Li, no Diário de Aveiro, que, no próximo dia 6 de Julho, ir-se-á
realizar mais uma edição da “Regata de Moliceiros
Torreira-Aveiro”, considerada como a principal atracção de
uma série de eventos gratuitos, com que se pretende celebrar a
Ria, os quais serão promovidos pelos onze municípios que
constituem a CIRA (Comissão Intermunicipal da Região de Aveiro).
Esta corrida é adjectivada como histórica, pelo jornalista,
classificação esta que, se atendermos a um critério, meramente,
cronológico, é bastante exagerada, porquanto, na qualidade de
funcionário da Comissão Municipal de Turismo de Aveiro, eu só
propus a sua realização há menos de cinquenta anos, tendo-a
organizado, integrada na “Festa da Ria”, até 1986.
Diga-se, de passagem, que a predita primeira Regata não teve
início na Torreira, mas em S. Jacinto, na pequena praia, junto
do Cais da Pedra, tendo sido aberta a mercantéis, para que
houvesse mais velas, logo mais beleza e consequente
espectacularidade, se bem que, e como é óbvio, as respectivas
classificações e prémios fossem independentes para as duas
classes de barcos. Dado o êxito alcançado, sugeri que, nos anos
seguintes, a largada se efectuasse, mais a norte, na Torreira –
em pleno coração da zona do moliço, onde ainda havia, à época,
mais de uma centena e meia de barcos que se dedicavam à apanha
desse fertilizante orgânico, que transformou grandes extensões
de improdutivos terrenos arenosos em ubérrimos campos agrícolas
– pretendendo, com esta mudança, proporcionar, aos fotógrafos e
cineastas, amadores e profissionais, mais 8 quilómetros de
estrada ou correspondentes milhas marítimas, donde tivessem a
possibilidade de realizar fotos e filmes que poderiam vir a
constituir óptimos documentos promocionais para a nossa Ria,
hipótese esta que veio a resultar em pleno.
Mas, voltando ao presente, após ter tomado conhecimento dos
horários da Regata – partida do Cais da Torreira, às 14H30 e
chegada ao Cais da Fonte Nova de Aveiro, às 16H30 –, procurei
saber, junto de um especialista na matéria, não só se a maré era
a mais conveniente, mas também quais as condições
meteorológicas, muito especialmente, no que respeita ao vento,
principal elemento propulsor dos moliceiros tradicionais, para
saber se haveria condições para que se cumprisse o tempo de
corrida previsto e publicitado.
Todavia, e para minha surpresa – ou talvez não, porquanto, já no
ano passado, aconteceu quase que a mesma coisa –, constatei que
teria sido difícil ter escolhido um dia com condições mais
adversas para a realização de uma Regata, em que os nossos
famosos barcos típicos tivessem de cumprir o horário
estabelecido e anunciado. Assim, e como se não bastasse o facto
de a baixa-mar, na Torreira, se registar, sensivelmente, à hora
programada para a partida, também a maré será quase viva, o que
implica correntes muito fortes, e, ainda, as previsões apontavam
para ventos de sudeste ou de oeste. Ou seja, as embarcações não
só terão de navegar as primeiras quatro milhas e meia, até S.
Jacinto, com água forte pela proa, mas, ainda, de fazê-lo à
bolina (contra o vento), circunstâncias estas tão adversas, que
tornam impossível que um moliceiro, por mais bem preparado que
tenha o casco, por melhor que seja a vela e, mesmo, com
tripulantes de excelência, chegue a Aveiro nas duas horas
previstas e anunciadas pela Organização.
Resumindo e concluindo: receio que estejam reunidas,
infelizmente, todas as condições para se reeditar o fiasco de
2018, em que, após quase duas horas de Regata, sem vento e
contra a água, tendo os barcos só chegado às imediações da
Pousada, a Organização decidiu terminar a corrida e considerar
as posições ocupadas pelos concorrentes, para efeitos
classificativos finais. De seguida, foram dadas ordens para se
ligarem os motores e rumar a Aveiro, perdendo-se, assim, o
pretendido espectáculo que seria constituído por uma dúzia de
velas a vogar na Ria, aproximadamente, durante uma hora e
quarenta e cinco minutos.
Mas será que a actual situação é irreversível? Será que é
inevitável mais um falhanço? A previsão, no que respeita ao
vento, pode alterar-se de modo a que ele até venha a soprar,
favoravelmente, do quadrante norte; mas a maré, essa não se
alterará, a não ser que se registe um tremendo e imprevisto
cataclismo cósmico.
Assim, quanto a mim, a manter-se a data, só há duas soluções,
para que a Regata se efectue de modo a cumprir os fins para que
foi criada:
1. – Antecipar a hora da largada, por forma a que as embarcações
venham, com a vazante, até S. Jacinto, e, aí, apanhem o
virar da maré, para rumar para Aveiro, com a enchente.
E isto é possível de calcular, facilmente, porque é o formato
que foi utilizado, sem falhas, não só por mim, durante os
muitos anos em que organizei este evento, mas também pelos
promotores do “Cruzeiro da Ria”, que, no mesmo dia da
“Regata dos Moliceiros Torreira-Aveiro”, vinha do
Carregal até esta cidade.
2. – Efectuar uma largada simbólica do Cais da Torreira.
Neutralizar, de imediato, a corrida e percorrer as 4,5
milhas até S. Jacinto, utilizando o quarto meio de propulsão, de que eu não gosto nada, ou seja, a motor, mas com a
vela içada, e, ali chegados, dar a partida real.
Já agora, e sem pretender ensinar nada a ninguém, se viesse a
ser adoptada esta hipótese, a largada real poderia ser dada, da
mesma forma como foi feita na supracitada primeira Regata, da
pequena praia, junto ao Cais da Pedra, caso ela ainda
exista, com os barcos todos de proa na areia, com as velas na
mesma posição, arrancando após um sinal convencional. E
garanto que funciona e sem batotas, desde que haja uma voz de
comando.
Para terminar, e na supra referida qualidade, legítima e
assumida, de “Pai da Criança”, faço um apelo à
CIRA, presumível promotora de futuras e desejáveis “Grandes
Regatas dos Moliceiros da Ria de Aveiro”. Não se esqueçam de
que, ao contrário do que acontece com as pistas, onde se
realizam as corridas pedestres, velocipédicas e
automobilísticas, a superfície da Ria não é fixa, corre de um
lado para o outro, sobe e desce e, consequentemente, aumenta e
encolhe numa extensão que, por vezes, atinge quase quatro mil
campos de futebol.
Assim, é necessário, essencial e indispensável que, antes de se
agendar e programar qualquer evento que tenha a ver com as águas
lagunares, muito especialmente Regatas à Vela – desde que o
mesmo não se situe dentro da zona controlada pelas comportas
aveirenses –, se consulte uma Tabela das Marés do Porto de
Aveiro, para se evitarem surpresas desagradáveis. E, por mais
longe que o acontecimento se venha a situar no futuro, é sempre
possível saber-se a situação da maré, em qualquer ponto deste
abençoado acidente hidrográfico, a que nós, inadequada, mas
carinhosamente, chamamos Ria.
Aveiro,
3 de Julho de 2019
Diamantino
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