1ª leitura: Livro do Apocalipse,7,2-4.9-14
2ª leitura: 1ª Carta de S. João,3,1-3
Evangelho: S. Mateus,5,1-12
É preciso ter arte! Transformar em «novas» as profissões mais
diversas do mundo. Com sucesso garantido! Aí estão em grande romaria
aqueles que souberam dar um colorido diferente às cores mais comuns
da vida! Pode-se assim festejar toda a gente: quem dedicou a vida a
mudar fraldas, a servir em restaurantes, a trabalhar no lixo … e até
em navegar nas águas turvíssimas e perigosas da política, dos
negócios, e do exercício de qualquer forma de poder (e muito
particularmente a mexer no «lixo» dos interesses e conflitos
humanos, que se junta nas dobras do mais religioso e do mais
profano). Houve até «laureados» (vulgo «santos») famosos por não
perderem a cabeça – nem darem cabo da cabeça dos outros – apesar do
seu mais incrível estilo de vida!
A crer na 1ª leitura, é uma festa de arromba. Não só arregimenta
toda a «gente importante do céu»: garante que não fica esquecido
ninguém, nem o «santo» mais distraído…Enfim: é o cumprimento da
exuberante mensagem da «ressurreição»: a todos nós espera uma «vida
cheia», seja qual for a actividade nesta vida. «Festa», também
porque é o convívio em que se partilha o bem-querer, a coragem e a
esperança.
(A Comemoração dos Fiéis defuntos vem depois lembrar que a saudade
é natural e que traz o colorido da esperança «apesar de tudo», o
colorido da vida mesmo onde se sente particularmente a morte, o
colorido da gratidão pela experiência da vida convivida, que nos
ajuda pelos tempos fora).
Há um espinho nesta festa: parece que a gente só recebe «os louros»
«do lado de lá»… Não dizemos nós que «o céu pode esperar»? E pode.
Mas a terra é que não: está sempre em risco de degradação, tanto ao
nível físico e biológico como ao espiritual.
Quem é que diz que não tem nada a ver com isso ou que não pode
fazer nada?
Com breves palavras e pequenos gestos, podemos criar um mundo em
que a gente se sinta bem, o que inclui a beleza e equilíbrio do
ambiente e sobretudo a alegria de boas relações humanas. «O céu do
lado de lá» liga-se ao «céu do lado de cá».
Sentir que nos falta muito é uma condição dos «pobres» das
bem-aventuranças.
Este «muito» revela a nossa insatisfação e a consciência de que
estamos ligados à «riqueza» de Deus como bons gestores. A confiança
no «muito» de Deus permite investir até com as «contas abaixo de
zero».
As bem-aventuranças apontam de facto para uma nova maneira de levar
a vida de todos os dias: todas elas começam pela exclamação: –
«Alegria!»… para todos os que sentem que falta sempre «alguma
coisa»… e que muitas vezes choram quando tudo parece faltar, quando
nos sentimos amaldiçoados por outros e até pelo próprio Deus.
(«Alegria!» é uma tradução aceitável, a par de «felizes» ou
«bem-aventurados»).
Apesar de tudo, mesmo de tudo, cremos no facto de que somos feitos
para a alegria.
Todos nós e não só aqueles a quem a vida parece correr bem (mas
quais são os ingredientes que fazem «a vida correr bem»?).
Vendo bem, «o Sermão da Montanha» (Mateus,5-7) não é um código.
Jesus Cristo muito penou para mostrar que era hipocrisia e comodismo
julgar que se é bom, só porque se cumpre o que está escrito, ou por
recitarmos fórmulas como se fossem mágicas. É sim um novo estado de
espírito, uma nova atitude perante a vida.
A palavra «atitude» evoca a postura corporal e anímica de quem se
prepara para a acção, como a do corredor pronto para a partida. É
uma atitude positiva perante Deus, como estimulante das perguntas e
respostas que unem os seres humanos para caminhar felizes. É uma
estrutura interior capaz de resistir às frustrações e injustiças que
enfrentamos.
Só esta atitude, muito superior às leis, é que permite à sociedade
progredir com as leis que tem. Mas será sempre preciso contribuir
para que as leis e as condições concretas da vida sejam cada vez
mais justas e sensatas, com a ajuda essencial de uma experiência e
cultura religiosas mais profundas. Quantas vezes é necessário
contradizer a lei, porque a sua formulação é um empecilho para o bem
do ser humano! Só um robot é que segue fielmente um programa.
As bem-aventuranças e todo o «sermão da montanha» atacam a
estagnação. Os «laureados» de hoje descobriram como todas as
profissões podem ser novas e com sucesso garantido – e não só para
«o lado de lá»… |