Alberto Souto, Geologia do Dist. de Aveiro. Orla sedimentar meso-cenozóica, Vol. XII, pp. 3-20

GEOLOGIA DO DISTRITO

DE AVEIRO

ORLA SEDIMENTAR MESO-CENOZOICA

II

JURÁSSICO

RETOMANDO o propósito de resumir nesta valiosa publicação o conhecimento geológico do distrito de Aveiro, desejo dar no presente artigo uma ideia da distribuição e das características que nele têm as formações jurássicas.

É mais uma página de elementos da nossa geografia geológica em que me proponho responder, para o círculo de leitores do Arquivo, à bem natural curiosidade de se conhecerem os documentos ou materiais petrográficos e paleontológicos que nos ficaram da Era Secundária ou Mesozoica e se encontram ainda no espaço do território regional e de se saber onde se localizam hoje os depósitos conhecidos dos vários andares do sistema jurássico que é o segundo daquela Era. Daí podem inferir-se e compreender-se facilmente as influências que na fisionomia, nas aptidões e na economia da região têm presentemente ou podem vir a ter esses mesmos depósitos.

Óptimo seria que ao coligir e simplificar os trabalhos dos mestres e especialistas desta ciência sobre tais assuntos e locais eu pudesse construir sínteses verdadeiras; mas, como é óbvio, não me é possível ir além do que eu mesmo considero um simples memorial.

Continuemos, pois, nesta ordem de ideias, cumprindo o programa há anos aqui estabelecido. / 4 /

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O último artigo geológico por mim publicado dentro da série anunciada, no Arquivo do Distrito de Aveiro, saiu em Setembro de 1939.

É forçoso recordar, pois, o que nesse artigo se disse sobre o Triássico (n.º 19 do Arquivo), não só porque eu prometi continuar no assunto, explicando as razões pelas quais os autores da Carta Geológica de 1899 reuniram no Triássico de notação T o lnfraliássico de Avicula Contorta, mas ainda porque estudos posteriores dos Srs. Drs. CARRINGTON DA COSTA e CARLOS TEIXEIRA, da Universidade do Porto, e Dr. RAUL DE MIRANDA, de Coimbra, obrigam a rever as ideias anteriores e a modificar a classificação adoptada e exposta em 1939.

Como disse no mencionado artigo sobre o Triássico, as formações geológicas da Era Secundária, isto é, do Mesozoico, iniciam-se entre nós, e em todo o Portugal, por um possante maciço de grés que assenta, em discordância sobre o rebordo do Paleozoico, entendendo-se por Paleozoico, como adverti no artigo sobre o Ante-Câmbrico, não apenas as formações averiguadamente paleozoicas, que são relativamente diminutas na região, reduzindo-se a um pouco de Silúrico e de AntracoIítico, mas todo o soclo ante-câmbrico que perdurou na Era Primária, soclo em cuja margem ocidental se depositaram sucessivamente os sedimentos meso-cenozoicos, quaternários e holocénicos.

A sedimentação secundária começou, possivelmente, na margem ocidental da chamada Meseta Ibérica, nos tempos triássicos, mas tardiamente em relação aos depósitos triássicos do resto da Europa. Enquanto que em alguns casos autenticamente triássicos a sedimentação se deve ter operado em pequenos mares fechados, de grande evaporação ou em lagos de pequena profundidade e de margens oscilantes e mal definidas, comparáveis aos «schots» africanos, os autores nacionais acima mencionados, e ainda o Sr. Dr. ORLANDO RIBEIRO, da Universidade de Lisboa, inclinam-se hoje, no caso dos depósitos pseudo-triássicos portugueses, para uma explicação por fenómenos próprios de mera continentalidade, que, aliás, não exclui a intervenção acidental e episódica das águas locais.

O Sr. Dr. CARRINGTON DA COSTA em estudo inserto no Fasc. I e II do VoI. IV do Boletim da Sociedade Geológica de Portugal (1943) conclui mesmo que o Triássico, propriamente dito, não existe em Portugal, sendo o Retiano a base / 5 / do Jurássico. Só por comodidade e referência histórica falaremos, pois, de Triássico que, segundo esse critério, passa a ser Retiano.

O ilustre catedrático portuense entende, porém, que a designação de grés de Silves, usada pelos nossos geólogos depois de CHOFFAT que a criou, e posteriormente caída em desuso, deve ser renovada e empregada porque é útil no momento presente dos conhecimentos sobre os alvores do Mesozoico do nosso pais. É, pois, de adoptar novamente, porque corresponde a um complexo cujas idades são difíceis de destrinçar e que podem abranger, como CHOFFAT expôs, Triássico (ou pseudo-Triássico), Infralias e Sinemuriano e, em alguns casos, Retiano e Hetangiano.

Efectivamente é bem de crer que o maciço gresoso vermelho que descrevi no citado artigo de 1939 como pertencendo ao Triássico, embora com as devidas reservas e que na região vouguense denominei de grés de Eirol e Águeda pedra vermelha» na designação regional), não pertença apenas ao Retiano, mas, como opina o Sr. Dr. CARRINGTON DA COSTA, pertença, também, em parte apreciável, ao Hetangiano. O suposto aglomerado de base não existe como tal, pois, BOURCART, que o ilustre professor cita, explicou análogas aparências detríticas pelos períodos de regressão devidos à orogénese. Teríamos, assim, para o norte de Sangalhos, no domínio dos grés de Eirol e Águeda, depósitos de fácies arenácea e siliciosa, seca, com alguns intervalos argilosos, puramente continental, e para o sul efeitos já liássicos de um regime lagunar que vai cedendo perante a invasão marinha e se vai carregando em calcário.

Às cores vivas indicam, em geral, formações sub-aéreas de fácies continental, mas certos elementos minerais, como o ferro, têm influência na coloração.

Adoptado o novo critério e sendo certo que na flórula da Vacariça os Srs. Drs. CARLOS TEIXEIRA e RAUL DE MIRANDA encontraram provas retianas da formação respectiva, desvanecendo dúvidas anteriores, temos de interpretar os factos por modo diverso das exposições anteriores de CHOFFAT, do Sr. ERNESTO FLEURY e de outros ilustres geólogos.

Assim, não podemos já considerar qualquer transgressão marinha triássica no nosso território. Em vez de «abatimento marginal» ante-triássico ou mesmo triássico, devem ter-se operado levantamentos, embora para o interior, sendo lógico admitir, com o Sr. Dr. CARRINGTON, pela idade retiana da flórula encontrada, que o levantamento fosse devido à actividade da primeira fase paleokimérica dos movimentos paleoalpídicos. / 6 /

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Desejando ocupar-me hoje, porém, do Jurássico propriamente dito, começarei pelo resumo histórico da sua classificação.

Donde provém este nome jurássico?

Será natural a pergunta por parte de alguns leitores justificadamente menos preparados para o bom entendimento de um descritivo desta ordem onde a terminologia especial não pode ser a cada passo explicada, aliás.

O termo Jurássico, em Geologia, provém do grande desenvolvimento que as camadas do sistema apresentam nas montanhas do Jura, como o termo Liássico se foi buscar à designação que os cabouqueiros e alveneis ingleses dão ao material das camadas características da série eojurássica em Inglaterra, camadas essas constituídas regularmente por bancadas de calcário separadas por leitos de argila.

Na Carta Geológica de CHOFFAT e NERY DELGADO, de 1899, o Jurássico português vem assim dividido, classificado e rubricado:

As cores convencionais empregadas são quatro: azul-carregado para o Lias J1; cinzento para o Dogger J2; azul-aguado para o Lusitaniano J3; o cinzento-claro finamente tracejado para o Neojurássico J4.

Com relação à classificação e nomenclatura geralmente adoptadas na Geologia da Europa, podemos organizar o seguinte esquema:

/ 7 / No quadro europeu as formações triássicas constituem a base destes depósitos e formam o primeiro termo sedimentar de todo o Mesozoico, constituindo um sistema cuja representação em Portugal, salvo descobertas em contrário, se tem de eliminar.

Da base para o cimo do Lias os materiais, entre nós, passam do detrítico, arenáceo, silicioso e argiloso para o sílico-argiloso, sílico-calcário, argilo-calcário e calcário.

O nosso Liássico representa, pois, a transição dos depósitos siliciosos para as margas e destas para os calcários, denotando a passagem do regímen continental e lagunar para um período de invasão ou predomínio das águas marítimas com ampla comunicação com os oceanos. Gradualmente, e em direcção ao sul e poente, vão-nos desaparecendo as rochas siliciosas e arenáceas. Às colorações rubras, sucedem-se as cores claras, acinzentadas, azuis, brancas.

Na flora do sistema nota-se, em geral, o desaparecimento de certas formas de reminiscência paleozoica que resistiram nos tempos triássicos, e o aparecimento de géneros cada vez mais próximos da flora actual. Os fetos persistem, mas diferindo dos da Era Paleozoica.

As cicádeas atingem o seu apogeu e as coníferas multiplicam-se em numerosos géneros dos quais ainda hoje existem alguns, como os pinheiros e as araucárias.

A fauna oferece o espectáculo monstruoso dos grandes sáurios de que, entre nós, apenas no Cabo Mondego se colheram vestígios, e dos répteis alados e pisciformes, a par do desenvolvimento e multiplicação das gripheas, das amonites e das belemnites, estas documentadas quase só pelos seus rostros, e de outros cefalópodos.

Surgem neste período os mamíferos, representados timidamente por pequenos marsupiais. O resto dos caracteres gerais faunísticos e florísticos é conhecido dos tratados e dos compêndios, e a sua referência aqui seria deslocada. / 8 /

Para o caso restrito da geologia distrital só nos interessam propriamente as divisões inferiores do sistema, pois os depósitos conhecidos do Jurássico na área do distrito de Aveiro não excedem os tempos liássicos.

No planalto de Cantanhede, porém, e mais para as bandas da margem norte do Mondego, em continuação das formações que afloram na Bairrada, depara-se-nos o Jurássico médio Dogger J2 da Carta Geológica, em que é necessário reparar, pois ele documenta os fenómenos e aspectos da região litoral de entre Vouga e Mondego durante a retirada para o sul dos agentes sedimentadores que actuaram na Bairrada no decurso do Lias.

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Como adverti no artigo de 1939, a Carta Geológica em uso e sobre a qual têm de trabalhar todos os que se preocupam com estes assuntos, incluiu na cor roxa e, rubrica T não só o que então se considerava Triássico propriamente dito, mas também o Infraliássico que, segundo CHOFFAT, corresponderia em Portugal ao Retiano europeu.

O Retiano abrange, efectivamente, uma parte do Infra-Lias dos antigos autores. A outra parte do Infra-Lias forma o andar Hetangiano cujo tipo foi escolhido no grés de Hettange perto do Luxemburgo.

Como elemento de transição o Retiano é, por vezes, difícil de distinguir do Triássico superior e do Hetangiano inferior. Caracteriza-o o fóssil Avicola contorta. LAPPARENT considera-o como o andar mais inferior do Jurássico, mas as opiniões dos geólogos a este respeito não são concordes.

O Lias J1 da nossa carta exclui o Retiano, ou melhor dizendo, exclui as formações de transição que deveriam, em Portugal, colocar-se entre as do Keuper (Triássico) e as do Liássico incontroverso ou sejam as do Hetangiano e do Sinemuriano, o que foi em Portugal tão difícil de definir e limitar que os autores da carta de 1899 decidiram incluir essas formações na mesma cor e notação do Triássico.

O assunto, que interessa deveras à geologia da nossa região, merecia ser aqui versado não só por necessidade de boa compreensão da Carta Geológica, mas para classificação dos afloramentos no próprio terreno e ainda para se proceder à devida correcção em face das novas ideias expostas.

Mas devemos reconhecer que não foi um erro de CHOFFAT e DELGADO em 1899 a inclusão do Retiano no Triássico, mas sim a adopção de um critério de escrúpulo científico e perfeitamente aceitável no estado dos conhecimentos de então. / 9 /

Efectivamente, se o maciço de grés mesozoico que se encontra a partir de Angeja para o sul pelas margens do Vouga, Águeda e Cértima e daqui até Tomar, pertencesse ao Triássico, como se supunha, ele não correspondia às divisões estratigráficas do mesmo sistema no resto da Europa e a sua divisão e classificação era dificultada, ainda, pela falta de fósseis.

CHOFFAT, no Aperçu de La Géologie du Portugal, do grosso volume Le Portugal au Point de Vue Agricole para a exposição de 1900, escreveu, justificando:

«O primeiro termo do Mesozoico é constituído por um maciço de grés repousando em discordância sobre o Paleozoico e pertencendo em parte ao Triássico, mas compreendendo também o Infralias e mesmo parte do Lias inferior.

Como ele não corresponde exactamente às divisões estratigráficas do resto da Europa, tive de lhe escolher uma designação local e apliquei-lhe a de Grés de Silves, mas para maior simplificação continuarei a usar o termo Triássico, fazendo todas as minhas reservas quanto ao paralelismo com o estrangeiro.

Estes grés, continua CHOFFAT, tem na região de Coimbra uma possança de 400 a 500 metros e apresentam três divisões fáceis de reconhecer e que se podem denominar pelos seus caracteres predominantes: 1.º grés vermelho-tijolo; 2.º grés de cores claras; 3.º alternância de grés esbranquiçados e leitos argilosos e calcários (Camadas de Pereiros)

CHOFFAT descreve a seguir as Camadas de Pereiros e explica:

«Os calcários são geralmente argilosos e dolomíticos; a princípio em leitos muito delgados, aumentam de espessura e de frequência para o alto, de tal forma que não há limites definidos entre o maciço gresoso e o maciço dos calcários dolomíticos que formam a base do Lias.

Contêm pequenos fósseis especiais do país, fósseis que, por consequência, não permitem reconhecer exactamente a idade das camadas que os encerram. Parece, no entanto, fora de dúvida que os calcários não são mais antigos que o Infralias. A possança é de 100 a 125 metros.

Estas três divisões mais ou menos modificadas formam toda a orla triássica repousando sobre o Paleozoico entre Tomar e Aveiro.

A sua largura média é de 3 a 4 quilómetros até à altura de Anadia em que experimenta uma interrupção por efeito do recobrimento pelas areias pliocenas. Reaparece em Oliveira do Bairro e tem grande extensão nas cercanias de Águeda, região de planaltos, cuja superfície / 10 / é recoberta de Plioceno, enquanto que as encostas são triássicas.»

Porém no Tomo V das Comunicações dos Serviços Geológicos, referente a 1903-1904, JOHANNES BOEHM publicou a Descrição da fauna das Camadas de Pereiros (Description de la Faune des Couches de Pereiros) trabalho que fez por incumbência e recomendação de Von AMMON a quem CHOFFAT havia recorrido para estudo de exemplares da respectiva fauna depois das explorações e estudos de 1880 a 1887.

BOEHM concluiu que as Camadas de Pereiras se desmembram em uma série inferior de estratos marnosos e arenosos (Camadas de Pereiros propriamente ditas) e em uma série superior formada por calcários dolomíticos que CHOFFAT se dispusera a considerar quer como parte superior das Camadas de Pereiros quer como base das Camadas de Coimbra.

Entre os fósseis mencionados na respectiva lista, BOEHM considerou importantes para a determinação da idade da série inferior os seguintes: Neridomus liasina DUNK. Promathildia Turritela DUNK. Ampullospira subangulata D'ORB. Harpax meridionalis J. BOEHM. Avicula Capellini J. BOEHM. Plicatula hettangiensis TERQ. Plicatula crucis DUMORT. Gervilleia Hagenowi DUNK. Gervilleia conimbrica CHOF. Isocyprina Germari DUNK. lsocyprina porrecta DUMORT.

Estas espécies, diz BOEHM, mostram-se na parte inferior do Lias α, que é o Hetangiano dos geólogos franceses, e confirmam a opinião de CHOFFAT sobre a idade destes depósitos.

Não representam o Retiano. Faltam, é certo, os fósseis característicos do Lias α: Schlotheimia angulata SCHLOT. e Psiloceras planorbis SOW., mas os gastrópodos e lamelibrânquios citados permitem até certo ponto reconhecer em Portugal as duas zonas.

Segundo o mesmo paleontologista a série inferior das Camadas de Pereiros compreende os depósitos de Monsarros perto de Anadia, Vacariça, Santa Cruz, Copeiro, Pereiros e Rio de Galinhas situados sobre a faixa que limita a Meseta e Soure que está fora dessa faixa.

Em Anadia as fáunulas permitem reconhecer o horizonte mais inferior do Lias.

Segundo sua opinião, o Lias α divide-se em Portugal em (sentido descendente):

3 Zona de Boehmia exilis J. BOEHM, que se revela em Almoroz.

2 Zona de Promathildia Turritela DUNK e Isocyprina Heeri CHOF. do AIgarve (Alportel e Silves) faixa oriental (Copeiro, Pereiros, Santa Cruz, Rio de Galinhas, Vacariça, Pedras Negras). / 11 /

1 Zona de Modiola Hoffmani NILSS.: Anadia, Rio de Galinhas.

No mesmo volume, CHOFFAT publicou o seu notável estudo critico e expositivo sobre O Infralias e o Sinemuriano de Portugal (L'Infralias et le Sinemurien du Portugal) que abre por uma introdução bibliográfica em que vale a pena reparar pois fornece preciosos elementos para a história da geologia de Portugal e particularmente para a compreensão da taxonomia do termo transgressivo do nosso Mesozoico que nos está ocupando.

Vemos por esse inventário analítico da literatura geológica sobre o Infralias e o Sinemuriano de Portugal, que em 1848 o ilustre SHARP classificou como jurássicos os calcários dolomíticos de Coimbra. Que em 1853 CARLOS RIBEIRO, o pai da geologia portuguesa, na Memória sobre Mina de Carvão de pedra do Cabo Mondego, publicou um corte do terreno jurássico em que distinguiu no liássico dois andares: um de base com os calcários de Rostellaria Costae e outro superior de calcários e marnas de Gryphaea incurva et obliquata, encontrando-se o primeiro em Anadia, Coimbra, Cabaços, etc. e o segundo em Anadia, Coimbra e Soure.

Que em 1876, CARLOS RIBEIRO e NERY DELGADO na Carta Geológica de Portugal, seguindo a teoria de VERNEUIL que admitia para o Triássico da Península os três membros geralmente aceites na Europa Central, cobertos por um quarto membro formado por um maciço de dolomia, reuniram ao Triássico o Infralias e os calcários de Coimbra da banda oriental.

Que CHOFFAT em 1880 em Le Lias et le Dogger au Nord du Tage separou do Triássico, sob o nome de Camadas de Pereiros, o Infralias da banda mesozoica que limita a Meseta, com excepção dos leitos de vegetais da Vacariça, ligando-o ao Hetangiano, e que o maciço dolomítico foi também separado do Trias sob o nome de Camadas de Coimbra e colocado no Sinemuriano com as camadas de Griphaea oblíqua.

Que em 1881, OSWALD HEER (Contributions à la flore fossile du Portugal) descreveu cinco espécies de vegetais provenientes de Vacariça e atribuídas à zona de Avicola contorta, do Retiano, portanto.

Que em 1887, CHOFFAT, no VoI. I das «Comunicações», publicando Recherches sur les terrains secondaires au Sud du Sado e descrevendo os afloramentos do Baixo-Algarve, noticiou ter encontrado a fauna das Camadas de Pereiros recoberta por marnas gipsíferas com o aspecto do Keuper, o que o levou a reunir o Triássico e o Infralias sob a denominação de Grés de Silves, mantendo a idade hetangiana da / 12 / fauna e admitindo que o Retiano e o Triássico não representados pelos grés que lhes ficam inferiores.

Que em 1894. SAPORTA e CHOFFAT, nas Nouvelles contributions à la flore fossile du Portugal, publicando cortes detalhados do complexo triássico-hetangiano, atribuíra as dolomias ao Sinemuriano inferior. Em sua opinião, a descoberta de novos depósitos de vegetais nas Camadas de Pereiros, mostra que os vegetais da Vacariça pertencem ao Infralias e não ao Retiano como durante muito tempo se supôs.

Da Carta Geológica de 1899 e do estudo de BOEHM, já se fez menção e escusado é repetir.

CHOFFAT diz-nos depois que a análise bibliográfica mostra que as Camadas de Pereiros, apesar da sua analogia com certas faunas triássicas, tinham sido atribuídas ao Hetangiano desde 1880 e que depois das vicissitudes do estudo dos respectivos fósseis entre os anos de 1887 e a publicação da notícia de BOEHM em 1903, resolveu, em face das conclusões deste paleontologista, examinar de novo todo o material acrescentado já, então, por novas colheitas. A revisão dos fósseis e do assunto e o novo material obtido, proporcionaram ensinamentos inesperados sobre o desmembramento das Camadas de Coimbra. Não mais se poderia falar do maciço misterioso, sem fósseis, atribuído outrora ao Triássico como VERNEUIL fizera em Espanha, mas de uma sucessão de extractos dolomíticos, com alguns níveis muito fossilíferos, cujos restos orgânicos não aparecem à superfície pela própria natureza friável da dolomia. O estudo de BOEHM demonstra definitivamente que a fauna de Pereiros pertence ao Hetangiano, apesar de no AIgarve ela aparecer recoberta por marnas gipsíferas que se torna natural classificarem-se de Triássico.

Nas suas recomendações finais para a Carta Geológica em grande escala, visto que a de 1899 é apenas de 1:500.000, o ilustre geólogo entendeu, já, que se deve separar o Hetangiano dos grés sem fósseis animais, o que é relativamente fácil, e que todas as ilhotas de grés de Silves devem ser indicadas como hetangianas, podendo-se indicar os seus cabeços dolomíticos como sinemurianos e que, contrariamente à divisão que tinha precedentemente adoptado, as camadas de Gryphaea obliqua deverão ser separadas do Lias fossilífero para serem reunidas no Sinemuriano dolomítico, pois que elas são parcialmente dolomíticas. Haverá assim acordo entre a cartografia e a paleontologia.

Como se verifica por esta resenha, a Carta Geológica de 1899 tem de ser seguida com reservas nas indicações que nos dá e na separação que faz entre Triássico e Liássico, porque o critério que presidiu aos seus trabalhos preparatórios foi modificado em 1903 e 1904, além de que a nova / 13 / escola geológica nacional lhe introduz, também, as já apontadas modificações.

No estudo das formações mesozoicas do distrito de Aveiro o caso tem grande projecção e importância.

É que ao sul de Aveiro e ao longo do vale do Cértima afloram os depósitos mais setentrionais do pseudo-Triássico e do Jurássico de Portugal e as chamadas Camadas de Pereiros e de Coimbra, tão notáveis na história dos estudos geológicos portugueses, como vimos, têm no distrito de Aveiro a sua correspondência estratigráfica e a sua representação litológica nos depósitos próximos da linha marginal do contacto com os afloramentos do maciço gresoso do vale do Cértima e suas dependências e da linha geral Vouga, Buçaco, Coimbra, Tomar.

À compreensão do Jurássico regional e dos afloramentos das zonas de contacto com o maciço de grés subjacente e lateral, era, como se vê, indispensável o conhecimento da história deste difícil problema da nossa classificação geológica.

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Sabemos já que os depósitos jurássicos portugueses se encontram exclusivamente nas orlas sedimentares do bloco paleozoico e ante-câmbrico do Maciço Hespérico, isto é, nas bandas ocidental e meridional ou algarvia.

Na orla ocidental começam ao sul de Aveiro, mostrando-se em ilhotas e filetos nas margens e proximidades do vale do Cértima.

O primeiro afloramento, o mais setentrional conhecido, fica na freguesia de Oiã, junto do lugar do Silveiro, sobre a ribeira Levira que corre de Oeste para Leste sob o caminho de ferro e a estrada nacional de Aveiro a Mogofores e que, flectindo depois para nordeste, se lança no Cértima muito perto da Pateira de Fermentelos.

É inútil procurar o Jurássico para o norte desta lagoa ou para nascente dos afloramentos pseudo-triássicos ou retianos que se colam ao algônquico de Angeja e Albergaria-a-Velha e ao Pérmico do Alfusqueiro e de Avelãs de Cima ao Buçaco.

Com os farrapos dos afloramentos de Oliveira do Bairro e as ilhotas e manchas de Anadia, Mealhada e Bairrada ocidental e Mondego, Cantanhede, Figueira, podemos reconstituir um golfo mesozoico aberto para o sul que teria existido na região e chegado até Oiã nos tempos liássicos reduzindo-se de norte para sul no Jurássico médio.

O retalho de Oliveira do Bairro é mais amplo que o do Silveiro e mostra-se pelo lado ocidental do antigo Triássico. / 14 /

O planalto é, como todos os planaltos da região do sul de Aveiro e da Gândara, arenáceo, de aspecto pliocénico. A areia carrega-se de amarelo. A argila dá lugar a exploração fabril importante.

Encontram-se outros pequenos afloramentos, umas vezes erodidos outras vezes mascarados pelas areias e depósitos superficiais em Sangalhos, Paraimo, Fogueira e Sá.

Trata-se de Eojurássico: Infraliássico, Hetangiano e Sinemuriano, Lias J1 da carta. Dividir o Sinemuriano ou separá-lo mesmo do Hetangiano, não é tarefa fácil, pois existe também grande confusão das camadas e sobretudo da fauna.

Depois de certa interrupção devida às erosões fluviais e pluviais do Quaternário e ao recobrimento arenáceo anterior, volta o Lias a aflorar em Mogofores e Ancas, seguindo pela Curia a Ois do Bairro, Tamengos, Ventosa do Bairro, Sepins, Casal Comba e Murtede. Esta é a maior mancha do distrito.

É um afloramento extenso, com perto de vinte quilómetros de comprido no sentido do meridiano, formando arribas voltadas ao vale do Cértima e continuando-se, no planalto, em ligação com o relevo do horst de Cantanhede.

O seu contorno é irregular e caprichosamente crenado na aparência, emitindo um prolongamento para ocidente na direcção de Bôlho e Vilarinho do Bairro. Este membro é continuado por pequenos afloramentos, mais ou menos lineares no sentido de Sudoeste e na direcção da Tocha, afloramentos que se ligam com o eixo do anticlinal Tocha-Mogofores.

Todos estes afloramentos se alinham na margem esquerda e ocidental do rio Cértima que tão importante papel desempenha na geografia regional.

Na margem direita e oriental do Cértima contam-se os afloramentos de Anadia e Aguim, os da Mealhada à Pampilhosa e os da banda oriental na base do Buçaco, de Vacariça a Monsarros. A nascente e sueste da Pampilhosa e para o sul desta localidade, estende-se uma comprida mancha que acompanha o Triássico até Coimbra por Botão, Souselas, Brasfemes e Eiras. É este afloramento o que, depois da interrupção do Mondego, reaparece a poente de Coimbra e que, alargando-se por alturas de Pereiros, vai por Penela e nascente de Condeixa, mais ou menos interrompida até Tomar, sempre paralela, de um modo geral, ao grande afloramento de sentido meridiano do maciço gresoso denominado de Triássico.

No distrito de Aveiro, como vimos, os afloramentos liássicos escalonam-se ao longo do Cértima e a um e outro lado do curioso riosinho cujo leito corre, em grande parte, sobre nateiros que apenas mascaram o fundo liássico do seu vale, como sucede entre Pampilhosa e Mealhada. Todos os / 15 / poços do vale do Cértima batem na rocha calcária que abunda em belemnites e outros fósseis típicos do Eojurássico.

A oeste-sudoeste da grande mancha da margem esquerda do Cértima e, evidentemente como seu prolongamento, encontra-se o planalto liássico de Cantanhede, cujo limite norte é a povoação da Pocariça e cuja linha de limite pelo lado do sul corre de nordeste para sudoeste até Outil.

Embora a cor não seja seguro indicativo estratigráfico, podemos notar que a coloração roxa, vinosa e vermelha que vinha desde o fim do Antracolítico e que no distrito de Aveiro nos surge no Pérmico do Alfusqueiro (Águeda) de Belazaima, de Avelãs de Cima ao Buçaco e do Buçaco, vai desaparecendo gradualmente, acentuando-se as cores claras dos materiais com a transgressão do Jurássico, apesar de haver argilas vermelhas no Hetangiano e na base do Sinemuriano médio.

Nos afloramentos mais exteriores em relação à Meseta, mais ocidentais, portanto, na nossa região, há marnas vermelhas e arenitos arroxeados, mas a coloração não deve iludir-nos sobre a sua idade. Essa coloração é naturalmente devida aos materiais do Pérmico, do pseudo-Triássico e do Infraliássico do lado do nascente e não serve de diferenciação estratigráfica.

As marnas, bem diversas dos grés, são, em geral, gipsíferas e pertencem ao Infraliássico. Por seu turno as dolomias são representativas do Sinemuriano que ocupa o terceiro andar na ordem geral do sistema liássico, como vimos. Muitos dos fósseis são de águas salobras, mas tanto o Sinemuriano como o Hetangiano que o precede, marcam um progresso da invasão marinha.

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Vimos que as Camadas de Pereiros e de Coimbra ficaram definitivamente ligadas ao Liássico inferior e que é por elas que na região e em Portugal se estabelece a transição do antigo Triássico superior das formações arenáceas e siliciosas para o Jurássico das margas e dos calcários.

As Camadas de Coimbra como o próprio CHOFFAT reconheceu, deixaram de ter autonomia estratigráfica e significado próprio para passarem a ser consideradas apenas como uma fácies, a fácies de Coimbra, em continuação superior das camadas de Pereiros.

O nosso Liássico afecta a fácies da Europa extra-alpina e acentua, com o progresso estratigráfico, a fácies marnosa e calcária. / 16 /

As camadas da zona da amonite Oxinoticeras oxinotus e as da amonite Arietites raricostatus (camadas da ostrácea Gryphaea obliqua) encontram-se na margem do antigo Triássico em Vacariça, Monsarros, Anadia e Oliveira do Bairro.

Apesar das cores rubras dos materiais gresosos e de contacto, os seus calcários são mais claros do que os de ocidente; têm pouca possança e encontram-se separados por leitos marno-calcários brancos que encerram numerosos fósseis dos géneros Pecten e Astarte com algumas grypheas de pequenas dimensões e pequenas Amonites mal conservadas no geral. Em Mogofores, CHOFFAT recolheu Amonites armatus-densinodus QUENSTERDT e Amonites laevigetus REYNES, com Pholadomyes, Pleuromyes, Plieatulas, Gryphaea obliqua, de grande e pequeno porte, Terebratula punctata, Zeilleria numismalis, Rhinchonela Thalia, Rhinchonela ranina; Rhinchonela tetraedra, Rhinchonela calcicosta, Rhinchonela furcilata, Spiriferina sp. (1 exemplar) e Balanocrimus Quiaiosensis.

Em Venda da Pedreira, perto de Mogofores e Anadia, os fósseis recolhidos foram os seguintes:

Ar. Nodotionius, Oxynoticeros oxinotus, Terebratula Radstockiensis.

Em venda do Pereiro encontrou-se um exemplar de Rostelaria Costae, parecendo existirem duas zonas diferentes em fraca espessura, o que se nota também no Paraimo, no vale perto de Sangalhos e da Fogueira, onde pequenas Amonites do grupo Vermiceras solarcoides Costae, se encontram com Terebratula Radstockiensis, o mesmo acontecendo a 800 metros a oeste da Vacariça.

Os depósitos de Vila Nova de Monsarros e da Vacariça pertencem à série inferior das Camadas de Pereiros. Em Anadia encontra-se o horizonte mais baixo do Lias, tendo aí aparecido Neridomus liasina DUNK, espécie que segundo BRANNS desce até ao Retiano.

A zona entre Monsarros, Anadia, Mealhada e Vacariça é, como toda a Gândara e Bairrada, coberta de areias chamadas pliocénicas, talvez do Vilafranquiano como opinou o Sr. Dr. CARRINGTON DA COSTA. São os restos de um monte arenáceo que cobriu toda a região e que enche as anfractuosidades e que foi posteriormente retalhado e arrastado pela circulação das águas quaternárias.

A região apresenta repetidas falhas e certo relevo. Alguns extractos de argila micácea, folheteada, intercalados na base do maciço de grés perto da Vacariça, forneceram fósseis vegetais que estudados por OSWALD HEER, e pelo MARQUÊS DE SAPORTA tornaram esta localidade, já célebre na História pelo mosteiro bubulense, clássica para a geologia / 17 / [Vol. XIl - N.º 45 - 1946] Portuguesa, no dizer de CHOFFAT.

Esses vegetais foram Equisetum pseudo-Hoerense, SAPORTA; Clathropteris SAPORTA; Baiera dilata, de HEER; Cheirolepsis Munsteri SCHENK; Palissya lusitanica, SAPORTA e Palissya Braunii ENDL. HEER atribuiu-os ao Retiano, mas SAPORTA depois de examinar o material fossilífero de Sangalhos, considerou-os da mesma idade e, portanto, mais modernos.

Na Vacariça aflora também o Sinemuriano médio. As suas dolomias estão ali em contacto com grés grosseiros que recobrem os fósseis vegetais, parecendo, pois, não se dar a alternância de grés, argilas e placas dolomíticas do Hetangiano dos arredores de Coimbra.

O calcário é uma dolomia amarelada curiosa pelas cavidades que contém, devidas à dissolução dos fósseis.

A abundância de Unicardium Costae e a presença de Nerinella, Lucina, Cardinia, Pecten e Ostrea demonstram estarmos em presença do Sinemuriano médio.

Em Monsarros, uns cinco quilómetros ao norte e sobre a estrada que vai da Anadia ao Luso, encontram-se xistos marno-arenáceos com numerosos moluscos. Nesta fáunula, CHOFFAT destacou, como formas principais, Promathildia turritella, Neridomus liássica, Isocyprina Germari, Modiola Hoffmannis e Plincatula Hetangiensis.

Em Carvalhais, perto de Anadia, grés com Equisetum pseudo-Hoereux, repousam sobre um leito de Isocyprina.

Próximo da Moita e entre Carvalhais e Anadia, devido a uma deslocação, afloram os calcários de Coimbra, não sendo visível a sucessão regular das camadas.

Sangalhos e Sá encontram-se no meio de um afloramento de camadas de Pereiros formadas por argilas e grés micáceos cercados e recobertos do conhecido material planáltico de aparência pliocénica.

Entre Sá e Avelãs de Caminho que fica no vale à beira do Cértima e na margem oriental deste, há fósseis vegetais e animais, sendo as espécies animais mais frequentes: Promathildia turritela, Isocyprina Germari, Plicatula Hetangiensis, Modiola Hofmanni, Avicula Capelinii.

Entre os vegetais encontraram-se Equisetum tenue SAPORTA; Equisetum striatulum SAP.; Gubbiera angustibula BRESL.; Otozamites terquemi SAP.?; Podozamites obtruncatus SAP.; Cheirolepsis Nunsteri, SCHENK; Palissya lusitanica SAP.; Pachyphylum Combanum SAP.; Pachyphylum liasinum SAP.; Palaeocyparis vetustior SAP.; Poacites cyperaceus SAP.; Poacites angustiformis SAP.; Kuciles fimbriatus SAP.

Foi este depósito que SAPORTA considerou contemporâneo do da Vacariça, provando as duas flórulas, segundo STAUB citado por CHOFFAT, que as camadas não são do / 18 / Keuper (Triássico) mas mais recentes, o que é comprovado também pela fauna.

No norte do Crasto de Anadia, de 94 metros de altitude e de uns 300 metros de largura, que seria um local excepcionalmente belo no distrito se não fosse o cemitério do seu alto, e cujo relevo se deve a um interessante anticlinal, dá-se o curioso fenómeno de, num espaço muito restrito como é o das dimensões da colina, se encontrarem aflorando no cimo e a oeste, do lado das caves dos espumantes, os grés infraliássicos e, pelo lado de leste, os calcários dolomíticos do Sinemuriano médio e os calcários do Sinemuriano superior. As duas bandas apresentam fácies e colorações diversas. De oeste, os materiais siliciosos, rubros, de aparência triássica; de leste e norte, os calcários claros do Sinemuriano, fortemente inclinados. O grés é duro e fendilhado. Entre a capela e as casas de noroeste, CHOFFAT encontrou moldes de Isocyprina Germari e de Avicula Capelinii. Os calcários são os mesmos que vemos sobre a estrada Porto-Lisboa ao sul da Malaposta e na Venda da Pedreira e, a oriente, nos afloramentos da Moita, deslocados e encostados às camadas gresosas do pseudo-Triássico. A linha de contacto entre as duas formações segue ao longo do vale da ribeira afluente do Cértima, na direcção de Monsarros, Vacariça, Buçaco.

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Passemos rapidamente a vista pela geologia utilitária. Para sul-sudoeste da linha divisória das manchas do Liássico J1 e do Dogger J2 do planalto de Cantanhede que vai da Cordinhã a Outil, o Liássico cede o seu lugar ao Dogger, do Jurássico médio. E a pátria da famosa pedra de Outil, de Portunhos, de Ançã, matéria prima das obras dos artistas do Renascimento em Coimbra e no seu aro.

Os altares e os túmulos da igreja de Cantanhede, o precioso retábulo da capelinha da Varziela, o Panteão dos Silvas em S. Marcos, o muito mais recente panteão da Vista Alegre, o panteão renascentista dos Lemos na Trofa de Águeda, e tantas outras obras dispersas pelo País, porventura menos belas ou menos afamadas que essas maravilhas da estatuária e da composição arquitectural saídas das mãos e da mentes desses mestres artistas de Coimbra, que seriam grandes em qualquer parte do mundo culto e em qualquer época da História, foram lavradas na branca e suave pedra da mancha Jurássica de Cantanhede.

E o Bajociano, que fornece a maior parte desses calcários, alvos e subcresosos com cefalópodos, que, na falta de mármores / 19 / límpidos e de translúcidos alabastros, tão utilizados são ainda hoje em meio Portugal em muitas obras utilitárias e ornamentais da construção civil e religiosa e nas capelas, estelas e moimentos fúnebres dos nossos cemitérios.

Contudo, a pedra de Andorinha, próxima da de Ançã, é mais resistente e menos friável do que a do Bajociano desta última povoação. Pertence já ao Batoniano e é de natureza oolítica.

No Cabo Mondego e na serra da Boa-Viagem, o Bajociano é formado por calcários marnosos de cor carregada que se utilizam nos fornos de cal hidráulica e de cal vulgar de construção, não só do promontório mas de Brenha e proximidades.

A Bairrada pouca utilidade tira das formações do Jurássico.

O calcário liássico da Bairrada, em geral, é insusceptível de ser lavrado e é impróprio mesmo para os trabalhos de cantaria ornamental ou geométrica.

A rocha é friável e margosa e, mesmo quando compacta e dura, a sua clivagem é conchoide, não se afeiçoando às exigências da esquadria, utilizando-se apenas como material de enchimento de caboucos, alicerces e paredes, em pedaços disformes e irregulares e raras vezes servindo para a brita das estradas, por muito molar. É utilizada nos fornos de cal de Pampilhosa, Anadia, Mogofores e Amoreira da Gândara, mas na Palhaça, Mamarrosa e Bustos, nos lugares da Caneira e dos Penedos, a pedra da cal, de superior qualidade, não pertence ao Jurássico, sendo extraída dos afloramentos locais do Turoniano.

Os calcários e as margas e argilas calcaríferas do Liássico da Bairrada são hostis à cultura e impõem, onde afloram, por vezes, insanos trabalhos de aproveitamento do solo. É discutível, mas parece bem provável que tenham sido estes barros do Liássico o elemento dominante da comunidade toponímica da região e de alguns dos seus povoados: Bairrada se chama a região e de Bairros se apelidam muitas das suas típicas localidades. Ora nós podemos constatar que Oliveira do Bairro é uma vila que fica sobranceira a um afloramento do Lias.

Ois do Bairro alcandora-se também numa formação liássica, o mesmo acontecendo com Vilarinho do Bairro, Ventosa do Bairro, Paredes do Bairro, S. Lourenço do Bairro.

A mancha liássica da Bairrada coincide com a zona mais valiosa dos conhecidos e famosos vinhos encorpados da região, mas, em verdade, não determina as suas características oenológicas.

Os grandes vinhos da Bairrada são produzidos nas arenatas do chamado Plioceno e nos nateiros do Quaternário e / 20 / não nos barros, margas ou calcários do Liássico estéril e revesso que lhes demora nas proximidades.

As dolomias dos afloramentos de leste do curso do Cértima e o tufo que ocorre em vários locais têm emprego em construção civil ligeira e em obras rústicas de ornamentação.

Em Oliveira do Bairro, na Anadia e Pampilhosa, grandes fábricas de cerâmica de construção utilizam a argila de depósitos laterais e relacionados com os afloramentos jurássicos.

Próximo do Paraimo explora-se o gesso.

As águas da Curia brotam em pleno afloramento do Liássico local.

ALBERTO SOUTO

 

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