PASSOU-NOS pela mão um
livro manuscrito, em cuja lombada se lê: FORAL DO CONCELHO DA VILLA DE
OLIVEIRA DE AZEMEIS.
Despertou-nos curiosidade, e
nele fomos encontrar, compiladas, todas as
doações e privilégios que tinha a casa dos Condes da Feira, donde foi
desmembrado este concelho de Oliveira de Azeméis, recebendo a sua sede a
categoria de vila em 5 de Janeiro de 1779. São desse livro as notícias
que se seguem.
Encadernado em carneira, com dois ferros, um deles partido, tem nas
duas faces uma cercadura dourada, cordão de pérolas ou pontos
entrelaçados em espiral com outro de pequenas flores ou folhas; no
centro, de ambos os lados, as armas nacionais − o escudo real sobre uma
esfera armilar encimada pela coroa, e tudo cercado com ramos de
carvalho. O emblema é desproporcionado, pois mede vinte e oito milímetros, quando o formato do livro é de 0,345 x 0,22.
Indica-se no livro que era destinado ao registo, por certidão, do foral
da vila da Feira, para regulamento do concelho de Oliveira de Azeméis. O
termo de abertura foi lavrado em 22 de Outubro de 1824 pelo corregedor
da comarca,
Francisco de Sales de Barbosa e Lemos.
A pág. 2 está um requerimento do juiz de fora do Geral, Sisas, Crime e
Órfãos, de Oliveira, ao corregedor, para que legalizasse o livro e
mandasse passar certidão do foral. Datada de 25 de Março de 1826, (foI.
3) está uma declaração do Procurador do Conselho, Apolinário José
Godinho, informando o Juiz de Fora de que não conseguiu ainda obter na
Feira a certidão pedida «por varias escuzas, e de Longas», mas que lhe
consta haver uma certidão em poder do escrivão do Tombo da vila
(Oliveira) pelo que pede que por essa mande passar a outra de que necessita. Segue-se a transcrição, de certidão passada por António
Vaz da Fonseca,
/
214 /
«Escrivão do Tombo em esta villa...» e logo a seguir o foral,
que tem 238 artigos, seguidos da pena, o que tudo ocupa o
livro até foI. 57. Este foral já foi publicado nesta revista
(Vol. V).
A fl. 57 v. está um requerimento do procurador do concelho, Manuel José Godinho, em 15 de Janeiro de 1827, ao
juiz de fora e do tombo; para se lhe passar certidão das doações feitas
pelos Reis à casa dos Condes da Feira (que ao
tempo era do Infantado) para se conhecerem os privilégios.
São essas doações que seguem, com alvarás e decretos, e que vão até
fl.
110 do livro, que daí em diante ficou em branco.
Encontra-se primeiro uma carta de confirmação de
D. Filipe III, dada em Lisboa em 15 de Junho de 1630,
a D. Joana Forjaz Pereira, filha única do Conde da Feira,
D. João Forjaz Pereira, e mulher do Conde D. Manuel Forjaz
Pereira Pimentel. Dessa carta constam as anteriores confirmações ou
doações, que são as seguintes:
de Filipe lI, à mesma D. Joana, dada em Lisboa
em 17 de Out.º de 1620;
de Filipe II ao pai daquela senhora, D. João Pereira,
dada em Lisboa, em 26 de Janeiro de 1605;
de Filipe I ao Conde D. João Pereira, em Lisboa,
16 de Fevereiro de 1596 (D. João teve um irmão,
D. Diogo Pereira, que faleceu sem filho varão);
de D. João III a D. Manuel Pereira, em Lisboa,
11 de Fevereiro de 1522, e de Évora em 10 de Maio
de 1535;
de D. Manuel I a D. Manuel Pereira, em 16 de Abril
de 1511, Lisboa, e do mesmo rei a D. Diogo Pereira, de
Montemor-o-Novo, 10 de Março de 1496;
de D. João II ao mesmo D. Diogo, Lisboa 7 de
Dezembro de 1486;
de D. Afonso V a Rui Pereira
e a Fernão Pereira, respectivamente de Santarém, 21 de Dezembro de 1467,
e Évora, 6 de Abril de 1453;
de D. João I a João Álvares Pereira (ou João
Álvares, filho de Álvaro Pereira que foi Marechal), do Porto,
19 de Agosto de 1386 (era de 1424);
Por esta carta, morrendo João
Álvares sem filhos ou
netos lídimos, passariam os bens a Beatriz Pereira, e falecendo esta sem filhos, a Leonor Pereira, ambas filhas de
Álvaro Pereira.
Na confirmação de D. Afonso
V referem-se os lugares:
«outorgamos lhas e confirmamos lhas por morte do
dito seu Padre todas as ditas terras e lugares & terras
/
215 / de Sancta Maria da Feira, com seus julgados e termos de Cabanões, do
Ovar, e da terra de Cambra com seus julgados e termos, e da terra de Refojos com seus julgados e termos assim e pela guiza
que as houve e possuhio
o Conde Dom João Affonço Tello que as teve d'EI rey Dom Fernando, que as
houve e possuhio Alvaro Pereira d'EI rey Dom João Meu Avô.»
Entre as citadas confirmações está o traslado da doação
de D. Fernando (mandado apresentar por D. João III)
doando o rei
«em sembra com a Rainha Dona Leonor Minha
mulher e com outorgamento da Infanta Dona Beatriz Minha filha.»
a D. João Afonso Telo, Conde de Barcelos, das terras de Santa Maria da
Feira, Cabanões, Ovar e Cambra, com seus julgados e termos, jurisdições
crime e cível, «salvo as Appellações e Correição maior». É de 27 de
Janeiro de 1383 (era 1421) «Dante em os Paços que foram de Rui Garcia do Cazal em rio
maior».
Os termos da primitiva doação foram restringidos pelas citadas cartas de
D. João III, ficando na de 1535 excluída a jurisdição na terra de Refojos, que pertencia já à jurisdição do Porto.
Em 1540, o Conde da Feira, com a Condessa sua mulher, D. Francisca Henriques, venderam a Manuel Cirne, feitor de El-rei em
Flandres, a mesma terra de Refojos, o que foi confirmado por carta de 2
de Janeiro desse ano.
No alvará da doação a D. João Forjaz
Pereira, por morte de seu irmão
D. Diogo, diz-se que ele, tendo já prestado serviços na Índia, vai
nesse ano para as Ilhas como «Cappitão Mor da Armada»; é datado de
Lisboa, 22 de Julho de 1595.
*
Segue-se no livro (fl. 73 v.) uma carta de Coutadas, de
D. Sebastião, a D. Diogo Forjaz Pereira. Nas terras do
Conde que tinham esse privilégio
«não podião em ellas pessoa alguma matar. Porcos montezes nem Viados
monteando nem balheteando nem com Armadilhas nem Lebres nem Coelhos...
nem pescarem...»
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216 /
o que já fora concedido ao pai do Conde, D. Manuel Pereira, e ao avô.
A multa para quem matasse porcos ou veados era de 500 reis de cadeia por
cabeça.
Quanto aos coelhos ficava coutado apenas
«uma Legoa na terra da dita Villa d'Ovar a saber da Agoa doce direito á
Levada nova, e do Outeiro da dita Levada ao Outeiro dos servos, e do
outeiro dos Servos direito ao Carregal, e dahi ao Longo da Praia do
Covello athe Thejoza que parte com as camboas de Mós.» Multa, a mesma.
Quanto a lebres − «outra Legoa na terra de Santa Maria a saber de
Albergaria a fonte da Fusca assim como parte com Nadais, e da outra
parte com Samfins, e Escapães nas quais confrontações ha meia Legoa, e a
outra meia Legoa da cruz de São João athe vizo maior, e dahi direito ao
Carvalho de Espargo que parte com Nossa Senhora de Campos, e dahi a São
Domingos de Passo da Feira». A mesma multa.
Para pesca couta-Ihe
«um pedaço da Ribeira do Caima que é em terra de Cambra desde a Ponte
de Padrastos athe Bustello... e outro pedaço da Ribeira que vai pela
Feira a saber dos mohinhos da Lavandeira athe a ponte de Balteiro, e
outro pedaço do dito rio do Assude novo athe a Caza de João dos Santos.»
Não se podia pescar «com redes covos nem com outra Armadilha sem licença
do dito Conde» sob pena de 200 reis de cadeia.
Metade das penas era para o couteiro, outra metade para
o «Conselho».
O Conde podia nomear 3 couteiros «cazados de boa fama»,
que prestavam juramento perante as câmaras dos ditos lugares.
Dada em Lisboa em 25 de Agosto de 1561, em nome de
D. Sebastião.
Por outra em nome da
«Rainha», de 21 de Janeiro de 1564,
é dada, com um couteiro em Ovar, nova
«coutada de Perdizes meia Legoa de traz ao redor do
Castello da sua Villa da Feira», não se podendo caçar «com Perdigão redez nem com outra armadilha», sob
pena de perder o perdigão e armadilhas e pagar de
cada vez 500 reis de cadeia.
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217 /
Foram as coutadas confirmadas por alvará de Filipe
II, de Lisboa, 17 de
Novembro de 1617, e carta de 6 de Junho do mesmo ano, a D. Maria de
Gusmão, condessa, tutora e administradora da condessa D. Joana Forjaz
Pereira e Meneses, sua filha.
Segue-se a carta de coutada concedida por D. Manuel, em 23 de Janeiro de
1504, de Lisboa, onde, quanto a pesca, se reservava
«o rio da Feira de Sãofins athe as cazas de João dos Santos e Cambra athe Bustello: e de São João da Madeira da Ponte do Valle athe a ponte
do Avenal, e dahi Nadaes, Nadaes athe Crestuma, e o de Paramos athe a
lagoa desMoris: e assim Queremos que sejao coutadas de Coelhos aquellas
que soião ser: a saber a Dalem do Rio do Corrello como d'aquem,
e da Lagoa seca direito ao Mar com os Covôes d'Areia athe a lagoa
desmoris de entre o Rio da Lagoa seca e o Mar athe a Lagoa d'Esmoriz: e
assy as Lebres d'Areia, e Perdizes de Sancta Maria direito a Lever, e de
Lever ao Carrega! e do Carregal a Villarinho e dahi direito a Degarei.»
Pena, 500 reis e mais 20 dias de cadeia, extensiva a quem agasalhasse ou
encobrisse os culpados, podendo haver 4 guardas de coutada em cada terra
e prescrevendo a pena dos encobridores passados dois meses.
*
A casa dos Condes da Feira vagou para a Coroa por morte do Conde D.
Fernando Forjaz Pereira, pelo que D, João V fez dela doação a seu irmão
o infante D. Francisco, por carta dada em Lisboa em 10 de Fevereiro de
1708, embora declarando-se ali estivesse em litígio essa casa. D.
Francisco passou procuração ao Provedor da Comarca de Esgueira, para
tomar por ele posse, em Lisboa, em 3 de Maio de 1708, posse que foi
tomada em 18 de Maio nas
casas da câmara da Vila da Feira, com grande assistência.
Constam do auto de posse:
Da Vila da Feira −
João Martins Pereira, juiz ordinário substituindo Diogo Moreira de
Vasconcelos; vereadores, João Coelho, Baltasar Pereira Rosário e J osé Fernandes;
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218 /
procurador do concelho, Manuel de Bastos e João de Oliveira Magalhães,
os quais nesse ano serviam
de juiz e oficiais da câmara; António de Aguiar Soares, juiz dos
direitos reais do condado; Sebastião Leitão Coelho, escrivão dos mesmos;
Manuel de Azevedo da Costa, juiz dos órfãos; Manuel de Azevedo Aranha,
escrivão; Damião Rodrigues de Freitas, meirinho da correição; João Lopes
Correia, André da Silva e Manuel Rodrigues Mascarenhas, tabeliães;
António Simões, escrivão das sisas; António Gomes Leite, escrivão da almotaçaria; Manuel de Almeida Cabral, inquiridor; José Correia Pereira,
alcaide; Marcos de Oliveira, seu escrivão da vara;
Pela vila e concelho de Macieira de Cambra
−
Pascoal do Couto e Francisco Aires, juízes ordinários; António Ferreira,
João de Almeida Cabral e Manuel de Figueiredo de Melo, vereadores;
Manuel Gomes, procurador do concelho; Diogo Pinto de Magalhães e
António Borges de Almeida, tabeliães; Manuel Tavares, escrivão das
sisas; Manuel Pereira de Castro, alcaide; faltaram, por impedimentos,
Manuel Soares Homem, juiz dos órfãos, e seu escrivão António de
Magalhães;
Por Ovar −
Gaspar Antunes Lage, juiz ordinário e dos órfãos; Francisco Gomes e
Gabriel Rodrigues, vereadores; João Rodrigues Gorita, procurador;
Francisco Barbosa de Sá, escrivão da câmara e almotaçaria; Ventura de
Oliveira, tabelião; Gabriel de Sequeira, escrivão das sisas, e Francisco
Dias Rebelo, alcaide;
Por Pereira Jusã −
Diogo Soares da Silva, juiz ordinário e dos órfãos; Manuel Rebêlo' e
Diogo de Mendo.nça, vereadores;
João Francisco, procurador; João Vaz Correia, escrivão da câmara,
almotaçaria, órfãos, judicial e notas; faltou o alcaide Amara Valente,
por impedido;
Pelo Couto de Cortegaça −
Manuel Gonçalves o Aroja, juiz do cível, órfãos e ahnotaçaria; Manuel
Pinto, procurador do concelho;
/
219 /
Pelo Couto de Cucujães −
António Dias, juiz ordinário, do cível, órfãos e
almotaçaria; e António Francisco, procurador do mesmo Couto;
Pelo Couto de Landim −
Manuel Fernandes, juiz ordinário, do cível, órfãos e almotaçaria; e
Domingos Fernandes, procurador;
Pelo Couto de Crestuma −
João Lopes, Juiz ordinário, do cível, órfãos e almotaçaria; e Domingos João, procurador;
Pelo concelho da Castanheira
−
Manuel Duarte e Pedro Marques, juízes ordinários e dos órfãos; Manuel de
Faria e Domingos Simões Pereira, vereadores; António de Arguilla de
Vasconcelos, escrivão da câmara, órfãos, almotaçaria judicial e notas;
Mais −
Domingos Dias dos Reis e Vasconcelos, sargento-mor, servindo de
capitão-mor no Condado; Manuel da Silva Grilo, capitão da Vila da Feira; João de Azevedo da Costa, João Machado da Silva, Francisco Jorge
Aires, João Lopes Correia, Luís Vaz da Fonseca, António Gomes Loureiro,
Manuel de São Tiago Pereira, João Pereira da Graça, João Antão Pereira,
Manuel de Sousa Pedrosa, Bernardo Ferreira de Carvalho, capitães da
Feira; João de Sousa, Baltasar Pereira Rosário, Manuel Cardoso, Domingos
Francisco. da Silva, Luís de Matos, Manuel
Moreira, Manuel dos Santos, Gregório Álvares da
Rocha, António Rodrigues Bucho, Paulo de Pinho e António de Almeida,
alferes da Feira; De Ovar, o capitão Francisco Barbosa da Cunha e os
seus oficiais; Manuel Gomes, capitão de Pereira Jusã; o capitão de
Cortegaça e o seu alferes André da Silva; de Cambra os capitães António
Borges de Almeida, André Homem Soares, Nicolau Fernandes da Rocha,
Domingos Jorge da Costa e os seus oficiais; Pela nobreza: Fernão Leite
de Andrade, Francisco Guedes de Queiroz, Dionísio Pereira Soares, Doutor
António de Almeida Brandão, António Soares da Costa, morgado do
Gafanhão, Manuel Soares Coelho, Salvador
/
220 / da Rocha Tavares, Francisco Soares de Albergaria, João Barbosa
Freire, Diogo Leite Cabral, estes quatro de Ovar, e muito mais nobres e
povo, alguns constando das assinaturas subsequentes,
Os mais documentos que se seguem no livro são privilégios, ou sua confirmação, à Casa de Bragança, jurisdição, . nomeação
de funcionários, dinheiros, etc. Indicamo-los também:
Confirmação de D. Afonso VI, de
1 de Agosto de 1662 a D. Pedro, seu
irmão; Doação de Filipe III, de Lisboa, 3 de Agosto de 1627, confirmada
por sucessão em 10 de Maio
de 1639; de D. João I a D. Nuno Álvares Pereira, no Porto
em 10 de Fevereiro, era de 1425; de Filipe I a D. Teodósio, de 15 de
Maio de 1592, Lisboa; de D. Afonso V, dada em Lisboa em 28 de Julho de
1454, confirmada por Filipe III em Madrid, em 1 de Julho de 1638;
Carta de ordem (?) da
Rainha D. Luísa, de 27 de Fevereiro de 1658, ao juiz e vereadores de
Caminha; Ordem do Desembargo do Paço, de D. João, em 7 de Junho de 1725,
ao juiz de fora de Valença; Carta da Junta do Infantado, de 19 de Junho
de 1725, ao juiz de fora de Valença, a respeito de S. Pedro da Torre;
Provisão de 22 de Setembro de 1727, ao ouvidor de Valença, a respeito de
Valadares; Decreto de 24 de Maio de 1688; Alvará de 20 de Abril de 1662;
Acórdão da Relação do Porto de 8 de Janeiro de 1702; Provisão de 31 de
Outubro de 1708; outra de 17 de Outubro e outra de 19 de Dezembro do
mesmo ano; Ordem da Mesa do Infantado, de 21 de Agosto de 1711
(declara-se que os
sobejos das sisas se destinavam às obras das pontes do Vouga
e MarneI); Provisão de 16 de Outubro de 1711; Alvará de 23 de Julho de
1656, para Bragança e Vila Real; Carta de confirmação, de Madrid, de
31 de Maio de 1638; Decreto de 21 de
Maio de 1750.
Oliveira de Azeméis, Julho
1944.
MÁRIO RAMOS |