O Infante Dom Pedro (1392-1449), homem de acção e homem de pensamento,
viajante das "Sete Partidas do Mundo" (1425-1428), autor do Livro da
Virtuosa Benfeitoria e outros escritos pioneiros e fundadores da Língua
Portuguesa (c.1431), incentivador das Navegações, Comércios e
Descobrimentos Geográficos Portugueses (1441-1446), promulgador do
primeiro código de Leis escritas portuguesas (as chamadas "Ordenações
Afonsinas" de 1446), desempenhou funções de Regente da Coroa de Portugal
num momento decisivo da História, nos finais da Idade Média e no início
da chamada "Época dos Descobrimentos" (1439-1448). Desenvolveu durante o
seu tempo de governo uma política de progresso, justiça e modernização
do estado e da sociedade portuguesa. Defendeu a Coroa e a "Res Publica"
contra as tendências feudalizantes da nobreza: economicamente incentivou
as actividades modernas, politicamente protegeu o povo (concelhos
municipais, mercadores e pescadores), e por isso impulsionou as
navegações, os comércios e os descobrimentos geográficos. Para a
afirmação de uma tal política teve a coragem de enfrentar a grande
nobreza feudal, e por isso foi depois assassinado, em 1449, na "batalha"
de Alfarrobeira, por essa mesma nobreza feudal portuguesa (a Casa de
Bragança, etc.), descontente e rancorosa.
Desde então, embora secularmente se tenha sempre tentado em Portugal
silenciar a sua importância e o seu pioneirismo, censurar o significado
da sua herança política e as sementes que deixou para o Futuro — através
da longa maldição da sua memória histórica (com inumeráveis cobardias e
colaboracionismos historiográficos) e através da sua substituição por
todas as mentiras políticas e todos os mitos infantis infindavelmente
orquestrados à volta do seu casto e cinzento irmão Infante Dom Henrique
—, tal nunca foi totalmente conseguido, e a sua figura nobilíssima ficou
para sempre como a mais significativa e injustiçada da História
Portuguesa.
Essa figura ficou para sempre como um verdadeiro fantasma que paira
sobre a História de Portugal, esperando aquilo que, para sempre,
continuou a faltar: Verdade e Justiça…
Ele tinha razão, e o Futuro veio a provar isso mesmo (pois Portugal
perdeu sempre mais e mais…). Assim, paradoxalmente, quem em Portugal
veio a ganhar — e ganhou para sempre… — foi o "Infante de Alfarrobeira",
o homem assassinado e comido pelos cães em 1449 ("Fartar Vilanagem…")…
aquele que "fundou glória e grandeza, e recebeu em paga insulto e
morte"… aquele cuja memória histórica foi secularmente amaldiçoada e
silenciada, por ter sido o primeiro responsável do malogrado processo de
modernização de Portugal. O processo que, na verdade, foi pioneiro na
"Época dos Descobrimentos" (no século XV), mas que, depois da sua morte
(e sobretudo depois da morte do seu neto, herdeiro político, continuador
e vingador, o "Príncipe Perfeito" Rei Dom João II envenenado em 1495),
veio a ser tragicamente destruído e substituído pelo conservadorismo
feudalizante que, de mãos dadas com o secular colonialismo ultramarino,
o secular abandono da metrópole portuguesa, e a secular macrocefalia
lisboeta (as três faces da mesma medalha…), levou Portugal à
irreversível decadência e subdesenvolvimento, nos séculos
XVI-XVII-XVIII-XIX-XX, com as Dinastias de Viseu e de Bragança, e os
seus continuadores (a situação em que, infelizmente, o país ainda hoje
se encontra, em pleno século XXI…).
O mesmo feudalismo e subdesenvolvimento que se vão perpetuando, sob
inúmeras formas de improdutividade e insustentabilidade económica, de
corporativismo e caciquismo político, de desigualitarismo e
pretensiosismo social, de incompetência e analfabetismo cultural. Os
mesmos fados passadistas — hipocrisia, obscurantismo, duplicidade e
cobardia colectiva… — que são os bloqueamentos estruturais que impedem o
progresso e Futuro de Portugal… uma sociedade sem reinvestimento
produtivo, economicamente insustentável, socialmente arcaica,
politicamente subserviente, e culturalmente bizantina (e, por isso,
sempre vulnerável às "praxes" e "fascismos de cátedra" que vêm do
Passado, e às "pós-modernidades" que fingem vir do Futuro…).
O feudalismo e subdesenvolvimento que, ainda hoje, existem… pois se
prefere fazer deles "Comemorações" — e com eles construir a Identidade
Nacional Portuguesa —, chamando-lhes "História" (censura
historiográfica…), ou "Descobrimentos"… em vez de os tentar compreender
e explicar… para os corrigir e ultrapassar.
Alfredo
Pinheiro Marques |