Para «ainda ir à missa», é muito importante ouvir e sentir «Boas
vindas» – e não só de quem foi escolhido para presidir. «Ir à missa
a sério» devia ser uma «escola de Boas Vindas» de todos para todos.
Ao estilo de Jesus menino: com suave persistência a reclamar
«atenção». Pela vida fora, guardou esse jeito de concretizar o amor
em carinho (só assim é que a reprimenda dá bom fruto). Daí, aquela
simplicidade própria da autoridade sem berloques com que dava as
boas vindas a quem quer que fosse, e qualquer que fosse a aparente
roupagem social – pois só lhe interessava a pessoa que «estava por
dentro». Nunca apresentou «carta profissional» e nem a exigia.
Na nossa língua-mãe, o Latim, «pater» (padre, pai) designava o valor
social mais do que a paternidade física (patente em «parens» ou «genitor»).O
«paterfamilias» é quem exerce o poder sobre toda a tribo ou agregado
familiar, incluindo servos, e representa a linha das gerações. É o «dominus»
(senhor) que «domina» e merece todo o respeito (Dom e Dona são
abreviaturas). Por isso, «pater» e «dominus» se aplicam também a
seres divinos, a heróis ou antepassados (Júpiter significa «Pai dos
deuses» e «deus» significa «luminoso» – como em «Senhor deus»).
Ao longo da história, o valor social apoiou-se na dimensão
religiosa. Da Sabedoria, nascia a idoneidade para cargos de
responsabilidade e a prudência que se enriquece com as experiências
da vida. Estas qualidades eram atribuídas ao «presbítero» («prêtre»
em francês e «priest» em inglês). Em grego antigo, «presbús»
significa pessoa importante, digna de respeito e de assumir funções
de presidência ou de embaixador. «Presbúteros» é o
comparativo de «presbús»: mais importante e mais apto. Também
a palavra «Senhor» (à letra «mais velho») abrange esses sentidos.
Quanto aos «Anciãos», formavam grupos de consulta e podiam presidir
à liturgia.
Ser padre, presbítero, ancião… continua a não ser coisa fácil,
sobretudo numa sociedade que inverteu muitos valores. Acresce que
esta «superioridade» ancestral, aproveitada abusivamente pela
própria Igreja como instituição, dificulta relações espontâneas, sem
preconceitos, que não empecilhem a interacção entre os vários
elementos da comunidade. A relação piora gravemente se o padre não
revela a verdadeira autoridade e se defende como funcionário
investido do «poder»que Pio X (papa de 1903 a 1914)entendia ser
exclusivo da hierarquia dos Pastores, cabendo ao rebanho deixar-se
guiar fielmente (carta encíclica «Vehementer nos», de 1906)
Não é por acaso que «Padre», «Presbítero» ou «Priest»
provêm de um radical indo-europeu dos mas ricos: «PER» dá origem a
um vasto complexo de facetas da mesma ideia profunda: mediação,
liderança, princípio, avanço, probidade, aprovar, porta, porto,
primeiro, próximo…
Com tanta «excelência», cada vez é mais difícil encobrir os pontos
fracos e evitar sérias acusações. Por outro lado, desde há mais de
um século, a civilização ocidental tem vindo a afirmar a autonomia,
afim à liberdade, como o mais sagrado direito dos indivíduos. A vida
moral e espiritual passou a assentar na intimidade da consciência
pessoal, sem poder ser manietada (muito menos destruída) por
qualquer poder político, económico ou religioso. Por isso se ataca
sobretudo o «poder inquestionável» da Igreja católica: como se ligou
ao poder político (desde o séc. IV) e se fez cúmplice ou mesmo
incentivou guerras sangrentas; ainda dói a Inquisição (cuja história,
porém, é muito mal contada, segundo as conveniências); e revolta vê-la
tomar posições como se tivesse o monopólio da verdade e sem atender
à realidade das evoluções culturais.
Evidentemente, há muitas excepções e muita contribuição positiva
para o bem comum da Humanidade. E devemos acompanhar o sofrimento,
talvez angustiante, que a situação actual provoca em muitos dos que
se dedicam à sua vocação religiosa.
A explosão mediática que em todo o mundo pôs a descoberto
comportamentos altamente condenáveis da responsabilidade, até, dos
mais altos membros do clero, reforçou a independência relativamente
aos princípios e orientações dos «ministros da Igreja». «Ir à
missa» é cada vez mais apenas um costume social (onde por vezes nem
a «boa educação» tem lugar).
Os actos de culto e os sacramentos (nomeadamente a Confissão) não
podiam resistir à generalizada falta de confiança nos «ministros»
que afinal não sabem «servir» o «povo de Deus»: o carácter sagrado
não é sustentado por suficientes qualidades humanas; juízos e
conselhos não respondem às questões actuais; e não revelam a
autonomia própria do ser humano. Ora os «ministros» não se podem
apresentar como «escravos» de Deus mas como dialogantes até com
Deus. Para tal, precisam de tempo para pensar, investigar, e dar
adequadas «Boas vindas» a quem procura horizontes que valem a pena.
Assim darão exemplo da autêntica autonomia.
Mas a diminuição de pretendentes a «servir» impede, a quem está «no
activo»,dispor do mencionado tempo precioso. O que vai afectar a
cultura adequada para «leigos coadjutores», correndo o risco de
virem a ser mais papistas do que o papa.
Para já, sob o «dom das Línguas», resume-se a necessidade de
reorganizar a Igreja de modo a que todos tenham o desejo de servir,
cada qual com o seu dom. Ora todo o serviço requer autêntico e
recíproco respeito por quem é servido. Voltamos ao culto da Beleza,
que parece um valor envergonhado. Vai nesta linha a carta apostólica
que o papa Francisco lançou a 30 de Setembro deste ano: «Aperuitillis»
– «Abriu-lhes o entendimento» para saberem dialogar com Deus e os
Homens.
Aveiro, 22-12-2019 |