Para além de
recuperar e aparelhar a "D. Fernando" na sua traça original, a Comissão
da Fragata teve também como objectivo principal preparar o navio para
servir como Museu vivo, com os arranjos interiores, mobiliário,
armamento, paióis, recheio diverso, palamenta, etc., reconstituindo-se
com manequins personalizados cenas da vida de bordo dessa época.
Preparada assim sob o ponto de vista museológico, a Fragata "D.
Fernando" irá figurar em cais próprio na EXPO'98, podendo vir a ser
utilizada, não só como museu vivo, mas também como local de exposições,
concertos e conferências, utilizando-se para isso o espaço disponível ao
nível do convés, cobertas e bateria do navio.
Na descrição
que faremos seguidamente, convém salientar que se procurou que os
materiais e utensílios utilizados no apetrechamento do navio tivessem
como data de referência os meados do século XIX.
|
|
|
|
|
|
Colocação do leme -
Setembro de 1997. |
|
Transporte da
carranca original (salva do incêndio) - Setembro de 1997. |
|
Começando pelo
apetrechamento do convés teremos que citar primeiramente as embarcações,
que foram todas construídas de novo, pois não sobreviveram ao tempo e ao
incêndio. Assim teremos em primeiro lugar a canoa do comandante, 2
escaleres de 12 remos em turcos nas alhetas de BB e EB; em cima do
convés uma lancha (batel) que no caso da fragata tinha uma designação
particular, chamavam-lhe "a cega", (desconhece-se porquê) e ainda uma
outra embarcação mais pequena. Depois, temos no convés as bocas de fogo
que são chamadas "caronadas" (peças de 18 libras peso do projéctil), em
número de vinte, bastante rudimentares que se apoiam numas pequenas
plataformas e não em carros, permitindo pequenos ajustes na pontaria em
direcção e elevação. Há ainda o apetrechamento normal dum convés dum
navio à vela, por exemplo, as partes superiores das bombas de água,
destinadas aos serviços gerais, limpezas e contra-incêndios; terá as
rodas de leme; as capoeiras para o transporte de aves vivas, pois não
havia frigoríficos na época. A nível da coberta, teremos à popa os
alojamentos do comandante com a câmara, os camarins, que são dois; um de
cada bordo da câmara que se destinam a camarote, um deles, e a
escritório, o outro. Nas saliências, que tornavam a popa dos navios
arredondada, existem os chamados alforges, que serão a um bordo, a
retrete, e no outro bordo a casa de banho. Todo o mobiliário destes
compartimentos é da época. Os beliches dos oficiais são similares aos da
época, e tudo o resto, sofás, cadeiras, etc., é um mobiliário doméstico,
sem qualquer toque naval, como se usava na altura o que causava, com
certeza, problemas com o balanço e a sua peação a bordo.
|
|
|
|
|
|
Aspectos da fragata
no arsenal do Alfeite em Outubro de 1997. Foto de Júlio Tito. |
|
Navio com as vergas
do traquete e do grande, montadas e respectivos mastaréus em
Dezembro de 1997. |
|
Vão ser
mobiladas a câmara e a antecâmara do comandante. Pelo facto do
comandante tomar as suas refeições na antecâmara, esta vai ser mobilada
a rigor, incluindo uma mesa preparada com loiça e talheres (serviço de
cristais oferecido pela "CRISALlS"; porcelana oferecida pela "VISTA
ALEGRE", ambos executados segundo modelos da época; talheres do Museu de
Marinha, havendo muitos em depósito neste museu). Além disso vão existir
outros pequenos móveis decorados à época, nomeadamente na câmara onde
serão colocados sofás, mesas de apoio, etc.
No pavimento da
bateria vão ficar as 24 peças de 12 libras, em ferro fundido, montadas
em carros sobre rodas. Duas das peças vão ter as respectivas guarnições
com 4 manequins em posições especialmente escolhidas que ilustrem as
suas funções como artilheiros: os que tratam das cunhas para fazer
pontaria; o que tem a mecha de fazer fogo; os serventes de limpeza, etc.
Junto às peças haverá todo o material e equipamento de artilharia
respeitante às bocas de fogo.
Também será
recreada a cozinha, com um fogão construído para o efeito, segundo
modelo da época; e ainda apetrechada com toda a palamenta de cozinha
oferecida pelo Palácio da Ajuda; vai inclusive ser instalada uma forja.
Nestes compartimentos haverá manequins personalizados, como por exemplo,
o do comandante tomando a sua refeição na antecâmara e o criado
servindo-o em posição funcional.
Ao nível da
coberta teremos o cabrestante, as amarras, bem como diverso material
próprio para as amarrações.
À popa há os
alojamentos do pessoal, a câmara dos oficiais, equipada com mesa posta
completa, cadeiras, diversos móveis, etc. Aí existirão 3 manequins de
oficiais, fardados à época, em posições funcionais, o camarote do
médico-cirurgião e o camarote do navegador, com manequim sentado frente
à mesa a trabalhar numa carta de navegação. A botica vai estar
completamente equipada com o material médico da época, fármacos e
remédios cedidos pela Associação Nacional das Farmácias que obteve o
material no seu bem apetrechado Museu da Farmácia; e também algumas
peças e material cedido pelo Hospital de Marinha. A nível da coberta, a
vante, vai haver um grande espaço que era ocupado pelas mesas às horas
das refeições ou pelas macas, à noite, às horas de dormir. Esse espaço
vai ser recreado com duas mesas para a marinhagem, baixadas em posição,
postas com palamenta adequada; e ainda no outro bordo 3 macas no ar,
penduradas, com manequins em posição de
/
pág. 20 /
dormir. Também a vante na coberta será recreado
um pequeno camarote de passageiros com 3 manequins — um casal e uma
criança pois o navio também algumas vezes transportava passageiros. Na
parte mais a vante da coberta vai haver, num bordo, o camarote do mestre
e no outro bordo, o camarote do carpinteiro, com anexos do paiol do
mestre e oficina de carpintaria. Estes espaços não serão apetrechados
para a EXPO'98 por causa do tempo disponível, mas sê-Io-ão mais tarde.
No bico de proa irá ser montada simbolicamente a
enfermaria, que
não tinha local fixo, por causa do tempo e mar, ficando a sua colocação
a bordo ao critério do comandante. Aí vai ser colocado o
cirurgião-médico em manequim e também um doente manequim.
No pavimento
inferior à coberta temos os porões. A vante existem os paióis do "pano"
ou seja das velas, pois o navio terá algumas velas, e não disporá de
todas, dado o seu elevado custo; outro paiol será o da pólvora, tal e
qual como era na época, forrado a chumbo. Anexa está a casa das luzes,
visto não se poder entrar com chama, havendo lanternas para dar
iluminação ao paiol. Também existirá um paiol de mantimentos, barris,
barricas, etc. Ao centro do porão é a casa dos motores auxiliares (grupo
motor-gerador, central de tratamento de esgotos, bombas de água salgada,
etc.). Para ré existe ainda outro paiol de artilharia forrado a chumbo;
o paiol da bolacha e outros diversos paióis, como o do vinho, e o dos
barris para água.
Há pormenores
interessantes, como o caso da iluminação a bordo, que em certos locais,
como por exemplo a câmara do comandante e os camarotes dos oficiais, e
noutros alojamentos serão com as lanternas da época, enquanto noutros
locais, dado a existência de visitantes, serão iluminados com luz
eléctrica normal.
Outro aspecto
importante é o caso dos manequins executados com base em pinturas e
desenhos da época, com os fardamentos apropriados e personalizados, com
faces de pessoas, envolvendo um trabalho com modernas técnicas de
estética, ainda com a colaboração de pessoal técnico especialista em
Belas Artes, e com alfaiates especializados em fardas e fatos da época.
Quanto ao
calendário dos acabamentos do apetrechamento, calcula-se que os
interiores deverão estar museologicamente prontos até ao final do mês de
Janeiro, princípios do mês de Fevereiro. A Fragata deverá ficar pronta e
entregue pela Comissão à Marinha durante o decorrer do mês de Abril, de
modo que o navio possa estar em condições de ser apresentado ao público
até ao fim desse mês.
Prevê-se que em
11 de Maio o navio seguirá para o cais próprio que lhe será atribuído,
onde deverá ficar patente ao público a partir de 22 de Maio, data
prevista para a inauguração da EXPO'98.
Patrício Gorjão
CFR REF
(Colaboração da
Comissão da Fragata "D. Fernando"; do Arsenal do Alfeite - Divisão de
Estudos e Projectos, CAP. FRAC. ECN. Cunha Salvado; Aprestamento de
navios - CTEN. SEB. Eira)
Quadro com os
consultores técnicos. |