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TEMPO DE CARNAVAL
Dizem alguns
estudiosos que a palavra carnaval se deve à tradução da expressão
latina
currus navales,
os carros em forma de barcos que, primeiro na Grécia antiga, aí pelo
século VI A.C., e depois em Roma, desfilavam em alegoria à
Primavera. Dizem outros que deriva da expressão carne vale, que é
como quem diz: adeus carne, expressão de S. Gregório Magno para
definir o Domingo Gordo, o domingo anterior à Terça-Feira de
Entrudo. Adeus até que o dia de Aleluia, levante das rigorosas
proibições de sete semanas de jejuns, proibições, abstinências.
O Carnaval é época
de grandes divertimentos que tinha – e em algumas localidades
portuguesas ainda hoje tem – o seu início logo após a quadra
natalícia, por assim dizer, logo a seguir ao Dia de Reis. Na região
de Cinfães, por exemplo, começava em dia de S. Sebastião, o dia 20
de Janeiro. É que, na tradição portuguesa, Carnaval precisava de
tempo. Tal como a Quaresma – Ana, Magana, Rabeca, Susana, Lázaro,
Ramos, na Páscoa Estamos – também se desenvolvia ao longo de sete
semanas: dos Amigos, das Amigas, dos Compadres, das Comadres, Magra,
Gorda e de Entrudo.
Situado no início da
Primavera, no momento em que se iniciam as actividades do novo ano
agrícola, o Carnaval é como que uma reconstituição dos remotos ritos
de passagem em que as forças do mal representadas pelo Inverno, são
purificadas e expulsas pelas forças do bem representadas pela
renovação vegetal que se inicia.
Estas celebrações têm raízes nas saturnais romanas acontecimentos
licenciosos, de grandes comezainas e orgias que, antes da reforma
cesariana do calendário romano, eram realizadas em Fevereiro ou
Março, então, respectivamente, fim do ano velho e início do ano
novo. Nelas se permitiam as críticas pessoais e sociais, a ponto de
os escravos poderem falar abertamente de seus amos que chegavam a
sentá-los e a servi-los em sua própria mesa.
No Carnaval
assiste-se à sempre renovada guerra entre os sexos e à generalizada
crítica social, iniciada na semana dos Amigos e terminada no Dia de
Entrudo, sobretudo no enterro e morte do João, do Entrudo, dos
Entrudos, do Caramono, do Galheiro ou dos Compadres segundo os
costumes de cada região. |
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Marcado também ele
hoje pelo progresso, o grande inimigo da tradição, já só em raras
das nossas localidades tem ainda algumas das marcas que o
caracterizaram ao longo dos tempos. E quem como nós se tem dedicado
ao estudo e divulgação do possível dessas memórias, sente muita
satisfação em poder trazer-vos algumas notas, breves notas do
Entrudo português de um passado ainda não muito recuado.
…
Os grandes dias eram
o Domingo Gordo e o Dia de Entrudo. A dança começava cedo. Novos e
velhos estavam presentes: para dançar; para ver; para parodiar; para
aplaudir. As danças de todo o ano enchiam a tarde. A Delina da Pedra
e a Maria da Maça eram as principais, chamando para a roda,
criticando os ausentes:
Quem seria a
mascareta?
Quem seria a
mascarota?
Mascareta que não
dança,
Olha a mim que se me
importa!
E continuavam com um
sorriso maroto, ao mesmo tempo que se abraçavam alternadamente ao
par da esquerda e ao da direita:
Dá-me um só beijo,
Dá-me um só dá;
Mascareta que não
dança,
Olha a mim que se me
dá.
O Manel da Inácia
muito gostava desta dança! E o que ele sofria? Aquele afago da
Delina – braço suavemente poisado em volta do seu pescoço, cabeças
encostadas, faces quase se roçando...
— Dá-me um só
beijo...
deixava-o sufocado.
O raio da rapariga dançava com ele horas a fio, dava-lhe todos os
entenderes, mas aceitar o seu amor, isso mais devagar. Como dizia a
Helena do Pífaro:
— Trázio à corda!
De repente, a roda
partia, a dança parava. Eram o Manel da Grila, o Zé Bisnau e os
outros. Haviam-se aproximado sem dar nas vistas, disfarçadamente. De
supetão, saltavam para elas – a enfarinhar, a enfarruscar, a
enfarinhar, a enfarruscar. Gritos, algazarra, gargalhadas, alguns
insultos pelo meio.
Pouco depois, tudo voltava ao normal. Do incidente, que se repetiria
vezes sem conta, ficavam no ar os últimos comentários e sorrisos:
— Por esta não
esperavas, ó Toino.
De verdade. Aquela
Gracinda da Feira tinha força como um burro. Os seus braços
castigados por horas e horas a tirar água de balde no engenho da
Felgueira, aguentaram o embate mantendo o inimigo à distância.
— Botei-lhe a mão
esquerda ao cachaço, dizia, saboreando as palavras, que ele nem
buliu. Só esperneava. |
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