Liturgia Pagã

 

Em Passo de Dança

3º Domingo do Advento  (ano C)

1ª leitura: Profeta Sofonias, 3, 14-18

2ª leitura: Carta aos Filipenses, 4, 4-7

Evangelho: S. Lucas, 3, 10-18

 

Quem não gosta de estar alegre e de ver um rosto brilhante de alegria? Tradicionalmente, a festa de hoje era conhecida como «o domingo da alegria» (domingo «laetare»). A alegria é uma virtude – palavra que significa «força», do mesmo radical de «viril» e de «vida». É com esta força de vida que não desistimos à primeira e ganhamos o jeito de dar sempre um passo mais, na direcção que julgamos correcta. Porém, «sempre um passo mais» não é um passo sempre a direito! A boa direcção exige a sabedoria de um passo de dança, e é muito conveniente saber onde se põem os pés!

Quando a Arca da Aliança foi transladada para Jerusalém (2º livro de Samuel, 6), escreve o cronista que o rei David ia à frente do cortejo, «dançando ao som de toda a espécie de instrumentos». E que nos diz o profeta Sofonias? Segundo os entendidos, o texto de hoje pode ter esta tradução: «O Senhor teu Deus está no meio de ti dançando com gritos de alegria!» (Sofonias,3,14-18).

Este final eufórico da profecia de Sofonias seria suficiente para o tornar célebre. Quase que parece o profeta do país das maravilhas… Porém, nas poucas páginas que nos deixou (três breves capítulos), é sobretudo o profeta da calamidade pendente sobre o género humano. Várias expressões suas inspiraram directamente o famoso poema «dies irae», o «dia da ira», que só depois do Vaticano II deixou de fazer parte da liturgia dos fiéis defuntos. Dos antigos profetas, foi o que mais desenvolveu o tema do «dia do Senhor» – embora tenha focado especialmente o desajuste entre o Deus incompreensível e este mundo que também não dá para entender… No entanto, o «dia do Senhor» é fundamentalmente a experiência de como Deus é vivo e não apenas a projecção do nosso desejo de salvação – e que a nossa querida vida humana só ganha qualidade se Deus não for olhado como inimigo.

A dimensão religiosa permite uma visão global, que não nos deixa afogar no fatalismo. A dança, ao longo dos tempos e nas civilizações conhecidas, teve sempre importante dimensão religiosa: representa a harmonia do nosso corpo, dos nossos gestos, sentimentos, desejos… com o universo sentido como harmonia, com um ritmo que nos pode levar ao êxtase, em que o sensual e o espiritual se confundem, embora em vários níveis. Em todos os níveis, o corpo liberta-se da limitação das funções diárias, sendo capaz de simbolizar muito mais do que pode ser dito pelas palavras. Saboreia sensações novas, é um acto de oração e é teatro também, que espalha harmonia à sua volta. Nas danças rituais da Índia, não vemos como todos os gestos, dos dedos ao sorriso, passando pelo jogo das ancas, dos pés, da cabeça… produzem diferentes estados de harmonia com uma nova realidade? E o misticismo da dança do rei David não o vemos nós nos dervixes rodopiantes do islamismo?

Jesus foi o sinal sensível de Deus que quer a alegria para toda gente, atendendo especialmente àqueles que sofrem mais com quem tem o poder de deles abusar. Para garantir uma festa em que todos nos dêmos bem, diz Sofonias (3,11-13) que Deus «exterminará os orgulhosos e arrogantes». Só o «resto» do povo é que «não cometerá mais a iniquidade», nem «se achará mais na sua boca uma língua enganadora». Por sua vez, S. João Baptista (evangelho) apela a uma vida renovada, «porque – grita ele enquanto baptiza – vai chegar quem é mais forte do que eu», com a sagacidade para avaliar as pessoas, sem preconceitos. De nada vale uma justiça de fachada e palavrosa. Se queremos ser mais do que um cepo seco, temos que limpar o terreno e adubá-lo, a fim de que nasça uma sociedade onde não se arranca dinheiro aos indefesos ou ingenuamente confiantes, onde se evita a violência e onde se sabe ajudar quem necessita (Evangelho).

Daqui o desejo de alegria de quem «dança com Deus», como se depreende da carta aos Filipenses. Temos que dançar, nos termos de S. Paulo, com «modéstia» – palavra que designa o «modo equilibrado» dos nossos passos. Só com este jeito é que a sociedade pode garantir paz e bem-estar, como numa grande praça em que todos sabem dançar com todos.

Nesta harmonia de dança libertadora, provamos a alegria que domina os momentos mais difíceis. Porque nela partilhamos com todos os outros a vida, que nos transmita força, aconchego e carinho, testemunhando que há razões para vencer qualquer medo. A esperança e o amor aumentam se os vivemos em passo de dança…

13-12-2015


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