Sonetos do Dr. Celestino David
Do
livro inédito «Poemas Alentejanos»
HINO ÀS BOLOTAS
Em transfusão de sangue e de gordura,
Da polpa da bolota nasce a vida
Que anima a carne e canta na fartura
Da vara enorme do sol adormecida.
Do fruto milagroso a calentura
Percorre e inunda em rápida corrida
O corpo, as veias onde o sol fulgura
Ao ver do sangue novo a investida.
A sua carne, nova carne gera,
De tal maneira que se sente o gado
Rezar baixinho enquanto a noite espera:
– Bendita sejas, ó fruto consagrado,
– ó flor de luz em nova primavera!
Que Deus abriu nas sombras do montado! |
ORAÇÃO À CARNE
Amarga ou doce, grande ou pequenina,
De forma estranha e gesto singular,
Tocada em luz e inspiração divina,
Tu és, bolota, a carne a despertar.
Se goza a tua seiva repentina,
O gado sente que perfuma o ar
De novo aroma e seiva matutina,
A alegria do sol, a vida a trasbordar.
Enquanto, passo a passo, vagaroso,
O maioral escuta e vive a solidão,
Em silêncio de prece, religioso,
O gado sente e louva, com unção,
A carne em flor, o fruto saboroso,
Que tu, montado, espalhas pelo chão. |
ORAÇÃO
À VIDA
Ó terra farta e rica! Ó terra clara,
Por onde a vida iluminada passa,
Em seivas fortes e beleza rara,
A maravilhosa cor da sua graça!
Ó terra estranha e linda! Ó seara,
Por onde um povo bom de voz escassa,
Na mais profunda calma, sonha e pára,
E canta o sol que o seu olhar enlaça!
Que Deus conserve a tua formosura
E toda a vida possa amanhecer
A luz que os teus aspectos emoldura...
Que eternamente sintas florescer,
No coração da tua gente pura,
A alegria de amar – e de viver!
ORAÇÃO AO ALENTEJO
Terra de pão, de sol e de ternura,
De azeite de oiro e vinho capitoso,
De trigo e de bolota e, pela altura,
Um tecto azul de céu harmonioso...
Terra da lã, da carne e da fartura,
De campo vasto e povo imaginoso,
De «montes» onde a cal, florindo alvura,
Acorda e solta um cântico amoroso...
Ó terra de Beleza e Nostalgia,
Por onde tu, ó lavrador, mourejas
Da aurora à noite, todo o santo dia!
Que toda a vida em graça te revejas
E sintas, como eu sinto, a cotovia
Dizer-te em meiga voz: – Bendita sejas!
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