LENDA POPULAR ALENTEJANA
POR J. A. POMBINHO JÚNIOR
Ferrão era um lavrador muito rico em gado,
terras e dinheiro.
Um dia, estava ele na varanda do seu
«monte», quando, ao longe viu passar os numerosos rebanhos e outras
riquezas da sua importantíssima casa agrícola. Estonteado com tanta
opulência, impando de orgulho e cheio de grande contentamento, saiu-lhe
esta exclamação:
– Agora, mesmo que Deus queira, já não
posso ser pobre!...
Tão soberbas palavras tiveram o condão de
atrair sobre o lavrador o castigo divino e, decorrido pouco tempo, os
seus gados começaram a morrer, as suas terras deixaram de produzir e
todos os seus bens se desfizeram como por encanto, levando o opulento
lavrador à mais extrema miséria. Veio ele a acabar o resto dos seus dias
esmolando de porta em porta...
Diz ainda a lenda que ele, ao pedir esmola,
lamuriava com certa amargura: – «Dai esmola ao Ferrão. que lhe
cresceu a vida e faltou-lhe o pão!...»
Não são seguros os bens terrenos.
Espalham-se ao menor sopro da desgraça.
––o–O–o––
A tradição oral vai conservando pelos tempos
fora a interessante lenda que chegou até nós e parece variante doutra
também muito curiosa, que diz ter existido no Porto, em épocas recuadas,
um mercador riquíssimo a mais não poder ser, chamado Pedro Sem que, por
blasfémia idêntica e por análogo castigo da Providência, acabou
igualmente os seus dias estendendo a mão à caridade sempre com o
Iamuriento pedido: – «Dai esmola a Pedro Sem, que já teve e agora não
tem!...»
––o–O–o––
Não sei se da lenda do Ferrão se ocuparam já
alguns investigadores. Sei apenas que a ouvi, à Tia Mariana da Venda que
Deus haja!
Portel, Julho de 1949. |