o precedente número dos Serões tentei dar uma ideia da rara beleza da estrada de Coimbra a Penacova e do deslumbrante panorama que se goza uma vez que se chega a esta vila; vou hoje completar esse artigo com algumas notas relativas às excursões que se podem realizar de Penacova.

O viajante apressado, que limitar a sua visita a Penacova a um simples passeio pela vila, ao adro da capela de Santo António, junto da linda residência do Sr. conselheiro Luís Duarte Sereno e ao Mirante Emídio da Silva, não viu o mais grandioso dos panoramas penacovenses. Precisa para isso de realizar a primeira e a mais curta das excursões que se fazem de Penacova – a do Penedo do Castro.

A ascensão do Penedo do Castro faz-se por um caminho de pastores, que parte da estrada que atravessa a vila e se dirige ao Botão, aldeia próxima da estação de Pampilhosa ou, obtendo a necessária permissão, através da formosa mata que fica sobranceira à vivenda solarenga do abastado capitalista Sr. Joaquim Augusto de Carvalho e que é situada junto da referida estrada.

O Penedo do Castro, que é formado por uma aglomeração de rochas de granito que encimam a colina e se destacam da paisagem verdejante que circunda a vila, deve a sua designação actual a uma justa homenagem / 188 / que os habitantes de Penacova e outros admiradores do sábio bibliófilo conimbricense Dr. Augusto Mendes Simões de Castro, reunidos com a Câmara Municipal da presidência do Dr. José Albino Ferreira, resolveram tributar a um dos mais antigos propagandistas das belezas da região, crismando nos e u ultimo nome o Penedo da Cheira, como era designada até então esta colina, por estar próxima de um Ioga rejo, denominado Cheira. Uma lápide de mármore indicativa do novo nome do Penedo foi oferecida à Câmara Municipal de Pena cova por um grupo de lisboetas, artistas, escritores, homens de ciência, amigos e admiradores do prestimoso e bem quisto cidadão, tendo um dos oferentes, o arquitecto Raul Lino, feito o desenho da lápide.  / 189 /

A excursão ao Penedo do Castro, que já de si é interessante pelo pitoresco da estrada e caminho que até lá conduz demanda, de poucos minutos e proporciona a vista do grandioso panorama beirão a que nos referimos no artigo anterior.

Ao passo que o Mirante Emídio da Silva é o centro de um grande sector, embora de rara beleza, o Penedo do Castro é o centro de um círculo imenso de que aquele sector representa apenas uma fracção.

Se o panorama do primeiro encanta e extasia como um quadro que os olhos abrangem de um só relance e nele ficam pousados longamente, em uma enlevada contemplação, o panorama do Penedo arrebata e estonteia, e não se fixa facilmente, tantos são os sectores que ele tem para observar e quão diversas as paisagens que eles apresentam. Um vê-se devagar, minuciosamente, como uma delicada miniatura que caiba na nossa mão; o outro é como uma dessas vastíssimas composições do Veronense ou um dos grandes quadros de Horácio Vernet que só se vêem bem com aqueles binóculos de museu, que limitam o campo visual e permitem que se observem por partes telas de grandes dimensões.

/ 190 / A excursão a Entre Penedos pode-se fazer hoje de duas formas: pelo Mondego acima, de barco, que facilmente se encontra, ou descendo em trem a estrada de Pena cova até a margem do rio, atravessando este depois sobre a magnifica ponte metálica José Luciano e seguindo a estrada da margem esquerda, numa extensão de dois quilómetros.

A excursão pelo rio tem incontestavelmente maior encanto.

Pretendem os geólogos que em épocas remotas não existia a estreita e extensa garganta formada pelos elevados rochedos entre os quais passa hoje rude e trágico o rio lendário dos idílios.

O que é realmente certo, é que a estratificação das rochas de uma e outra margem se correspondem, camada por camada, como nas monumentais Portas do Ródão, no Tejo, parecendo evidente que nos primeiros períodos da formação do globo a serra do Bussaco não tinha ainda sofrido o corte que depois lhe fez o Mondego, quando a encontrou no seu curso e lhe escavou essa profunda e pitoresca trincheira que se chama Entre Penedos ou Livraria do Mondego, nome que o povo também lhe deu na imaginosa comparação que fez dos estratos dos xistos as lombadas regulares de uma biblioteca...

/ 191 / Entre outras excursões interessantíssimas e que constituem verdadeiras ascensões, devem ser preferidas: a do Penedo da Carvoeira, do outro lado do Mondego, defronte de Penacova, bastante curiosa pela colina em si, e ainda pelo panorama que se desfruta do ponto mais elevado, avistando-se toda a vila e grandes extensões de montes, vales e rio; e a da capela da Senhora do Mont'Alto no cimo deste monte, que é um ponto de vista dos mais notáveis da região, divisando-se dela as caprichosas curvas que o Mondego descreve num longo percurso e um vastíssimo e também maravilhoso panorama.

Nesse ponto culminante, junto da capela postou Wellington algumas peças de artilharia por ocasião da batalha do Bussaco.

Todas estas e outras excursões têm de ser rematadas, precedidas ou entremeia das pela excursão clássica ao Mosteiro de Lorvão que foi um dos mais notáveis do país e que apesar de se encontrar hoje em ruínas, e mesmo arrasado em parte, é ainda um monumento de subido valor histórico e um repositório de arte muito curioso e interessante. O convento fica ao fundo de um estreito vale, ocupando um local aprazível que se nos impõe pela sua austera beleza e que podia ser no verão concorridíssimo, dada a frondosa arborização da encosta adjacente ao mosteiro e a frescura dos deliciosos mananciais de água que vêm dos granitos da montanha.

Mas a laboriosíssima aldeia não tem sequer ainda uma estrada que a ligue com as outras do país e para se ir lá, de Penacova, pela estrada do Botão, tem de se deixar esta a dois ou três quilómetros de Penacova e seguir a pé ou em burro por uma extensa ladeira que leva a descer 30 minutos!

E no entanto, Lorvão bem merecia que os poderes públicos tivessem olhado um pouco mais para ela pois a simpática aldeia não vive passivamente da tradição dos seus monumentos, como outras de Portugal, mas do constante e esforçado labor de seus filhos que, desde os de mais tenra idade até aos da mais provecta, se dedicam inteiramente à fabricação dos palitos de dentes, que tem ali o maior centro de produção do concelho de Penacova, do qual constitui, como é sabido, a indústria mais importante.

Mas se os poderes públicos deixam quase ao abandono os restos do grandioso mosteiro que é um monumento nacional! O seu pitoresco claustro foi demolido e as cantarias vendidas ou roubadas! No esplêndido templo, de grandes e nobres proporções, chove como na rua e o magnificente coro que é um dos melhores exemplares da nossa época do rococó está destinado a desaparecer, atacado pelo caruncho ou pelas mesmas mãos que destruíram o claustro.

Quando vou a Lorvão e ainda lá encontro perdida naquelas ruínas solitárias, como um naufrago que escapou a cem procelas, a custodia de prata dourada guarnecida de pedrarias – uma relíquia da nossa arte sumptuária do século XVIII – esquecida e inapreciada na vasta igreja, hoje sertaneja, e / 192 / vejo ao mesmo tempo abandonados os sarcófagos de prata que contêm os restos das infantas, filhas de D. Sancho I, não posso deixar de fazer as mais amargas reflexões acerca da conservação que Portugal dedica aos seus monumentos, compreendendo os tumulares, e do culto não mais carinhoso que lhe merecem os objectos de arte que andam dispersos ou coleccionados por esse país fora.

(Clichés de Casimiro Guedes Pessoa, Amândio Cabral e Fotografia Montenegro.)

L. MANO

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Nota da Redacção – Publicando em seguida aos dois brilhantes artigos sobre Penacova, assinados por L. Mano, o retrato do ilustre e delicado escritor Manuel Emídio da Silva, verdadeiro nome do sugestivo articulista, cremos cumprir um dever que os nossos leitores nos agradecerão.

Colaborador há muitos anos e de varias secções do “Diário de Noticias”, e principalmente dos artigos financeiros, aos domingos, e das Coisas e Loisas, às sextas-feiras, possuindo vastos conhecimentos, tendo viajado largamente, Manuel Emídio da Silva é uma individualidade em relevo no nosso meio da alta finança, literário e jornalístico. Deve-lhe a pitoresca povoação de Penacova uma propaganda activíssima, a ponto dos seus amigos o denominarem por gracejo o Cristóvão Colombo daquela adorável região.

Resta acrescentar que as qualidades de coração de Manuel Emídio da Silva emparelham bondosa e rutilantemente com as faculdades do seu cérebro e espírito.
 

 

27-11-2020