DURANTE os 107 anos que
contou a diocese de Aveiro na sua primitiva fase de existência, até à
sua extinção, ocorrida em 30 de Setembro de 1881, foi ela governada por
sábios e santos Bispos, e por Vigários Gerais
ilustrados que, provisória e criteriosamente, iam aplicando
no governo da sua diocese o regime duma legislação, que por eles era
recolhida de várias dioceses estranhas.
Nunca aos seus três Bispos foi possível celebrar quaisquer
sínodos,
sendo, como eles reconheciam, premente a necessidade de codificar nessas
assembleias as leis que regessem com mais coesão e uniformidade a
actuação legislativa, ou preceptiva da diocese.
Dada a criação da nova Igreja, jamais
os seus Prelados deixaram de conjecturar e acarinhar a melhor oportunidade e a melhor
maneira de reunir aquela assembleia sinodal, com o objectivo de dar à
diocese Constituições próprias.
Dos documentos episcopais,
claramente transparece esse seu desiderato que não chegou a ter
efectivação. Em matéria
de importância tão transcendente, cumpria não obrar de
ânimo leve, ou com ignorância dos caminhos a trilhar.
Desta disposição, pode dar testemunho a primeira Pastoral que o circunspecto D. Manuel Pacheco de Resende
dirigiu aos seus súbditos em 15 de Maio de 1816.
A estabilidade duma legislação própria e actualizada na diocese
justificava a acuidade prelatícia, no desejo manifesto de uma preparação
cuidadosa para essas reuniões presididas
pelo Bispo, e nas quais se havia de dar corpo e forma às leis ali debatidas, harmonizando-as com as necessidades e utilidade
do clero e dos fiéis.
Por estas, ou por outras
razões certamente ponderosas,
que desconhecemos, ou que de algum modo ficaram documentadas em actos de natureza pastoral, manifestavam os
/ 24 / preclaros Bispos que ainda não tinha chegado a hora oportuna dos sínodos,
nem das Constituições do Bispado de
Aveiro.
Os Bispos, «soliciti servare unitatem Spiritus in vinculo pacis» (Eféseos, IV, 3), tinham em mente elaborar urna obra que se
adaptasse às necessidades dos seus súbditos: − «non quae sua sunt,
singuli considerantes, sed ea quae aliorum». (Filipenses, II, 4). Nesta intenção inicial, enquanto
se estacionava, houve que recorrer-se a outras dioceses, sobretudo às
de origem − Coimbra e Porto.
As dioceses de Braga, Viseu, Portalegre, não ficaram
alheias ao regime legislativo que os Prelados aveirenses perfilharam, adoptando-o na sua Igreja.
Como já tivemos ocasião de dizer (Arquivo, voI. XIV,
pág. 236) logo de entrada na diocese, o primeiro Bispo,
D. António Freire Gameiro de Sousa, adoptou as Constituições de Coimbra que foram, como se verá, readoptadas pelos
:seus dois venerandos sucessores.
No tempo do segundo Bispo, vieram a ser novamente trave mestra
desse
regime provisório, as Constituições de
Coimbra, da autoria do grande Bispo Conde, D. Miguel da
Anunciação, e bem assim as do Bispado do Porto. À volta delas
gravitavam as Pastorais, Circulares, Editais, etc. . . . das das
referidas dioceses.
Bem cedo, logo no princípio do seu pontificado, D. António José Cordeiro, no seu zelo de Prelado operoso, que foi,
veio a ter conhecimento de que muitos clérigos e fiéis eram descuidosos, aliás desleixados, no cumprimento da legislação do seu Antecessor. Sabe que eles pretendem cohonestar as suas
transgressões, culpas e esquecimentos, reais ou imaginados, com a sombra
de uma lei que não passava de uma opinião controversa de certos teólogos, que sustentavam que,
dada a morte de um Prelado, automaticamente cessava toda a legislação
por ele decretada.
No intuito de debelar o mal, o Bispo acode e denuncia serenamente a
indisciplina, determinando em Pastoral de 8 de
Maio de 1802 que sejam readoptadas as Contribuições do Bispado de Coimbra, as Pastorais, Ordens Circulares, etc... do mesmo
Bispado, as quais já haviam sido aprovadas pelo seu Antecessor. Não lhe
foi possível promulgar Constituições próprias.
Nesta mesma Pastoral que vimos comentando, é também suavizada a
legislação diocesana sobre certas excomunhões,
quando se declara que as de Latae Sententiae passem a ser Ferendae
Sententiae, com excepção da dos casos reservados
pela Pastoral do Bispo Conde, D. Miguel da Anunciação,
datada de 3 de Janeiro de 1763, e da dos casos reservados à Sé
Apostólica, que continuariam a ser Latae Sententiae,
/
25 / como se diz na Pastoral que passamos a transcrever do
«Livro das Pastorais» da diocese de Aveiro.
D. Antonio Joze Cordeiro, por Mercê de Deos e da Santa Sé Apostolica, Bispo de Aveiro, do Conselho de Sua Alteza Real o Principe
Regente, Nosso Senhor, etc...
Aos Reverendos Parochos, clero e povo da nossa Diocese, saude,
paz em o Senhor.
Fazemos saber q alguns dos Nossos Diocesanos se tem servido da
opinião
daquelles Autores q seguem cessar da Obrigação dos Estatutos ou
Pastorais do Prelado, pela sua morte, para livremente porem em total
esquecimento as justas e saudaveis detriminaçoins q o N. Ex.mo
Antecessor
havia feito para promover a obseruancia dos Preceitos de Deos e da
Igreja e o comprimento e satisfaçoins das Obrigaçoins ou dos Eclesiasticos ou de todos os fieis emcombidos a nosso Cuidado Pastoral,
espondo-se ao ividente perigo de serem culpaveis transgressores das leis e detriminaçoens do
mesmo Ex.mo Prelado, por não ter fundamento solido a sobredita opinião. E
querendo Nos remover todo e qualquer pretesto com q possão
desculpar-se da
falta de observancia dellas.
Havemos por bem mandar q todas as Pastorais e Ordens sirculares que o
Nosso Ex.mo Antesessor fez promulgar, ou em seu nome, ou do seu P.e Dr. Provizor, bem como as Constituiçoins do Bispado de Coimbra e Pastoraes
do Ex.mo Sr. D. Miguel d' Anunciação, Bispo Conde, da maneira q pello mesmo N. Ex.mo Antessessor forão adoptadas e mandadas observar,
se observem e cumpra exactamente, com declaração, porem, q as
Excomunhoins Latae Sententiae impostas nas Pastoraes e Ordens Circulares
do
nosso Ex.mo Antesseçor, ou nas do sobredito Ex.mo Bispo Conde, q elle
adoptou, ficarão sendo Ferendae Sententiae, à exceção da Excomunhão
imposta aos conffessores q absolverem de nove Casos reservados pela
Pastoral do sob dito Ex.mo Bispo Conde, de 3 de janeiro de 1763, ou dos
Casos reservados á Sé Apostolica sem terem para isso previlegio, cuja Excomunhão ficará sendo, como era,
Latae Sententiae e reservada a Nós
ou nossos Sucessores, e contra os transgressores dellas Nós procederemos
com as mais penas que nos parecerem justas...
(O resto do documento encontra-se
já destruído).
P.e JOAQUIM VIEIRA RESENDE |