IGNORAM,
por certo, muitas pessoas que o nome da cidade de Aveiro figura em
algumas peças de GIL ViCENTE.
Pois figura, e não é descabido que, a propósito da
visita que o «Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra»(1) no
dia 8 de Dezembro corrente fez a Aveiro,
em cujo Teatro apresentou, em notável serão de Arte, a
famosa trilogia das «Barcas» do iniciador da nossa literatura
dramática, − registemos no Arquivo os lugares em que o
genial poeta se referiu à capital do nosso Distrito. Fê-lo,
sem dúvida, principalmente por necessidade de rima; mas o caso não deixa
de traduzir também certa simpatia pela terra. Vejamos:
No Auto da Festa, um tal
Janafonso (João Afonso)
afirma que S. João nasceu aqui:
E S. Vicente verdadeiro
Em Almeirim nasceu também,
S. Fernando em Santarém,
e S. João em Aveiro.
Isto sei eu muito bem!
A Farsa dos Almocreves alude a uma padeira aveirense:
Pero Vaz − Mando-vos eu suspirar
pola padeira de Aveiro,
que haveis de chegar à venda
e então ali desalbardar
e albardar o vendeiro.
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[VoI. XlII -
N.º 52 - 1947]
Na tragicomédia da Nau de Amores há um frade, doido, que a certa altura
se exprime assim:
Eu sou o frade de Aveiro
que casou cá no Cartaxo
com a filha do moleiro.
Finalmente, uma Velha, personagem da
tragicomédia do Triunfo do Inverno,
manifesta do seguinte modo um dos
seus desejos:
Eu desejo ser casada
com um mancebo solteiro,
filho do priol (prior) de Aveiro,
e eu sua namorada,
e o moço sapateiro.
Das povoações do nosso distrito, apenas a Mealhada mereceu a GIL VICENTE
as honras de citação, graças aos seus bons vinhos... Encontra-se a
palavra numa fala de Zebron, um dos diabos da tragicomédia da Exortação
da Guerra,
quando, ironicamente, se dirige ao Clérigo dessa peça:
É cura do Lumiar,
sochantre da Mealhada,
arcipreste de canada...
Bebe sem desfolegar
A maior parte das povoações a que se faz referência nas obras do Poeta
são do Sul: Lisboa e cercanias, Ribatejo e Alentejo, principalmente.
Pertencentes à parte norte do país, além de Aveiro,
encontram-se: Monção, Braga, Bragança, Porto (Puerto), Coimbra,
Penacova, Buarcos, Pombal, Lousã, Leiria, Covilhã, Manteigas, Fundão, Seia e Viseu. O nome de Aveiro
é mais citado do que a maior parte das povoações da toponímia vicentina.
Quem quiser estudar este assunto leia a IV das
Notas
Vicentinas de D. CAROLINA MICHAELIS DE VASCONCELOS, que são fonte de
informação, seguríssima, a respeito do famoso comediógrafo português do
século XVI.
Dezembro de 1947.
JOSÉ PEREIRA TAVARES |