Senhora, segundo creio,
Vossos olhos me chamaram
E tão presto me encantaram
«Que vou... mas tenho receio»:
Pois, se o vosso olhar me veio
Subir ao céu onde estou,
Por má sina me deixou
O susto de vos perder;
Contudo... que hei-de eu fazer?
«Tenho receio, mas vou.»

Se este anelo tão risonho
For mentirosa ilusão,
Senhora, por compaixão
«Acordai-me deste sonho.»
Porém, se, como suponho,
O grato prazer me é dado
De ver surgir a meu lado
A aurora dum paraíso,
Senhora, dai-me um sorriso
«Para eu sonhar acordado.»

A aurora por que eu espero,
O sonho por que eu anseio
Anda oculto no meu seio,
«Posso dizê-lo e não quero.»
Mas este enlevo sincero
Em que todo me alvoroço
Cada vez que um olhar vosso
Me banha em fontes de luz,
Nenhuma frase o traduz,
«Quero dizê-lo e não posso.»

Félix Bermudes.
 

 

31-10-2020