A paisagem do meu Alentejo
Por SERTÓRIO AUGUSTO DOS SANTOS CARDIM
Por matagais imensos e áridas charnecas vai o meu pensamento criando a
doce ilusão da frescura matutina. É a hora da agitação do homem junto à
terra a que chamam austera – a terra da dureza e da melancolia.
Belo Alentejo, cuja paisagem adoro perdidamente, relembrando a ardente e
inquieta pacatez das suas gentes! Nem já queria falar das suas ceifas e
dos homens que andam curvados sobre a terra, escorrendo suor.
Ceifas! Belas paveias de doiradas plantas ressequidas, já sem força
para falar ao Sol, seu eterno criador.
O trabalho é duro, extenuante. Começou na frescura da manhã. De vez em quando é apenas
interrompido pela voz rouca do possante menageiro, chefe supremo daquele
exército campestre. É o grande drama da vida: o homem a contas com a
natureza embravecida que não perdoa...
E a longa fila caminha agora com mais força na doida intenção de vencer... Rostos amarelecidos, compridas barbas, olhares esgazeados, ninguém se
deixa vencer. De vez em quando ouve-se o grito: – «Eh pá, essa curva
mais dobrada»!
E as foices vão cortando os caules, as palhas ressequidas numa fúria
devastadora e as mãos criando calos, muitos calos... Para traz fica
um imenso restolho semeado de molhadas como corpos tombados após grandiosa batalha. Está o sol a
pino, não vem longe a sesta e o
jantar, grandes reparadores de forças perdidas durante algumas horas de
labuta violenta. Sertãs e marmitas de lata enegrecida pelo fumo,
montadas sobre pedras, preparam, sob as escassas sombras dos carros e
azinheiras, o repasto constituído de toucinho e cebola a que adicionam
pão migado, numa enorme «caldaça» farta e saborosa.
Inertes, estiraçados, de tronco quase nu, ressonam agora; nem uma alma
está a pé nesta hora de sesta bem dita, que durará até que o sol ardente
já não castigue tanto. Céu cinzento,
céu vermelho e baço sobre os carreiros trilhados que dão aceso só às
herdades incomensuráveis. Nem os chocalhos do gado que descansa pelos
barrancos na fresquidão do lamaçal ou rente às courelas, sob o olhar
do homem
/
315 / das peles, vem animar o ambiente.
Só para além da interminável charneca, na orla
da extensa planície,
fica um oásis de verdura e álamos barulhentos de folhas movediças, onde
corre um pouco de água num regato ladeado de fetos, avenca e silvas.
Nas noites brandas e sonhadoras cantam ali os rouxinóis, enchendo de saudades os pobres e
heróicos ceifeiros que os escutam para esquecer um pouco o seu martírio.
É este o Alentejo do trabalho violento, dos ganhões e maiorais; das
ferras de gado, das eiras buliçosas e dos malteses que eu adoro
perdidamente.
Ao falar dele, das suas flores,
da sua paisagem seca, de cardos e madressilvas, relembro Florbela
Espanca, Conde de Monsaraz e outros grandes poetas.
Quando o rouxinol deixa de cantar nem tudo esquece ao sol da vida que
perpassa, renascendo com as primaveras.
O Alentejo tem flores que não secam nunca e rouxinóis que cantam
perpetuamente para
as suas almas sacrificadas – pétalas de lírios e saudades sobre os cardos da planície deserta...
––o–O–o––
Curiosidades
– Os egípcios queriam tanto aos gatos que quando estes morriam os
embalsamavam e em muitos túmulos foram encontradas múmias de gatos.
– Santos, cidade do Brasil, é o porto mais importante do Mundo na
exportação do café.
– A primeira estampilha oficial de Correios
que circulou na América foi a que se emitiu no Brasil no ano de 1843. |