O
PORTUGUÊS Diogo Soares era, desde 1635, do conselho do rei Filipe quarto de Espanha e terceiro de
Portugal, e também secretário de Estado na corte de Madrid. Por alvará régio dado nesta cidade aos 12 dias de Fevereiro
de 1633, teve autorização para comprar a Dom António da Silva Saldanha, por 5.500 cruzados, o senhorio das vilas portuguesas de Serém e do
Préstimo, que eram da coroa, e que de facto comprou.
Tratou em seguida de edificar em Serém um convento da ordem de São
Francisco da província de Santo António. Na verdade, em 23 de Junho de
1634, foi feita em Lisboa uma escritura em que Diogo Soares se obrigava a
construir um convento da invocação de Santo António, na sua vila de Serém, junto a
Vouga, para nele habitarem doze religiosos e a dar a estes uma ordinária
para ajuda da sua sustentação, com a condição de ficar Diogo Soares
padroeiro do convento, e lhe ficar reservado o domínio da igreja e
capela-mor para nelas ter ele e seus descendentes suas sepulturas e
jazigos. Nesta escritura ficou consignada a aceitação do convento e
cláusulas por parte dos religiosos. Por estes outorgaram o padre José
Manuel de Santa Catarina, ministro provincial da Província de Santo António, e outros padres, e por Diogo Soares
outorgou António de Matos da Fonseca, em virtude da procuração feita em
Madrid em 15 de Fevereiro de 1634.
Em 16 de Setembro de 1634, concedeu o dito rei autorização para se fazer
o convento, desde que nele não houvesse
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4 /
mais de doze religiosos. Em 18 de Abril de 1635 foi lavrada, em Serém, a
escritura da oferta do local para o convento por Diogo Soares, e neste
mesmo ano começou a construção do convento, que demorou largos anos.
Bem se enganava Diogo Soares quando supunha que, no seu convento de Serém, viria a dormir o sono eterno. De facto, graves acontecimentos
políticos não permitiram que ali fosse sepultado.
Julgava Diogo Soares que a unidade ibérica efectuada em 1580 não viria a
ser destruída, mas a errada política de Espanha para com os portugueses
levou estes à revolução de Lisboa, no dia primeiro de Dezembro de 1640, a
qual restituiu a independência a Portugal.
O fim do vexatório domínio espanhol foi simbolizado no assassinato de
Miguel de Vasconcelos de Brito, vulgarmente conhecido por Miguel de Vasconcelos, então secretário de Estado em
Lisboa, a quem os conjurados acusavam de não ter defendido
convenientemente os interesses e direitos dos portugueses.
O movimento revolucionário obrigou o deão de Braga, Luís de Melo, e o
bispo de Leiria, Pedro Barbosa, irmãos de Miguel de Vasconcelos e
cunhados de Diogo Soares, a refugiarem-se em Espanha. A História acusa
severamente Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos de grande falta de
patriotismo por seu servilismo perante o governo espanhol.
O triunfo da revolução de 1640 levou ao trono português
o duque de Bragança, mas a consolidação da independência de Portugal
demorou ainda muitos anos e custou imensos sacrifícios. Vários nobres de
alta linhagem foram ainda condenados à morte por continuarem a ser
partidários do rei de Espanha, e conspirarem contra D. João IV, o novo
monarca português. Certo é que a revolução estabeleceu uma confusão
tremenda na política portuguesa: basta reparar no que diz D. Pedro
Mascarenhas, adepto do monarca espanhol,
numa carta dirigida a seu pai, o marquês de Montalvão, escrita de Niebla
para o Brasil, a 12 de Fevereiro de 1641:
«Tambem disse a V. Ex.ª o dezastrado fim de Miguel de Vasconsellos; que
certo me Lastima, ainda que no lo não merecia. Hoje está isso provado
Largamente com
a sua Letra e firmas, que tudo tenho em meu poder.»
E mais:
«Portugal se Levantou sem dinheyro, sem armas, sem munições, sem
Artilheria, sem Gente e sem Capitaeñs para dispôrem; e elegeu para Rey
a hũ Homem
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5 /
parvo, mau e traydor por natureza. Veja V. Ex.ª agora,
como poderá ter isto bom fim.»
(1)
Porque é que D. Pedro Mascarenhas mostrava tão grave
ressentimento contra Miguel de Vasconcelos que era afinal considerado traidor pelos revoltosos?
Somente motivos políticos e interesses feridos levariam aquele fidalgo a
desmerecer Miguel de Vasconcelos, como
adiante veremos. Pelo menos, este fingiu sempre ignorar
a organização do levantamento, pois que, avisado da conspiração de quarenta fidalgos, disse que em Portugal não
havia gente para isso, e nenhumas providências tomou para prender os conspiradores.
A atitude de Miguel de Vasconcelos perante a rebelião
de Lisboa foi ambígua, sem dúvida nenhuma.
A alta nobreza, por juramento e interesse, era partidária
de D. Filipe; o povo e alguma nobreza mediana eram partidários de D. João IV. D. Francisca de Vilhena, mãe do dito
D. Pedro Mascarenhas, escrevia numa carta de Lisboa, de 6
de Fevereiro de 1641 dirigida a seu marido, que os quarenta da fama, isto é, os quarenta conjurados, eram a escória desta terra.
«Já vos avizámos como ficávamos com o Duque de
Bragança por Rey, e por nos dizerem q. haviaõ de ver
as cartas nos naõ atrevemos a alargar mais q. a mostrar grande
contentamento pelo perigo q. havia em se dizer
outra couza.
Este negocio foi por tais cabeças q. se lhe naõ pode
esperar bom fim, nem traiçoens o podem ter nunca, os
que entraraõ nisto foraõ quarenta fidalgos, q. hoje se nomeaõ pellos
quarenta da fama, sendo assim q. saõ a
escoria da terra, os q. naõ entraraõ nesta conjuraçaõ andaõ aqui mui
arriscados (porq. este Rey naõ tem juizo
p.ª conhecer o q. he bom, nem máo), e D. Pedro, e
D. Jeronimo muito mais, porq. todos lhe conheceraõ
sempre grande sentimento neste negócio.»
(2)
Interessa-nos conhecer alguns pormenores de um ofício
secreto de 12 de Dezembro de 1640 que monsenhor Cesare
Fachinette, núncio apostólico em Madrid, mandou para o
Vaticano, sendo então papa Urbano VIII, relatando os acontecimentos de Lisboa no dia primeiro de Dezembro de 1640,
que transformaram Portugal em nação livre. Nele faz
/ 6 / referências a D. João IV e sua mulher
D. Luísa Francisca de Gusmão, e às
causas da revolução. Diz que o duque de Bragança, D. João, agora rei
de Portugal, de trinta e cinco anos de idade(3), é de branda natureza,
amigo da música, e de pouco entendimento; e que se tinha entregado nas mãos de
um secretário seu a quem considerava um oráculo.
Referia-se, por certo, a João Pinto Ribeiro.
Sua mulher era uma irmã do duque de Medina Sidónia,
sobrinha da princesa de Melito, da Casa Gusmão. Possuía espírito e
engenho elevado. O conde duque de Olivares tinha-a casado com o duque de
Bragança.
A respeito dos motivos do levantamento em Lisboa no dia primeiro de
Dezembro e consequente alastramento a todo o reino, dizia o núncio que
se discorria em escuro porque de Lisboa não vinham cartas; mas que em
Madrid se murmurava
que eram causas determinantes da sublevação a opinião de se reduzir o
reino de Portugal a província, sujeitando-o e unindo-o a Castela e Leão;
e que para tal fim se fosse aniquilando o Conselho de Portugal, que tinha
degenerado em uma pequena
junta totalmente governada e dominada por Diogo Soares; e
ainda mais, que os portugueses fossem obrigados a tomar parte na guerra
contra a Catalunha.
O núncio mostrava alguma satisfação pelo triunfo do movimento
revolucionário português, em virtude de certa questão havida entre a
corte de Madrid e o Vaticano, pois começava assim o seu ofício:
«Ai sollevamenti di Catalogna et ai stabilimenti o confederationi di
quel principato con i francesi, succede la rivolta di tutto il regno
di Portugallo, con incredibile sentimento di tutta questa corte; in
un'hora si è perduto, può dirsi, un regno, e prima se n'è saputa la
perdida che conosciutane la possibilità et il pericolo di perderlo. Dio
benedetto a tutte l'hore non rivede i conti e non ad ogni settimana
pareggia le partite; per haec quae peccavimus, per haec et punimur!
(4)
Os espanhóis e grande número de portugueses não consideravam D. João IV rei legítimo de Portugal, mas um simples rebelde,
pelo que tinham como certa a recuperação de Portugal por Espanha, mais
cedo ou mais tarde. Diogo Soares era um deles, e nesta crença viveu até
à morte.
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7 /
Os anos após 1640 iam-se passando, mas a pressão espanhola para subjugar novamente Portugal não dava resultado.
Entretanto aproximou-se o fim da vida de Diogo Soares, e
então, aos 23 dias do mês de Agosto de 1649, este fez testamento
cerrado.
Diogo Soares poucos mais dias viveu, pois no dia 29
do mesmo mês e ano faleceu em Madrid, nas casas em que
residia, situadas na rua de Ortaleza. No mesmo dia foi aberto
e lido o testamento, a requerimento de sua mulher e testamenteira, Dona Antónia de Melo.
É um documento interessante sob vários pontos de vista. Nele deixou Diogo
Soares algumas palavras de defesa dos seus actos políticos.
Tal testamento está inédito há 302 anos, e agora o publicaremos como subsídio histórico genealógico.
O testamento de Diogo Soares foi escrito em língua castelhana, e dele possuímos uma pública-forma feita em Madrid
aos 12 de Maio de 1756, a requerimento de Manuel Alberto
da Rocha Tavares Pereira, padroeiro da igreja paroquial de
Santa Maria de Pigeiros, administrador dos morgados de
Nossa Senhora da Graça da igreja de Castelões de Cambra,
e de São Martinho de Argoncilhe e residente em Arrifana
de Santa Maria, bispado do Porto
(5).
Alegava o requerente que necessitava de uma cópia
autêntica do dito testamento para se esclarecer acerca de certas
prevenções que nele fez Diogo Soares como testamenteiro que foi do Doutor Miguel Soares Pereira, do Conselho e câmara do rei de Portugal
(6).
De facto, no artigo 37.º
do testamento, existem tais prevenções.
O requerente pedia também cópia autêntica dos documentos relativos às diligências que precederam a abertura do testamento, e
esta cópia lhe foi fornecida e encontra-se anexa à pública-forma do
testamento.
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8 /
o primeiro destes documentos é a petição da viúva Dona Antónia de Melo,
para que seja aberto e publicado o testamento cerrado de seu defunto
marido e lhe sejam dados os treslados e testemunhos necessários.
Intitula-se ela «viuda muger que fui del señor Diego Suarez, secretario
de Estado del consexo de Portugal, y de el de la real hacienda y
contaduria maior dela».
A dita petição foi feita em 29 de Agosto de 1649, dia em que faleceu
Diogo Soares.
Pela declaração de abertura se verifica que de facto o dito testamento
foi aberto e lido no dia atrás mencionado. Depois foi registado a folhas
893 do segundo livro de registos de escrituras efectuadas em Madrid, por
Diogo de Ledesma, no ano de 1649.
Diogo Soares era genro de Miguel de Vasconcelos por parte de sua
terceira mulher, D. Antónia de Melo e Vasconcelos, e também cunhado dele
por parte de sua segunda mulher, D. Mariana de Eça, como a seguir se
mostra e importa saber:
Dr. Pedro Barbosa de Luna, morto em 16 de Junho de 1606, segundo uns, ou
em 23 de Outubro de 1621 segundo outros, casou com D. Antónia de
Vasconcelos e tiveram:
Miguel de Vasconcelos, que foi secretário de Estado
em Lisboa;
Pedro Barbosa, bispo de Leiria, sagrado na igreja de
São Francisco de Xabregas em 7 de Setembro de 1636;
Luís de Melo, deão da sé de Braga;
D. Mariana de Eça que casou com Diogo Soares,
secretário de Estado em Madrid, e foi sua segunda mulher
(7);
D. Maria Antónia que casou com Pedro de Macedo
Leite.
O dito Miguel de Vasconcelos casou com D. Catarina
de Macedo Leite e tiveram:
Pedro de Vasconcelos e Brito;
Diogo de Vasconcelos;
D. Antónia de Melo e Vasconcelos que foi terceira
mulher de Diogo Soares, secretário de Estado em Madrid.
O testamento de Diogo Soares compreende quarenta e
nove artigos, que se referem principalmente ao seu enterro,
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9 /
à divisão dos bens que possuía, pelos seus filhos, e à justificação de
factos da sua vida política.
Nele mandava Diogo Soares que, quando falecesse, fosse o seu corpo
enterrado por depósito no Colégio Imperial da Companhia de Jesus de
Madrid, onde parecesse mais conveniente aos seus testamenteiros, e lá
estivesse até ser trasladado para o convento de Santo António de Serém,
que ele havia edificado para nele ser sepultado, mas que ainda não
estava concluído à data do testamento. Onde fosse depositado o seu
corpo, seriam também depositados os corpos de D. Mariana de Eça, sua
segunda mulher, o de Pedro Barbosa, seu cunhado e bispo de Leiria, e o
de sua filha, os quais estavam depositados na igreja da vila de Aldea
deI Fresno.
Ordenava também que o convento que havia fundado na sua vila de Serém se
acabasse de edificar quando o reino de Portugal fosse recuperado pela
Espanha, dado o caso de não estar ainda concluído. As obras do convento
haviam parado em virtude da confiscação dos bens de Diogo Soares em
1641, entre os quais as localidades de Serém, Préstimo e Macieira, cujos
rendimentos garantiam a ordinária de 76.000 reis, doada por Diogo Soares
para as obras do convento e sustento dos frades.
Declarava que fora casado a primeira vez com D. Francisca de Melo, de
cujo matrimónio nasceram dois filhos, Valentim e João, já falecido, e
três filhas, Paula, religiosa professa no mosteiro de Santa Clara de
Lisboa, Maria Soares casada com João Álvares Soares, seu primo, e Inês
de Melo,
casada com Martim Cotta Falcão; e que fora casado segunda vez com D.
Mariana de Eça, da qual teve três filhos, Lucas, Leonor e Maria Antónia
Soares.
Quando Diogo Soares casou com D. Mariana de Eça, fizeram entre si
escritura de dote e arras, na qual ela vinculou em morgado (mayorazgo)
todo o seu dote que constava de bens situados em Portugal; e Diogo
Soares na mesma escritura vinculou a sua terça em morgado, sendo estes
dois
morgados para o filho varão deste matrimónio e seus descendentes. Deles
veio a beneficiar seu filho Lucas Soares.
No seu testamento fundava Diogo Soares outro morgado ao qual seriam
anexados os dois primeiros e ainda o padroado (patronazgo) do convento
de Santo António de Serém e todos os outros padroados e capelanias que
possuía em Portugal e Castela. De todos estes bens seria administrador
seu filho Lucas e seus sucessores conforme era determinado no
testamento. Os restantes bens foram distribuídos pelos outros filhos
nos termos das disposições testamentárias.
Declarava que casou pela terceira vez com D. Antónia de Melo, de quem
teve cinco filhos: António Soares, Miguel
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10 /
Luís Soares, Miguel Soares de Vasconcelos, João Álvares Soares, e Pedro
Soares.
A distribuição dos bens de Diogo Soares por seus filhos era até certo
ponto fictícia, porquanto todos os bens que possuía em Portugal estavam
confiscados desde 1641. Acreditava, porém, o antigo secretário de Estado
em Madrid que
a Espanha viria a recuperar Portugal pela força das armas
quando estivesse liberta de outras questões e pudesse dispor de fortes
recursos militares. E nestas circunstâncias, ele ou os seus herdeiros
entrariam na posse dos bens confiscados. Não é de estranhar, portanto,
que Diogo Soares em vários passos do seu testamento manifestasse ardente
desejo de que Portugal fosse recuperado ou restaurado, isto é, que
voltasse ao domínio de Espanha. E assim, encontram-se nele frases como
estas:
«Quando se recupere el dicho Reyno...», (art.º 3.º); «confiando en
Dios que en mis dias vea la restauracion de el Reyno de Portugal...»,
(ar1.º 10.º); «si mis pecados no permitieren que à la hora de mi muerte
estubiere Portugal recuperado...», (art.º 26.º).
Admitia, no entanto, que demorasse o regresso do reino de Portugal à sua
anterior situação, e por isso, no artigo 30º do testamento após a divisão
dos bens, faz um apelo à clemência do rei Filipe IV de Espanha, no
sentido de amparar e favorecer seus filhos e mulher, alegando que sem a
protecção real, pereceriam totalmente por lhes faltar toda a fazenda e
rendas que tinham em Portugal, e estavam confiscadas pelo Rebelde.
São muito interessantes as declarações de carácter histórico que Diogo
Soares faz para justificar o pedido que fazia ao rei para proteger a
esposa e oito filhos que ele tinha a seu cargo.
Declara ele que serviu Sua Majestade durante trinta e
sete anos, com notório zelo, e que apesar disso tinha sofrido grandes
incómodos e vexames provocados por pessoas que se tornaram suas inimigas
por virtude do serviço de Sua Majestade, com o fim de escurecerem a sua
reputação e crédito.
Diz o testador que das averiguações que em Espanha se
fizeram a seu respeito nada se apurou que o comprometesse,
e, no entanto, ele achava-se sem o exercício do seu ofício de secretário
de Estado de Portugal que tinha de propriedade, e estava passando
necessidades e sua família.
De sua mulher D. Antónia de Melo diz que é filha do secretário Miguel de
Vasconcelos que, pelo zelo que teve do serviço de Sua Majestade, foi
morto violentamente em Lisboa pelos rebeldes, por ocasião do
levantamento do reino de Portugal e por estes lhe foram confiscados os bens, em
virtude do que ela ficou pobre.
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Também é interessante a condição que Diogo Soares impôs a seu filho
Lucas e sucessores no morgado que instituiu no seu testamento para que
em nenhum caso se encarregassem nem aceitassem o ofício de secretário
de Estado, em virtude dos riscos e perigos a que estavam expostos
sem culpa sua, como sucedeu a ele.
De que teria sido acusado Diogo Soares em Espanha? E quem o teria
acusado? Vamos vê-lo.
Importa recordar que D. Pedro Mascarenhas, vedor do rei
D. Filipe, se mostrou muito ressentido contra Miguel de Vasconcelos por
ocasião do assassinato deste, como já dissemos.
No testamento queixa-se Diogo Soares de incómodos e
acusações que, após o levantamento de 1640, provieram de pessoas mal
afectas a ele. Trata-se de uma vingança de D. Pedro Mascarenhas contra
Diogo Soares, por motivos adiante indicados, e de que só teve
conhecimento após a morte do secretário Miguel de Vasconcelos.
A seguir ao movimento libertador de 1640, D. Pedro Mascarenhas, ainda em
Lisboa, tornou-se imediatamente cabeça de uma conspiração contra D. João IV, e intentou mesmo
matá-lo, segundo confessa numa carta que enviou a
seu pai e à qual nos referiremos adiante.
Teve por isso de fugir para Espanha no mês de Fevereiro de 1641 com seu
Irmão D. Jerónimo Mascarenhas, porque as suas vidas já corriam perigo.
Uma vez aqui, procurou derribar Diogo Soares do seu cargo de secretário
de Estado no conselho de Portugal em Madrid, com o apoio do duque de
Medina Sidónia e do presidente do Conselho de Portugal em Madrid, o
conde de Ficalho e duque de Villa Hermosa.
Para tal se serviu de cerca de sessenta cartas de Miguel de Vasconcelos
ou de Diogo Soares para ele, que havia conseguido em Lisboa de entre as
que foram encontradas na casa de Miguel de Vasconcelos e de lá foram
tiradas e espalhadas no dia da revolução.
Isto é o que se deduz do teor da carta que D. Pedro Mascarenhas escreveu
a seu pai, o marquês de Montalvão, governador do Brasil, datada de
Niebla, a 12 de Fevereiro de 1641. Nesta dizia ainda que as referidas
cartas comprometiam Diogo Soares porque revelavam as grandes tramóias
e maldades deste e de Miguel de Vasconcelos e das quais ninguém
suspeitava, as várias conjurações que estes haviam feito e os actos por
eles praticados contra o marquês de Montalvão e seus filhos.
Ficamos agora sabendo o motivo das queixas de Diogo Soares por ter sido
acusado e destituído do seu cargo de secretário de Estado, embora nada
se tivesse averiguado contra ele, conforme diz.
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12 /
Em tudo isto há um ponto muito importante
a esclarecer. Que conjurações
seriam as que fizeram Diogo Soares e
seu sogro Miguel de Vasconcelos? Em que contrariavam estes os interesses
de D. Pedro Mascarenhas e seus parentes? Teriam procedido bem e de
acordo com os interesses de Portugal, opondo-se a pretensões injustas e
inconvenientes destes Mascarenhas? D. Pedro Mascarenhas era homem de
grandes ambições. Quem sabe se este era um dos partidários da
aniquilação do Conselho de Portugal, à qual se referia o núncio em
Madrid?
Talvez possamos afirmar isto em face da atitude de D. Pedro Mascarenhas
após a rebelião de Lisboa. Com efeito, este no caso de ser bem sucedido
na contra-revolução que tramava, propunha-se ocupar o lugar do duque de
Bragança e ser ainda mais importante do que ele. Queria mesmo ser o
maior homem da Monarquia.
Isto pressupõe a incorporação de Portugal na monarquia espanhola como
simples província.
Para se fazer a história exacta da restauração de Portugal é necessário
esclarecer a luta secreta dos dois secretários de Estado contra D. Pedro
Mascarenhas e seus parentes.
Vejamos agora o trecho da carta deste D. Pedro Mascarenhas a seu pai, o
marquês de' Montalvão, e que se refere ao que atrás dissemos.
«De Lisboa escrevi a V. Ex.ª como se haviam achado todas as cartas de
Miguel de Vasconcelos, ou de Diogo Soares para elle; e muitas
respondidas á margem; estas se espalháram; e eu fiz deligência, e pude
colher coiza de sessenta, que he couza que muito estimo; porque nelas se
descobrem as mayores tramoyas, e maldades, que jámais se imagináram: e
todas as Conjuraçoens que estes Homens fizeram, particularmente tudo o
que nos tóca a nóz; assim do tempo que estavaõ comnosco em brassos; como
depois. Prometo a V. Ex.ª que he hum thezouro éstas cartas, e que por
tal as estimo. Todas Levo cõmigo; porque se as couzas se pozerem em
estado, que me pareça que pósso derribar o Soares, o hey de fazer;
porem, ha de ser sem me arriscar. Isto communiquey ao Duque; e
assentamos que se fizesse assim.
E tambem o communiquei com Villa hermosa; porque nestas Cartas há muitas
contra eIle, que lhe não importará pouco. Emfim, Snõr, o negocio se
tracta com presteza; e depois de haver pescado, Levo muitos papeis de
importancia para este cazo; e particularmente hum, que basta a me fazer
El Rey mayor do que era o Duque de Bragança. Encaminhe nos Deos; que eu
fio delle que hey de ter muito felice Successo nesta minha rezoluçaõ.
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13 /
Levo particularíssimas noticias de tudo o que há; e em particular dos
que tem a opiniaõ de El Rey; que todos por sy, ou por terceiras pessoas,
se declaráraõ comigo; e muitos foram convertidos por mim. Eu deixo
dispostos as communicaçoens, e intelligendas; e isto com tal modo, que o
Duque está pasmado; e lhe parece, que naõ tem El Rey com que me pagar o
muito que
tenho feito; e tudo he dizerme, que me quizera em Lisboa, e ao lado do Conde Duque, e com sigo; E por remate me diz = Enfim,
Vuestra Señoria nó há dexado piessa por tocar = E he tanto assim, que
intentey matar ao Duque; e pûz em prática ganhar Saõ Giaõ. Isto digo
por mayor; que por menor naõ he possiuel.
Emfim, Sñor, remato este ponto com dizer a V.ª Ex.ª, que eu me tenho rezoluto a ser o
mayor homem da Monarquia; ou a meter me Frade da
Capucha; porque meyo naõ o há.»
(8)
Afinal não viu realizados os seus planos. O esforço e
patriotismo dos heróis do 1.º de Dezembro de 1640 tinham dado nova alma
e novo destino a Portugal.
Mas das comunicações e inteligências que D. Pedro Mascarenhas disse ter
organizado habilmente em Portugal e que fizeram pasmar o duque de Medina
Sidónia, resultaram apenas vítimas. Logo no mesmo ano de 1641 foram
executados como conspiradores o marquês de Vila Real, D. Luís de Noronha
e Meneses e seu filho D. Miguel, duque de Caminha; o conde de Armamar, e
outros.
Para terminarmos as breves considerações e referências que fizemos ao
testamento de Diogo Soares, diremos que os ossos deste não chegaram a
ser trasladados de Madrid para o convento de Serém.
A seguir veremos o teor deste testamento, segundo a pública-forma de
1756 que nos foi cedida por um descendente do mencionado Manuel Alberto
da Rocha Tavares Pereira.
Aveiro, Março de 1952.
FRANCISCO FERREIRA NEVES |