Lembro-me como se fora hoje.
Nervoso, muito nervoso, pois sentia a responsabilidade da prestação
da minha primeira prova oral na Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, acabara de me sentar no banco corrido da enorme sala.
À minha frente, o júri que me iria examinar na cadeira de Direito
Constitucional; um juiz desembargador e o Professor
Doutor Carlos
Moreira que eu conhecera somente da prova escrita.
Vicissitudes de estudante trabalhador, nessa altura chamado de
"voluntário". O que eu era; o que sempre fui.
Depois de um "boa tarde" que me soou a ríspido, surgiu a primeira
pergunta:
— Diga-me, senhor, qual é a
sua naturalidade? Face ao seu ponto, tenho dúvidas.
Fiquei perplexo... Eu preenchera o cabeçalho da prova como sempre o
fizera desde a minha Escola Primária e nunca alguém ficara com
dúvidas.
E por isso respondi com convicção:
— Sou natural da freguesia da Glória, concelho de Aveiro.
— A sua resposta é incorrecta. Pense bem — interveio o Professor.
Olhei-o incrédulo. Fora assim que o meu professor da Escola Primária
me
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tinha ensinado e fora assim que eu me habituara a preencher todos os
documentos legais ou correntes em que tivesse de declarar a minha
naturalidade.
E foi isto mesmo que eu me atrevi a dizer de viva voz.
— Pois, meu caro senhor, está mal. Esteve sempre mal. Eu sei que é
essa a prática, mas tal não deixa de ser incorrecto. Acima de tudo
para um estudante de Direito Constitucional. E já que não sabe, aí
vai um pouco de História.
O senhor é natural da
freguesia de Nossa Senhora da Glória.
Isto é que está conforme à Lei; isto é que a História releva.
E depois foi um desfilar de encantamento rico de factos e datas
referentes à História de Aveiro que me deixou ficar embasbacado.
Tanta coisa sobre a minha terra que eu desconhecia. Fiquei
pequenino. Mandou-me embora com um "vá em paz" sem me fazer qualquer
outra pergunta. Ao fim da tarde, soube pelo bedel que tinha passado
exactamente com a mesma classificação que obtivera na prova escrita.
Fiquei feliz por isso e por ter ficado mais rico de conhecimentos.
Mais tarde, em Novembro de 1985, vinte cinco anos passados
sobre
este meu exame, vim a fazer um pequeno arranjo gráfico para um
opúsculo de
monsenhor João Gonçalves Gaspar, o historiógrafo
aveirense que tanto me tem honrado com a sua amizade.
Seu título: "Aveiro e as suas Freguesias — no sesquicentenário da
freguesia de Nossa Senhora da Glória".
Li-o de fôlego, pois todo o seu conteúdo me fazia lembrar a
verdadeira lição de História em que o meu exame de Direito
Constitucional se tinha convertido.
Pelo seu rigor e recorte literário entendo dever transcrevê-lo com a
vénia devida ao autor, sem mesmo omitir a sua breve justificação
introdutória.
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