A Recuperação da fragata "D. Fernando II e Glória", in: "Revista da Armada", n.º 305 e 306, Jan. e Fev. 1998.


6. O APETRECHAMENTO MUSEOLÓGICO DO NAVIO
REVISTA DA ARMADA”, n.º 306, Fevereiro 1998, págs. 19-20.

Para além de recuperar e aparelhar a "D. Fernando" na sua traça original, a Comissão da Fragata teve também como objectivo principal preparar o navio para servir como Museu vivo, com os arranjos interiores, mobiliário, armamento, paióis, recheio diverso, palamenta, etc., reconstituindo-se com manequins personalizados cenas da vida de bordo dessa época. Preparada assim sob o ponto de vista museológico, a Fragata "D. Fernando" irá figurar em cais próprio na EXPO'98, podendo vir a ser utilizada, não só como museu vivo, mas também como local de exposições, concertos e conferências, utilizando-se para isso o espaço disponível ao nível do convés, cobertas e bateria do navio.

Na descrição que faremos seguidamente, convém salientar que se procurou que os materiais e utensílios utilizados no apetrechamento do navio tivessem como data de referência os meados do século XIX.

     
  Colocação do leme - Setembro de 1997.  

Transporte da carranca original (salva do incêndio) - Setembro de 1997.

 

Começando pelo apetrechamento do convés teremos que citar primeiramente as embarcações, que foram todas construídas de novo, pois não sobreviveram ao tempo e ao incêndio. Assim teremos em primeiro lugar a canoa do comandante, 2 escaleres de 12 remos em turcos nas alhetas de BB e EB; em cima do convés uma lancha (batel) que no caso da fragata tinha uma designação particular, chamavam-lhe "a cega", (desconhece-se porquê) e ainda uma outra embarcação mais pequena. Depois, temos no convés as bocas de fogo que são chamadas "caronadas" (peças de 18 libras peso do projéctil), em número de vinte, bastante rudimentares que se apoiam numas pequenas plataformas e não em carros, permitindo pequenos ajustes na pontaria em direcção e elevação. Há ainda o apetrechamento normal dum convés dum navio à vela, por exemplo, as partes superiores das bombas de água, destinadas aos serviços gerais, limpezas e contra-incêndios; terá as rodas de leme; as capoeiras para o transporte de aves vivas, pois não havia frigoríficos na época. A nível da coberta, teremos à popa os alojamentos do comandante com a câmara, os camarins, que são dois; um de cada bordo da câmara que se destinam a camarote, um deles, e a escritório, o outro. Nas saliências, que tornavam a popa dos navios arredondada, existem os chamados alforges, que serão a um bordo, a retrete, e no outro bordo a casa de banho. Todo o mobiliário destes compartimentos é da época. Os beliches dos oficiais são similares aos da época, e tudo o resto, sofás, cadeiras, etc., é um mobiliário doméstico, sem qualquer toque naval, como se usava na altura o que causava, com certeza, problemas com o balanço e a sua peação a bordo.

     
 

Aspectos da fragata no arsenal do Alfeite em Outubro de 1997. Foto de Júlio Tito.

 

Navio com as vergas do traquete e do grande, montadas e respectivos mastaréus em Dezembro de 1997.

 

Vão ser mobiladas a câmara e a antecâmara do comandante. Pelo facto do comandante tomar as suas refeições na antecâmara, esta vai ser mobilada a rigor, incluindo uma mesa preparada com loiça e talheres (serviço de cristais oferecido pela "CRISALlS"; porcelana oferecida pela "VISTA ALEGRE", ambos executados segundo modelos da época; talheres do Museu de Marinha, havendo muitos em depósito neste museu). Além disso vão existir outros pequenos móveis decorados à época, nomeadamente na câmara onde serão colocados sofás, mesas de apoio, etc.

No pavimento da bateria vão ficar as 24 peças de 12 libras, em ferro fundido, montadas em carros sobre rodas. Duas das peças vão ter as respectivas guarnições com 4 manequins em posições especialmente escolhidas que ilustrem as suas funções como artilheiros: os que tratam das cunhas para fazer pontaria; o que tem a mecha de fazer fogo; os serventes de limpeza, etc. Junto às peças haverá todo o material e equipamento de artilharia respeitante às bocas de fogo.

Também será recreada a cozinha, com um fogão construído para o efeito, segundo modelo da época; e ainda apetrechada com toda a palamenta de cozinha oferecida pelo Palácio da Ajuda; vai inclusive ser instalada uma forja. Nestes compartimentos haverá manequins personalizados, como por exemplo, o do comandante tomando a sua refeição na antecâmara e o criado servindo-o em posição funcional.

Ao nível da coberta teremos o cabrestante, as amarras, bem como diverso material próprio para as amarrações.

À popa há os alojamentos do pessoal, a câmara dos oficiais, equipada com mesa posta completa, cadeiras, diversos móveis, etc. Aí existirão 3 manequins de oficiais, fardados à época, em posições funcionais, o camarote do médico-cirurgião e o camarote do navegador, com manequim sentado frente à mesa a trabalhar numa carta de navegação. A botica vai estar completamente equipada com o material médico da época, fármacos e remédios cedidos pela Associação Nacional das Farmácias que obteve o material no seu bem apetrechado Museu da Farmácia; e também algumas peças e material cedido pelo Hospital de Marinha. A nível da coberta, a vante, vai haver um grande espaço que era ocupado pelas mesas às horas das refeições ou pelas macas, à noite, às horas de dormir. Esse espaço vai ser recreado com duas mesas para a marinhagem, baixadas em posição, postas com palamenta adequada; e ainda no outro bordo 3 macas no ar, penduradas, com manequins em posição de / pág. 20 / dormir. Também a vante na coberta será recreado um pequeno camarote de passageiros com 3 manequins — um casal e uma criança pois o navio também algumas vezes transportava passageiros. Na parte mais a vante da coberta vai haver, num bordo, o camarote do mestre e no outro bordo, o camarote do carpinteiro, com anexos do paiol do mestre e oficina de carpintaria. Estes espaços não serão apetrechados para a EXPO'98 por causa do tempo disponível, mas sê-Io-ão mais tarde. No bico de proa irá ser montada simbolicamente a enfermaria, que não tinha local fixo, por causa do tempo e mar, ficando a sua colocação a bordo ao critério do comandante. Aí vai ser colocado o cirurgião-médico em manequim e também um doente manequim.

No pavimento inferior à coberta temos os porões. A vante existem os paióis do "pano" ou seja das velas, pois o navio terá algumas velas, e não disporá de todas, dado o seu elevado custo; outro paiol será o da pólvora, tal e qual como era na época, forrado a chumbo. Anexa está a casa das luzes, visto não se poder entrar com chama, havendo lanternas para dar iluminação ao paiol. Também existirá um paiol de mantimentos, barris, barricas, etc. Ao centro do porão é a casa dos motores auxiliares (grupo motor-gerador, central de tratamento de esgotos, bombas de água salgada, etc.). Para ré existe ainda outro paiol de artilharia forrado a chumbo; o paiol da bolacha e outros diversos paióis, como o do vinho, e o dos barris para água.

Há pormenores interessantes, como o caso da iluminação a bordo, que em certos locais, como por exemplo a câmara do comandante e os camarotes dos oficiais, e noutros alojamentos serão com as lanternas da época, enquanto noutros locais, dado a existência de visitantes, serão iluminados com luz eléctrica normal.

Outro aspecto importante é o caso dos manequins executados com base em pinturas e desenhos da época, com os fardamentos apropriados e personalizados, com faces de pessoas, envolvendo um trabalho com modernas técnicas de estética, ainda com a colaboração de pessoal técnico especialista em Belas Artes, e com alfaiates especializados em fardas e fatos da época.

Quanto ao calendário dos acabamentos do apetrechamento, calcula-se que os interiores deverão estar museologicamente prontos até ao final do mês de Janeiro, princípios do mês de Fevereiro. A Fragata deverá ficar pronta e entregue pela Comissão à Marinha durante o decorrer do mês de Abril, de modo que o navio possa estar em condições de ser apresentado ao público até ao fim desse mês.

Prevê-se que em 11 de Maio o navio seguirá para o cais próprio que lhe será atribuído, onde deverá ficar patente ao público a partir de 22 de Maio, data prevista para a inauguração da EXPO'98.

Patrício Gorjão

CFR REF

(Colaboração da Comissão da Fragata "D. Fernando"; do Arsenal do Alfeite - Divisão de Estudos e Projectos, CAP. FRAC. ECN. Cunha Salvado; Aprestamento de navios - CTEN. SEB. Eira)

Quadro com os consultores técnicos.

 

 

Página anteriorPágina inicialPágina seguinte