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Freguesia de Nossa Senhora da Glória, Aveiro, Junta de Freg. de Nª Srª da Glória, 1997, págs. 13 a 30.

FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA

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«Breve explicação


Durante este ano de 1985, comemorou-se o 150º Aniversário da nova divisão administrativa e eclesiástica de Aveiro, pelo qual as quatro freguesias da cidade ficaram reduzidas a duas; consequentemente, pelos mesmos documentos de então, foram suprimidas as freguesias de Nossa Senhora da Apresentação, do Espírito Santo, e de S. Miguel. A primeira foi incorporada na da Vera-Cruz; as outras duas foram simplesmente suprimidas, para darem lugar à de Nossa Senhora da Glória.


O facto proporciona-nos uma série de breves apontamentos sobre a história das freguesias da vila e da cidade de Aveiro, que foram publicados no semanário "Correio do Vouga", nos números 2756-2759, de 18 e 25 de Outubro e de 1 e 8 de Novembro de 1985. Este opúsculo é uma separata dos mencionados apontamentos.
 

Aveiro, Novembro de 1985.


/ pág. 15 /

1 — Uma única freguesia


Desde os tempos da Reconquista Cristã e da reorganização da Igreja no território de entre os rios Douro e Mondego, o povoado de Aveiro constituía uma única freguesia, cuja matriz era a igreja de S. Miguel. Construída certamente nos finais do século XI por iniciativa de D. Sisnando, conde de Coimbra e vassalo de D. Fernando Magno, rei de Leão, o primeiro edifício erguia-se num outeiro relativamente elevado, onde talvez tenha existido uma fortificação e uma mesquita.


Sobranceiro ao mar, que por aí entrava e formava uma comprida baía com diversos braços — entre os quais o que se prolongava até ao Marnel — o incipiente "Alavário" era um lugar avançado da região conimbricense, voltado para o norte. Nos seus arredores, já nos meados do século X, a Condessa Mumadona Dias possuía terras e salinas, que por doação de 26 de Janeiro de 959, doara ao Mosteiro de Guimarães.


A igreja de S. Miguel — dedicada a este Arcanjo que se tinha por defensor dos cristãos contra as arremetidas do demónio e nas lutas contra os sarracenos — merece uma referência especial. Era o mais antigo monumento de Aveiro, reconstruído e ampliado diversas vezes ao longo dos séculos, uma das quais em 1420 por ordem do Infante D. Pedro. Embora de uma só nave, era grande e construída de pedra e cal. Situava-se na actual Praça da República, onde hoje se ergue a estátua de José Estêvão, sendo a porta principal voltada para poente e a capela-mor ombreando a rua da Costeira. As paredes, à data da demolição em 1835, encontravam-se cobertas de azulejo, pelo interior. A torre esguia, um tanto arruinada, ostentava três sinos e uma sineta. Possuía duas sacristias, um púlpito de grade de pau preto torneado, onze altares votivos, e o baptistério com pia de pedra branca lavrada. O altar-mor, com retábulo de talha dourada, era dedicado ao Titular, cuja última imagem, estofada e dourada, se encontra presente na catedral. Anexa ao templo era a capela de Santo Ildefonso, primeira sede da Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia, fundada em 20 de Agosto de 1506, cujo primeiro "Compromisso" tem a data de 11 de Dezembro de 1519. No adro, levantava-se uma capela em estilo gótico, dedicada à Mártir Santa Catarina, e outra consagrada a Santo António; esta, em frente da cadeia — que era nos baixos dos Paços do Concelho — tinha uma porta com a largura necessária para, aberta, os presos poderem ver e ouvir Missa em todos os domingos e dias santos.

 


2 — Quatro freguesias


No século XVI, a região de Aveiro continuava dentro dos limites da Diocese de Coimbra, que para o norte se estendia até ao rio Antuã que corre ao lado de
/ pág. 16 / Cambra, de Oliveira de Azeméis e de Estarreja. A partir de 1545, presidiu ao Bispado D. Frei João Soares, frade agostiniano, que participou no último período do Concílio de Trento; terminando este em 1564, o prelado foi em peregrinação ao Santo Sepulcro, em Jerusalém, e regressou a Coimbra. Vinha decidido a pôr em prática, tanto quanto lhe fosse possível, a reforma pastoral decretada pela magna assembleia tridentina.


D. João Soares tratou logo de fazer uma visita às freguesias da sua Diocese; para a preparar, mandou previamente que se fizesse o recenseamento da população de cada uma. Por ele se achou que Aveiro, em 1572, tinha 11.365 pessoas de comunhão; o bispo reconheceu ser excessiva tal população para uma só freguesia e determinou dividir a então vila em quatro paróquias. Como a igreja de S. Miguel pertencia ao padroado da Ordem de S. Bento de Avis, tal divisão não se podia fazer sem o rei ser consultado; ele era o grão-mestre da mesma Ordem. D. Sebastião anuiu logo e deu a autorização pretendida. O prelado, por provisão de 10 de Julho de 1572, parcelou o território nas seguintes freguesias: São Miguel, composta pela quase totalidade da vila muralhada e pelo bairro do Alboi, a ocidente; Espírito Santo, que agrupava uma parte da vila muralhada com os Conventos de S. Domingos, de Jesus e de Santo António e se estendia para sul, compreendendo o Cimo de Vila, Vilar, São Bernardo, Santiago e parte da Presa e da Quinta do Gato; Nossa Senhora das Candeias ou da Apresentação e Vera-Cruz, ao norte do canal central da ria, aquela para poente e esta para nascente. À freguesia da Apresentação pertencia ainda todo o território da ria desde a "cale da vila" até ao canal de Ovar (São Jacinto era da jurisdição de Ovar), e a Vera-Cruz tinha dentro dos seus limites os Conventos do Carmo e de Sá e alargava-se por parte da Presa e da Quinta do Gato. Depois desta divisão, a freguesia de S. Miguel ficou com cerca de 4.500 habitantes e cada uma das outras com 2.500. A velha matriz manteve para si a parte mais nobre da vila, a mais distinta e a mais favorecida de fortuna; haviam-lhe escapado, porém, os três Conventos das Ordens Mendicantes de S. Domingos e de S. Francisco.


3 — Duas freguesias


Nos princípios do século XIX, notava-se que a velha divisão do País se tinha tornado anacrónica e incompatível com as necessidades sociais. Logo na Constituição de 1822 se futurava a divisão do território em distritos e o modo de neles se fazer a administração judicial, política e civil. A Carta Constitucional de 1826 manteve tal projecto. Passados anos, em 1833, o território nacional era dividido em oito províncias: — Minho, Trás-os-Montes, Douro, Beira-Alta, Beira-Baixa, Estremadura, Alentejo e Algarve; estas foram subdivididas em comarcas, que, por sua vez, o foram em concelhos. A comarca de Aveiro ficou situada na
/ pág. 17 / província do Douro. Por se verificarem graves inconvenientes na divisão provincial, que eram circunscrições administrativas demasiado extensas, abolir-se-ia tal divisão com esse carácter em favor da divisão distrital, subdividida em concelhos. Assim, em 18 de Julho de 1835, o Governo fez publicar um decreto, com base na lei de 25 de Abril anterior, fixando em dezassete o número de distritos no continente português e indicando os nomes das suas capitais; em 25 seguinte, seriam nomeados os respectivos governadores civis. O distrito de Setúbal viria a ser criado em 1926. Após a instituição do distrito de Aveiro e da entrada em funções de José Joaquim Lopes de Lima, seu primeiro responsável, foram as quatro freguesias da cidade reduzidas a duas, por alvará de 11 de Outubro de 1835, assinado pelo governador civil; publicado o documento, foi ele remetido ao bispo da Diocese, D. Manuel Pacheco de Resende, que se teve de conformar com tal resolução e, atendendo às razões expostas no mesmo alvará, mandou passar a respectiva portaria com data de 13 de Outubro, para início do processo no foro eclesiástico. Por esta forma, constituir-se-ia, ao norte do canal central da ria, a freguesia da Vera-Cruz e, ao sul, a de Nossa Senhora da Glória; o bairro de Sá era incorporado na primeira das paróquias. Fora extinta a de Nossa Senhora da Apresentação, por um lado; e, por outro, as de S. Miguel e do Espírito Santo davam lugar à de Nossa Senhora da Glória, criada de novo. A matriz da freguesia setentrional continuou na igreja da Vera-Cruz, que existia no actual largo do Capitão Maia Magalhães. Dezenas de anos depois, pensando-se em construir um novo templo, iniciou-se no mesmo sítio uma outra edificação que não chegou a concluir-se e foi demolida em 1945. O centro religioso, transferido provisoriamente para a igreja de Nossa Senhora da Apresentação, lá acabou por ficar com carácter definitivo. A paróquia meridional, que recebeu o nome de Nossa Senhora da Glória — talvez para honrar também a Rainha D. Maria da Glória, que não apenas a Mãe de Cristo — passou a ter como sede a igreja do extinto Convento Dominicano de Nossa Senhora da Misericórdia. Quanto à vetusta igreja de S. Miguel, essa foi sacrificada pelo camartelo demolidor. O aludido governador civil, a pedido de certos políticos influentes, sentenciou a sua destruição, não fosse o nome do Titular lembrar perpetuamente o do rei proscrito; e a demolição iniciava-se ainda em Outubro de 1835, poucos dias depois de extinta a freguesia. Antes, em 18 de Outubro, haviam sido conduzidos, em procissão e com todo o respeito, as principais imagens deste templo para o de S. Domingos. O acto foi precedido com um sermão em que o orador procurou demonstrar que a destruição da igreja não tinha sido ordenada por ódio ou desprezo da religião, incentivou os presentes a acompanhar o cortejo que se ia fazer, e lembrou ao povo que se deveria conformar com as determinações da autoridade, com o progresso dos tempos e com os bons desejos de muitos habitantes de Aveiro. Apesar destas palavras, numerosos ouvintes derramaram lágrimas e interromperam o discurso com alaridos, / pág. 18 / protestando assim contra a demolição de um templo, digno de respeito por muitos títulos. Por sua vez, a igreja do Espírito Santo, no largo que hoje tem o nome de Luís de Camões, foi considerada inútil e votada ao abandono; porque ameaçava ruína, acabou por ser profanada em 31 de Janeiro de 1836. As imagens foram conduzidas ocultamente para a nova igreja paroquial; e, em 1841, foi apeado o cruzeiro, muito semelhante ao de S. Domingos, que se levantava a pouca distância do templo. Depois de dúvidas continuadas sobre a sua conservação, a Câmara Municipal de Aveiro, de acordo com a Junta de Paróquia, determinou, em 10 de Fevereiro de 1858, que fosse demolida — o que se efectuou daí a pouco. Os materiais empregaram-se na construção da torre da igreja de Nossa Senhora da Glória. Para que a decisão de Outubro de 1835 tivesse legalmente a completa execução canónica, o bispo de Aveiro, em 7 de Março de 1836, mandou passar nova Provisão. Aí se declarava e confirmava que o Padre Manuel Rodrigues Tavares de Araújo Taborda ficaria pároco da freguesia da Vera-Cruz, atendendo a que o mesmo eclesiástico tinha servido mais de trinta e seis anos a extinta paróquia de Nossa Senhora da Apresentação; e que o Padre António Dias Ladeira de Castro, por sua vez, seria o pároco da freguesia de Nossa Senhora da Glória, por ter estado na de S. Miguel por mais de vinte e seis anos.


4 - Novas freguesias


A criação e o alargamento de uma rede de escolas dos diversos níveis de ensino, a restauração da Diocese de Aveiro, a abertura e o melhoramento da barra nova, a situação e o progresso do porto, o lançamento de estradas, a passagem do caminho de ferro e o desenvolvimento de outros meios de comunicação, aliados decerto ao espírito de iniciativa e de aventura dos aveirenses, foram causas decisivas da evolução industrial, comercial e demográfica de toda a zona, nomeadamente da cidade de Aveiro e do seu concelho. Por isso, os responsáveis da Igreja e as autoridades do Estado, indo ao encontro das aspirações do povo, têm sentido a necessidade de, respectivamente, instituir novas paróquias para melhor servir a comunidade católica e criar novas freguesias administrativas para o interesse e bem-estar dos cidadãos.


A "Costa de São Jacinto", com a secular ermida de Nossa Senhora das Areias, pertenceu, desde tempos antigos, à freguesia de S. Cristóvão de Ovar; o seu território estendia-se mais ou menos naquela restinga de areia, conforme a posição flutuante da barra. Contudo, em 1856, tanto civil como eclesiasticamente, São Jacinto foi anexada à freguesia da Vera-Cruz. Com efeito, o bispo do Porto, D. António Bernardo da Fonseca Moniz, seguindo a portaria do Governo de EI-Rei D.
/ pág. 19 / Pedro V, de 10 de Setembro desse ano, em documento de 22 do mesmo mês fez cessar a jurisdição que o pároco da freguesia de Ovar exercia sobre os habitantes da "Costa de São Jacinto", transferindo-a para o pároco da Vera-Cruz, da Cidade e Diocese de Aveiro. Mas era sumamente custoso manter a ligação religiosa e administrativa da povoação de São Jacinto com a matriz paroquial e com os órgãos autárquicos da freguesia urbana da Vera-Cruz; a ria e a distância não são fáceis de transpor e obstam à unidade. Além disso, a localização de uma base aérea militar e a instalação de uns estaleiros para construção naval tinham dado um decisivo impulso ao núcleo inicial, constituído quase só por pescadores oriundos de uma colónia murtoseira. Por isso, o prelado de Aveiro, em 3 de Fevereiro de 1953, deu-lhe autonomia eclesiástica, sendo seguido pelo Governo da República em 16 de Fevereiro de 1955, o qual constituiu São Jacinto como freguesia, separando-a da Vera-Cruz. Também a freguesia da Glória foi demograficamente progredindo para o sul; no meio de terrenos agrícolas, surgiram e continuavam a surgir variadíssimas habitações, num raio equidistante da velha ermida de São Bernardo. Já vinha de há muito a aspiração de independência religiosa desta zona; certas pessoas influentes concentravam em si o desejo do povo e faziam-no chegar à autoridade diocesana. O processo demorou 4 anos, com seus recuos e avanços. Contudo, chegaria a almejada hora; foi em 4 de Julho de 1955 que D. João Evangelista de Lima Vidal instituiu a paróquia de São Bernardo. Em 18 de Janeiro de 1969 o Governo da Nação dar-lhe-ia a independência administrativa. Assim, esta freguesia pôde talhar com decisão o seu próprio destino, criando e mantendo diversas estruturas que respondem aos anseios de solidariedade, de formação, de cultura e de desporto, para os diversos estratos sociais da população. Numa outra área territorial, entre campos e florestas, começara a desenvolver-se, em todos os quadrantes, uma nova zona populacional; existiam por aí os antigos povoados da Presa, da Quinta do Gato e do Viso, com seus anexos, divididos pelas freguesias de Esgueira, da Glória e da Vera-Cruz. Tornara-se urgente dar unidade jurídica àqueles que convivam, nas mesmas ruas e nos mesmos espaços geográficos; eram parcelas de comunidades dispersas. Cativadas pela memória e pela figura da Princesa Santa Joana, estas pessoas, a pouco e pouco, começaram a sentir o desejo de se aproximarem umas das outras; pressentiam que, numa união de vontades, seriam mais fortes para a realização das aspirações colectivas. Também o bispo de Aveiro foi ao seu encontro, as incentivou, e, por fim, deu-lhes a autonomia religiosa, em 11 de Novembro de 1969; mais tarde, precisamente em 30 de Novembro de 1984, a Assembleia da República votaria a lei que criou a freguesia de Santa Joana, a qual foi promulgada em 29 de Dezembro e publicada em 31 seguinte, deste mesmo ano. Não ficará por aqui, certamente, o progresso de Aveiro, mercê da sua situação geográfica e graças ao espírito animoso dos seus habitantes. A melhoria da barra, a ampliação do porto, a proximidade da / pág. 20 / auto-estrada do norte e a via-rápida para Vilar Formoso e para o centro da Europa serão meios preciosos para um maior crescimento não só da cidade de Aveiro e do seu município, mas também de toda a região da Ria, e mesmo de todo o território que do rio Douro se espraia até ao rio Mondego.»
Monsenhor João Gonçalves Gaspar,
Aveiro e as suas Freguesias — no sesquicentenário da freguesia de Nossa Senhora da Glória, in; "Correio do Vouga", n.ºs 2756 a 2759 de 18 e 25 de Outubro e de 1 e 8 de Novembro de 1985.

 

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Por este texto de escrúpulo e rigor histórico ficamos a saber o essencial de génese da freguesia da Nossa Senhora da Glória, lídima herdeira da primeira freguesia que Aveiro comportou: a freguesia de São Miguel.


A que teve como sé a destruída igreja de São Miguel.


Destruição que se não ficou por aqui, como tivemos oportunidade de ler em Monsenhor João Gonçalves Gaspar.


E que se não quedou nos outros templos destruídos por razões que nem sempre tiveram a ver com a sua vetustez, como também o académico historiador muito intencionalmente deixa alinhavado.


Razões políticas, nos casos de destruição de templos.


Razões económicas, na maior parte dos edifícios civis.


Incúria e ignorância, em tantos mais.


Recupero, porque acho pertinente, texto que escrevi já há anos, quando do centenário de Almada Negreiros, um dos maiores artistas portugueses deste século e de quem o Tribunal de Aveiro guarda (?) preciosa tapeçaria ainda hoje à espera de cuidadoso trabalho de manutenção.


Aí vai, mantendo o título, pois que também o continuo a considerar adequado.

 

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