PROMETI ao meu amigo Dr.
Ferreira Neves mandar-lhe para o «Arquivo do Distrito de Aveiro»
notícias de interesse geral, extraídas de documentos da minha família
«Couceiro da Costa», os quais conservo em
meu poder. Desta família sou eu o representante varão da descendência do
segundo casamento de meu Avô, o Sr. Francisco Manuel Couceiro da Costa,
com sua prima, minha Avó, a Sr.ª D. Constança Ludovina de Albuquerque
Couceiro da Costa. Aqui vai alguma coisa.
Meu Avô, Sr. Francisco Manuel Couceiro da Costa, último morgado dos
vínculos instituídos, um pelo P.e Fernando Afonso, outro por António
Lançarote e sua mulher
D. Filipa Antónia, vínculo de Santa Cruz, e outro por
D. Leonor da Costa, o de Vilarinho, designação esta pela qual era
geralmente conhecido o Morgado, foi pessoa de grande inteireza de
carácter particular e político, das de quebrar mas não torcer. Gozou de
grande e especialíssima
consideração. E como faleceu em 1912, na avançada idade de 93 anos,
ainda deve ser recordado por muitas pessoas de Aveiro.
Em política foi intransigente «miguelista». Muito novo, acompanhou seu
pai, o Sr. Luís Estêvão Couceiro da Costa, tenente-coronel de
Voluntários Realistas de Aveiro, nas lutas pela Liberdade, tomando parte
em algumas acções feridas entre absolutistas e constitucionais, às
ordens do marechal de campo José Cardoso de Carvalho, barão do Pico do
Celeiro.
Viveu a sua longa vida atravessando os três regimes
políticos que têm governado o nosso país. Nasceu durante o absolutismo;
atravessou todo o constitucionalismo e viveu dois anos em regime
republicano. Não perdia oportunidade de verberar indignadamente
constitucionalistas e republicanos.
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Quando o rei D. Manuel II visitou Aveiro, em 1909, o
cortejo passou-lhe à porta, na rua do Gravito. Naturalmente,
a família e ele, das janelas, assistiram à passagem real. O seu
amigo pessoal, D. Fernando de Serpa, que ia na carruagem do rei, chamou
a atenção deste para o Morgado, dizendo: «Ali tem Vossa Majestade um
inimigo: é um miguelista.» O rei olhou-o demoradamente.
À noite, D. Fernando de Serpa pediu licença ao rei para ir visitar o seu
amigo miguelista. «Pois vai, e leva-lhe este charuto como lembrança
minha.» D. Fernando assim fez,
e entregou-lhe o charuto, lembrança de Sua Majestade.
O Sr. Francisco Manuel recebeu-o, e pediu que em seu nome
agradecesse ao rei. Mais tarde, após o falecimento daquele,
apareceu numa gaveta o charuto real com uma etiqueta que
dizia:
Charuto que me mandou o Sr. D. Manuel pelo meu
amigo D. Fernando de Serpa. «Timere oferendas inimicas».
Faço estas referências para frisar bem a inteireza do seu
carácter político, e assim o valor das apreciações que ele fez
de José Estêvão Coelho de Magalhães a propósito de uma
carta que este lhe escreveu por ocasião de eleições. Não é
de mais esclarecer que, perdida a esperança numa restauração absolutista, dispôs por vezes da grande votação eleitoral que
possuía em favor deste ou daquele partido conforme
apreciava as circunstâncias.
Um dia, José Estêvão escreveu-lhe a seguinte carta, cujo original
possuo:
Amigo
− 10 de Novembro
−
Costa do Prado.
Poucas palavras mas leaes, honradas e decesivas.
Se me der votos, obsequeia-me e não faz mal ao partido,
mas não quero que me dê mais do que os que der ao
Mendes Leite, e tomo como especialíssimo obséquio os
que me der a elle a maior. Ele é o governador, e portanto é quem deve ser respeitado.
Espero da sua amizade que fará o que puder sem compromisso da sua
lealdade política e disciplina partidária.
Amigo
José Estevam
Nas costas da mesma carta fez o Sr. Francisco Manuel
as seguintes apreciações:
«Apreciavel carta de José Estevam, que me dirigiu para
Vilarinho em ocasião d'elleições. Sinto não ter escripto a
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data do anno em que estas tiveram logar; mas dei-lhe com
effeito o meu voto e todos os que pude conseguir-lhe na
freguezia de Cacia, Esgueira e alguns em Aveiro. Foi agradecer-me a
Vilarinho com Mendes Leite. Por signal que
indo a cavallo, e retirando já noite, se perderam no caminho
e foram dar consigo em Eixo.
Depois d'isto houve, tambem não me lembro do anno,
umas elleições em que o guerreei por disciplina partidária,
sabe Deus com que repugnancia pessoal, sem interrupção,
porém, das nossas relações d'amizade. Acabava de dar-se
nas Camaras, e em Lisboa, o primeiro golpe nas instituições
religiosas das irmãs de caridade, e no qual José Estevam
havia tomado a grande parte que lhe provinha da sua poderosa opinião e genial palavra. Repito. As nossas relações
nunca se alteraram por este facto. Uma das grandes virtudes
de José Estevam era não ver inimigos pessoaes, onde encontrava adversarios politicos.
Não se offenda ninguem. Em Aveiro ha gente da politica liberal de muito valôr. Mas as lacunas, que aqui deixaram Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, José Estevam e
Mendes Leite, vultos tradicionaes e verdadeiros das nossas
luctas politicas de 1828 a 1834, estam ainda irreparaveis e
dificilmente serão esquecidos, ainda mesmo pela geração,
que apenas desabrocha à nossa vista.
Procurando alguns papeis, que tenho archivados, faço a
presente nota a esta carta, que entre elles encontrei em Novembro de
1898.
− Francisco Manuel.»
Casa Grande
− Presiguêda, 26-2-946.
JORGE MANUEL COUCEIRO DA
COSTA |