempenho racionalmente aceitável.
Em tempos que já lá vão, dirigi uma tese de mestrado
sobre «Democracia e Segurança Pública» (bem longe do Distrito de
Aveiro!). PSP, GNR e algumas câmaras apoiaram a investigação,
assente em entrevistas e no desenvolvimento teórico de conceitos
como autoridade, poder, segurança… Um dos objectivos práticos seria
a realização anual de «mesas redondas» entre representantes de
forças da segurança e de munícipes interessados. Em termos gerais:
promover informação e inter-acção sobre o que é e deve ser «a nossa
segurança».O estudo avançou, até ser bloqueado por alguém que tinha
«poder» para impedir que se fizessem ondas.
Era bem patente a ignorância do cidadão comum sobre o
que é «a vida» de um agente de segurança (do posto mais «baixo» até
ao mais «alto»): lidar com as «explosivas» tensões comportamentais
em todos os níveis da sociedade. Uma profissão altamente exposta a
conflitos éticos: ordens frequentemente questionáveis (devido a
confronto de valores, deficiente informação sobre o problema,
incorrecta transmissão…); dificuldade de criar um ambiente propício
ao trabalho em grupo, em que todos possam ponderar os valores em
jogo e os condicionalismos em vista da estratégia mais
apropriada…Por outro lado, uma profissão muito exposta a exaustão
nervosa, decorrente de uma responsabilidade mal definida e mal
reconhecida – e que requer intenso auto-domínio para saber enfrentar
«educadamente» atitudes por vezes de extrema violência. Geram-se
tensões interiores que impedem a eficácia da acção no terreno.
Para esclarecer, fundamentar e harmonizar o desejo de
justiça e bem-estar com os conceitos afins a liberdade e democracia,
segurança e autoridade, convinha um verdadeiro trabalho de grupo,
onde cada qual pudesse falar livremente e sem ofender: com a coragem
e honestidade de expor claramente e ouvir atentamente o ponto de
vista de cada qual, para se obter uma formulação aceitável da
opinião mais bem fundamentada. Apesar de ser difícil conjugar, na
teoria e na prática, os conceitos acima apontados. Conceitos que,
sem este exame de grupo, serão facilmente manipulados para o
comodismo e egoísmo anti-social de quem «pode».
Valerá a pena combater a pandemia de corrupção,
incapacidade e desmazelo, nomeadamente nos organismos «dirigentes»?
Se estivéssemos de facto em democracia, não deixaríamos os grandes
problemas nas mãos de qualquer um. As eleições não podem servir
sistemas de corrupção nem o deixa-andar das pessoas que só gritam
quando já não há remédio. São um tempo especial para um sincero
exame sobre o valor que damos à Honestidade, Transparência e
Democracia, em todos os órgãos criados para permitir o bem comum e
assegurar o crescimento da riqueza comum.
Aveiro, 23-02-2024 |