Emigrou, ainda muito jovem, para
a Petrolândia, chamado por um tio que possuía três
padarias-pastelarias na capital. Começou por baixo, mas
percorreu rapidamente a escala profissional: moço de recados,
mandarete para entregas ao domicílio, padeiro e pasteleiro.
O tio, reconhecendo que o
sobrinho, que entretanto se tinha casado com uma conterrânea,
era inteligente, trabalhador, responsável e com elevada
capacidade de iniciativa, deu-lhe uma pequena quota que, com o
correr dos anos, foi aumentando, até culminar numa venda, no dia
em que o primitivo proprietário resolveu voltar para a santa
terrinha, para gozar um merecido repouso, conquistado durante
cinquenta anos de duro trabalho, dos quais trinta e cinco tinham
sido passados no estrangeiro.
Com a nova gerência, a empresa
conheceu um significativo desenvolvimento não só duplicando o
número de lojas, mas também estendendo-se para o sector da
Distribuição, onde veio a atingir uma dimensão de relevo.
Todavia, novos tempos surgiram. O
câmbio começou a ser cada vez menos interessante, as
transferências de divisas tornaram-se muito difíceis, aumentaram
os assaltos e roubos, criando um clima de medo que obrigava a
investir importantes verbas na segurança dos estabelecimentos e
também na das pessoas com mais posses, principalmente os
estrangeiros, que se viam obrigados a viver em condomínios
fechados e fortemente guardados.
Tendo já amealhado e posto no seu
país um óptimo pé-de-meia, começou a fase de preparar a partida
definitiva, vendendo ou permutando os negócios e bens imóveis e
transferindo os capitais obtidos para paraísos fiscais ou
similares, o que veio a ser feito, ao longo de dois anos, com
resultados satisfatórios, atendendo às circunstâncias.
Voltou a Materlândia e
instalou-se na terra natal, Tretapólis, cidade de razoável
dimensão e com um bom nível socioeconómico, no contexto
nacional. A sua fortuna permitir-lhe-ia gozar uma bela reforma
sem preocupações com o futuro. No entanto, habituado a uma vida
de trabalho e tendo só cinquenta e seis anos, resolveu arranjar
um entretém - um estabelecimento de boa dimensão, com serviço de
café, pastelaria, padaria, refeições ligeiras ao almoço e
jantares para grupos – que acabou por se tornar uma boa fonte de
rendimento.
Um dia, a mulher chamou-lhe a
atenção para a antiga casa dos pais dela que estava abandonada e
a ficar com um aspecto deplorável, mas cuja localização, antes
periférica, tinha sido muito valorizada com a recente
implantação do campo universitário. Entendendo que o assunto
poderia ser interessante, dado que a habitação e terreno murado
anexo perfaziam uma frente de 20 metros, apresentou um pedido de
viabilidade de construção. A resposta não lhe agradou: a
Entidade Administrativa Local (EAL) só permitia uma construção
de rés-do-chão e primeiro andar, cujos custos não se enquadravam
na sua perspectiva de homem de negócios que gostava de investir,
mas a quem repugnava gastar dinheiro mal gasto.
No entanto, decidiu amadurecer a
ideia, porquanto pensava que ela tinha pernas para andar.
Informou-se sobre as possibilidades de poder vir a erigir um
edifício com quatro pisos – duas lojas e seisT3 - e a resposta
foi sempre a mesma: a informação técnica correspondia às normas
urbanísticas, só podendo ser ultrapassada politicamente. Neste
sector, ele tinha adquirido uma boa soma de conhecimentos, em
Petrolândia, já que a expansão dos seus negócios só tinha sido
possível através de influências exercidas por quem detinha o
poder. A experiência levara-o a concluir que é mais barato e
eficiente comprar os adversários do que entrar em guerra com
eles.
Assim, resolveu utilizar, mais
uma vez, a táctica da cunha com suborno q.b. Em primeiro lugar,
sabendo que, dentro de poucos meses, teriam lugar as eleições
para as EALs, procurou saber quais seriam os partidos políticos
concorrentes e, dentre eles, os que teriam mais possibilidades
de vencer. Soube que concorreriam sete ou oito, mas que os dois
com hipóteses muito superiores às dos restantes eram o Partido
Super Democrático e o Partido Solidário Progressista e que
haveria um novo Presidente, já que o actual não se poderia
recandidatar. Em segundo lugar, informou-se especialmente sobre
quem eram não os respectivos cabeças de lista, mas os
verdadeiros caciques locais. Em seguida, solicitou entrevistas
confidenciais com os referidos líderes a quem disse exactamente
a mesma coisa.
«Apesar de ter estado fora durante muitos
anos, nunca deixei de me interessar sobre o que se passava na
nossa terra. Tenho tirado informações sobre os principais
candidatos e concluí que o nosso é o que reúne melhores
condições para não só manter Tretapólis na rota do progresso,
mas também conseguir promovê-la ao lugar de topo que merece.
Assim, gostaria de colaborar na campanha que levará o nosso
homem à vitória, contribuindo financeiramente para o desejado
êxito, pondo uma única condição: que esta ajuda só seja
conhecida por mim e por Vossa Excelência.»
Aceites as propostas pelos
representantes dos dois partidos, foi combinado o montante dos
subsídios a serem pagos, em dinheiro, sem recibo e em três
prestações. Dado que na altura da 3.ª prestação, quinze dias
antes das eleições, já se tinha tornado claro que o Partido
Super Democrático iria ganhar, a última tranche não foi
entregue ao Partido Solidário Progressista, com o pretexto de
que teria havido desvios programáticos no discurso do candidato.
Oito dias depois das eleições, o
financiador foi felicitar o seu interlocutor vencedor,
manifestando-lhe a sua disponibilidade para continuar a
colaborar com o Partido. Só dois meses depois lhe pediu nova
entrevista para lhe dizer:
– A minha mulher tem-me
pedido insistentemente que recupere uma casita que herdou dos
pais, obras estas dispendiosas e que não produziriam nenhum
retorno financeiro, o que contraria um dos princípios por que
tenho norteado a minha vida – antes investir um milhão do que
gastar mal gasto um tostão. Ainda procurei saber se poderia
construir algo de interessante no terreno, mas foi-me informado
que não era possível ultrapassar os dois pisos, o que seria uma
péssima aplicação financeira. Contas feitas, dispor-me-ia a
construir um prédio no terreno, hoje ocupado pela casa e
quintal, cujo aspecto choca com as vizinhas edificações
universitárias, muitas delas com projectos assinados por
prestigiados arquitectos, desde que me fossem permitidos quatro
pisos. Não seria um negócio por aí além, mas permitir-me-ia
satisfazer este desejo de minha mulher. Muito agradeceria se
Vossa Excelência pudesse dar-me uma ajuda, mantendo, porém, as
minhas intenções de colaboração, mesmo que este meu pedido não
possa ser satisfeito.
– Verei o que poderá ser feito e
dar-lhe-ei brevemente notícias.
Sua Excelência falou com o novo
Presidente da EAL, dizendo-lhe não só que sem a ajuda deste
patrocinador a eleição, a certa altura, poder-se-ia ter
complicado, mas também que, no futuro, seria importante saber
que poderiam contar com este valioso apoio. Dias depois,
convocou o promitente investidor para uma reunião para lhe
comunicar:
– O assunto está muito bem
encaminhado, pelo que pode começar a mandar elaborar o projecto
que, todavia, só poderá ser entregue dentro de três meses.
Aproveito a oportunidade para lhe sugerir o nome de um nosso
correligionário, que é engenheiro na nossa EAL e trabalha em
casa, à noite, para arredondar o orçamento familiar. Projecto
feito por ele, para além de ter muita qualidade, é como o código
postal, pois é meio caminho andado para ser rapidamente aprovado
e poder vir a beneficiar de uma significativa redução de taxas.
Caso opte por esta sugestão, o trabalho ficar-lhe-á
substancialmente mais barato, porquanto não só o autor não tem
encargos com o pessoal, dado que trabalha sozinho, nem com as
instalações – o escritório é a sua casa e o estirador é a mesa
de cozinha –, mas também porque, se o cliente o não exigir, não
haverá recibo, logo, serão poupados os 23% do IVA. Objectará que
esse técnico não poderá assinar o projecto que realizou, mas
esse problema não se põe, porquanto ele tem um acordo com um
colega de uma vizinha EAL e assinam, nestas circunstâncias, os
projectos um do outro.
A construção efectuou-se sem
problemas de maior, tendo o rés-do-chão duas lojas: uma dedicada
a café, pastelaria, padaria, almoços ligeiros e jantares de
grupos e outra ocupada por um minimercado. Nos seis T3, habitam
18 estudantes universitários.
24.03.2015
Diamantino Dias |