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RA: o mestre José
Manuel Bernardo é o chefe da equipa do aparelho do navio. Como é que
surgiram os primeiros contactos para integrar esta equipa que tratou do
aparelho da Fragata? |
JM: Os
primeiros contactos surgiram oficialmente da Direcção do AA, através do
Comandante Eira que é o oficial de marinha que coordena e dirige todos
os trabalhos de apetrechamento do aparelho do navio. Teve influência o
Director e Coordenador do projecto, que teve em mim e na equipa por nós
constituída a garantia dum trabalho de elevado nível profissional.
RA: Como é que o
mestre José Manuel adquiriu toda esta experiência profissional?
JM: A minha
experiência profissional devo-a muito àquilo que eu chamo "a minha mãe"
ou seja a fragata D. Fernando, pois eu fui um ex-aluno e aí muito
aprendi em 8 anos. Entrei aos 7 anos de idade, lá aprendi a ler e a
tirar a chamada instrução primária (4.ª classe).
Tudo quanto sei
aprendi na fragata D. Fernando, e aprendi com grandes mestres que a
nossa marinha teve. Mais concretamente o tempo que passei embarcado a
bordo da "Sagres" e posteriormente no "Creoula". A minha experiência, o
meu saber e o meu gosto pelas coisas do mar e da arte de marinheiro,
como homem do mar, foi sem dúvida o tempo que passei na fragata D.
Fernando. E com certeza seria para mim uma grande tristeza eu não
colaborar nesta grande obra, que é pôr de pé de novo a "nossa" Fragata.
Estou neste grande projecto a troco de nada, como se costuma dizer "por
amor à camisola".
RA: Mas a passagem
pela "Sagres" e pelo "Creoula" foram, com certeza, muito importantes na
sua valorização profissional?
JM: Essas
passagens por bordo desses dois navios foram riquíssimas, pois, mais
concretamente o meu tempo em conjunto nos dois navios são cerca de vinte
e dois anos. Aprendi muito com a experiência de mestres e marinheiros
mais antigos do que eu e encontrei nestas guarnições grandes
marinheiros, verdadeiros "Iobos-do-mar", alguns até já não fazem parte
do mundo dos vivos, mas eu guardo-lhes o maior respeito, grandes
mestres, que eu não esqueço mais, e que com eles adquiri muito da minha
experiência. No "Creoula" praticamente recebi o navio como lugre da
pesca do bacalhau e fizemos do "Creoula", juntamente com uma grande
equipa, aquilo que ele hoje é, um navio de treino de jovens no mar
dedicado às actividades de todas as marinhas, mercante, pesca e recreio
e à juventude. Assim o navio desempenha todas essas funções dedicadas ao
treino de jovens no mar. Não esquecerei, pois, a minha passagem pelo "Creoula",
onde adquiri uma grande experiência. Todo o navio teve de ser
devidamente aparelhado, pois ele vinha aparelhado à maneira de lugre da
pesca do bacalhau e nada tinha a ver com a nossa marinha. Nós fizemos
daquele veleiro aquilo que ele é hoje. Por outro lado falar da "Sagres"
é sempre altamente gratificante, navio-escola, onde passam as sucessivas
gerações de oficiais da nossa Marinha de Guerra, é uma paixão muito
grande, muitos comandantes e imediatos, até tenentes e guardas-marinhas,
muitos deles já hoje almirantes e comandantes e pronto, muito havia a
contar, mas isso são outras histórias.
RA: Mestre,
diga-nos também como encara esta nova fase da sua vida profissional?
Como se deu nesta integração de trabalho de equipa aqui no AA?
JM: Eu vim
encontrar nesta equipa, isto é, existem duas equipas, a primeira que é
de pessoal de manobra, na reserva e na efectividade de serviço, que é
uma equipa que trabalha directamente comigo e foi seleccionada pelo
Comandante Eira, contactados por mim e posteriormente escolhidos, um
conjunto de profissionais de alto nível. Desde os jovens que pertenceram
às guarnições da "Sagres", cabos M com o curso de formação de sargentos
(CFS), e outros que estavam na reserva (sargentos chefes e ajudantes)
com uma larga experiência profissional que serviram a Armada várias
dezenas de anos e que ao serem contactados aderiram com toda a sua
disponibilidade e amor à Armada. Esta é pois a primeira equipa, a outra
é formada por pessoal do AA, operários e trabalhadores qualificados que
têm sido magníficos, nos contactos que tenho, muitas vezes diariamente,
nas oficinas, na área fabril, etc., em que todos demonstram uma grande
disponibilidade em servir a "causa da fragata". Vêem que é o projecto da
fragata que está em jogo, e comigo e com a minha equipa há sempre um
entrelaçar de esforços, posso dizer que na área fabril e oficinal do AA
não há porta que se feche. É, pois, uma equipa maravilhosa que se
entrega totalmente, sempre numa azáfama e têm um lema comum: "Se é para
a fragata, vamos trabalhar para a fragata".
Oficina do aparelho do navio. |
RA: Dê-nos agora
uma ideia geral em que consiste o trabalho de reproduzir todo o aparelho
da fragata e as várias fases da sua execução.
JM: Este navio
está a ser aparelhado, não como algumas pessoas possam pensar ser, como
ele era aquando do incêndio, com as alterações introduzidas em 1938, mas
sim tal qual a sua traça original na carreira da índia. O navio nos anos
trinta deixou de ter a mastreação, velame, aparelho original, etc.
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Sofreu diversas alterações dadas as missões que lhe foram depois
atribuídas, e deixou de ser o veleiro que era na origem em 1843, ou
seja, o navio fica aparelhado a 100% como no original, com as diferenças
inerentes às matérias-primas actuais e não às da época, como por
exemplo, os cabos em poliester. No entanto, os estudos e os
levantamentos feitos garantem a cópia fiel do massame, velame e poleame
originais. O aparelho fixo é todo em cabo de cor preta e o aparelho de
laborar é todo em cabo de cor castanha, pois na época era assim nos
grandes veleiros.
RA: Para a
execução deste trabalho, o mestre baseia-se num conjunto de desenhos,
esboços, planos e do aparelho que a Comissão da Fragata mandou executar
através do Gabinete de Estudos do AA e os projectistas lhe fornecem, ou
teve ainda outras fontes a consultar?
JM: É verdade
que é necessário e indispensável dispor de todos esses elementos, e os
desenhadores projectistas designadamente o Sr. Godinho e o Sr. Agostinho
do AA, são os principais obreiros deste projecto. Com os conhecimentos
profissionais e a experiência de bordo que eu possuo, estou em condições
de analisar e interpretar todos esses desenhos, como já fiz com a nau
"Colombo" do António Vilar, que aparelhei e naveguei no "Tejo" com ela,
demonstrando a quem duvidava que ela podia mesmo navegar com a sua
mastreação e aparelho como fora projectada e concebida, e demos aqui no
"Tejo" velocidade de 7 nós. Também aqui tenho a vantagem de ter sido
ex-aluno da fragata e conhecer muito bem o aparelho do navio, pois mesmo
jovem aluno todos os dias tínhamos aulas com mestres muito qualificados
e dedicados à Armada.
O levantamento que foi executado mercê dum trabalho de pesquisa é muito importante e por
isso eu próprio, quase diariamente, tenho contactos com os projectistas
e vou à sala de desenho, etc. É um trabalho de grande colaboração, bem
como consulta de livros, modelos existentes no Museu de Marinha, etc.,
tudo isto envolvendo muitas pessoas e trocando impressões com outros
profissionais de marinha, enfim, tudo ajuda. |