A mim o que doendo me retém,

mais do que a vida com a maré louca,

é pensar que ainda o cravo dessa boca

há-de um dia perder a cor que tem.

 

Nunca a minha ventura fosse além

de a ver vermelha e nova, mas tivesse,

já que a luz da manhã nunca envelhece

A mesma flor e o mesmo amor também.

 

Ruiva! Que de a olhar ardente e pura,

o horror que me gela e tortura,

o pesar que me fere em seus arrancos,

 

é ver que ao fim da vida, sem carinho,

também tu boca louca como o vinho

terás a cor dos meus cabelos brancos.

LISBOA, 1906

ALFREDO GUIMARÃES
 

 

5-03-2020