18º Domingo do tempo comum (ano B)
1ª leitura: Livro do Êxodo, 16, 2-4.12-15
2ª leitura: Carta de S. Paulo aos Efésios, 4, 17.20-24
Evangelho: S. João, 6, 24-35
Aquele “porquear” incontinente das criancinhas outra coisa não será
senão a mais primitiva e inequívoca manifestação da humana “doença
metafísica”: nunca estamos contentes com as explicações que nos dão
nem com o que vemos. A tentativa de calar as crianças à força (e
muito pior se de forma injusta) mais não faz do que despoletar uma
«corrida louca» de novos porquês – tornando cada vez mais difícil
meter a «mudança» adequada…
Mais crescidos, aprendemos a vestir as perguntas com variadíssimos
trajes – malandros, lamentosos, pretensiosos, com marca poética,
religiosa, científica… Mas é sem malandrice que eu gostaria de fazer
esta pergunta ao autor do «4º evangelho»:
–
Ora diga-me cá, porquê esse linguajar tão subido, tão misterioso,
tão carregado de símbolos e de choques ideológicos… a propósito de
Jesus Cristo?
Provavelmente ficar-se-ia a olhar, como bom contemplativo que era,
para as águias do céu ou para o fogo a cair sobre o mar… e eu ficava
a ver navios!
Mas a gente lá vai descobrindo algumas coisas interessantes sobre
este autor: pertence a uma comunidade que se debate com o
significado do cada vez mais longínquo Jesus de Nazaré e com as
perseguições vindas quer da antiga sinagoga quer do vigoroso império
romano. A brutalidade, corrupção e perversidade deste último
transparecem no Livro do Apocalipse; enquanto que o 4º evangelho
reflecte o espanto e uma certa posição de defesa/ataque perante a
rejeição da mensagem de Jesus por parte do seu próprio povo.
Era preciso realçar a íntima ligação entre Jesus e o Deus do «Povo
escolhido», sublinhando como o cristianismo se construía sobre o
sentido profundo quer das peripécias históricas quer das mensagens
poéticas e proféticas, e muito em particular sobre os símbolos de
vida e de libertação.
Os cristãos, nomeadamente os pertencentes ao mundo cultural grego
(como os da comunidade do autor do 4º evangelho), já tinham um
esquema de pensamento bastante diferente do judaico, e viam em
Cristo a superação da corrente religião estagnada, centrada mais num
código de leis do que de num Deus vivo e amigo.
É
muito cómoda a estagnação do pensamento. Porém, quem não quer ver
mais acaba por ser um boneco de trapos nas mãos de espertalhões que
apenas sabem tirar proveito da situação.
O
evangelho de hoje, repisando uma história do Antigo Testamento (1ª
leitura), mostra que Jesus se insurgiu contra o baixo nível de visão
da multidão que o seguia: gente contente apenas por poder encher a
barriga ao som das palavras de um profeta simpático. Gente, afinal,
que nem sequer tinha percebido ter havido um «milagre» (a
multiplicação dos pães), isto é, na terminologia do nosso autor, um
«sinal» (semeion, no original grego) de que havia coisas
importantíssimas e novas a descobrir.
Coisas que já não cabiam em «recipientes velhos» (Marcos,2,21-22),
preconceitos ou ideias fixas. Era preciso reconhecer a amizade de
Deus como substancial para o crescimento, saboreando essa amizade
revelada nas palavras e na vida de Jesus «o Cristo» (o «Ungido», o
«Messias»). Era preciso encontrar alimento para uma vida mais forte
do que o sofrimento e a morte. Uma vida em que todo o prazer nos
leva a maior prazer, em que a alegria é o critério da multiplicação
certa do que é bom. Mas sem os «porquês» de quem se dá ao trabalho
de pensar, não saberíamos escolher o melhor nem haveria grandes
descobertas.
Quantos mais porquês, mais respostas poderemos receber. Talvez que o
Paraíso seja o prazer de nunca termos que parar os «porquês», pois
haverá sempre uma incansável e estimulante resposta… |