Luís Alves da Cunha, Homens de Mogofores, Vol. X, pp. 168-198.

HOMENS DE MOGOFORES

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Outro grande benefício prestou à nossa região e ao pais este distinto homem público: foi o de ter impedido a venda da mata do Buçaco.

Este antigo retiro cenobítico tinha sido incorporado nos bens nacionais em 1834, quando da extinção das Ordens religiosas, e em 1856 o governo determinou a sua venda em hasta pública.

A intervenção enérgica do Dr. António Luís de Seabra levou o ministro da Fazenda a desistir da venda e a passar a histórica mansão eremítica para a Administração das Matas do Reino (M. GOMES. ob cit.).

O Visconde de Seabra sofreu a mais dura e apaixonada guerra política de que há memória neste concelho.

Os homens que representavam em Anadia o antigo partido histórico(21) − Dr. Alexandre de Seabra e o seu cunhado Dr. Agostinho Cancela − eram adversários temíveis que levavam a violência a todos os campos de luta, servidos por fiéis partidários. Há numerosos factos a demonstrá-lo(22).

Quando as circunstâncias políticas colocavam o eminente estadista na oposição, era certa, apesar dele residir em Lisboa, a manifestação hostil e ruidosa, feita pelos históricos de Anadia em frente do solar de Santa Luzia. Mas a desafronta da parte da nossa terra não se fazia esperar: era pronta e enérgica(23). / 184 /

Estas contendas criaram entre os povos desavindos, como é óbvio, uma profunda animosidade que só desapareceu quando as gerações seguintes trouxeram ao concelho um novo panorama político.

Quando o sr. Visconde de Seabra, já par do reino e de idade avançada, deixou a actividade política, continuou em Lisboa no seu lugar de juiz do Supremo Tribunal de Justiça e só em 1886 deu por finda a sua longa e fecunda vida pública de quase três quartos de século, retirando para Mogofores(24).

Mas não afrouxou aqui a sua prodigiosa actividade mental. Apesar de cego entregou-se a trabalhos literários da sua predilecção, traduzindo, com o auxílio de um secretário, as Tristes de OVÍDIO. Já em 1846 traduzira as Sátiras e Epístolas de HORÁCIO. Além destes poetas latinos traduziu também a Colombiade, poema em francês sobre a descoberta da América, de Madame DU BOCAGE. Ultimamente ditava as suas Memórias de uma longa vida, que não chegou a concluir.

Também não acabou o romance histórico António Homem ou o Mestre lnfeliz, que delineou quando esteve no Porto como desembargador da Relação. Dele fala a seguinte carta dirigida a Alexandre Herculano, então director da Real Biblioteca da Ajuda:

                              «Meu Caro Herculano

Tambem se me abrio o appetite de escrever um romancinho historico − emquanto o grão Torcidas(25) toma a seu cuidado dirigir a coisa publica e nos permitte alguns momentos de ocio e retiro − pois que elle basta para tudo e não pede parceiros como homens da nossa laia.

O meu fito é pintar a epocha mais minguada da nossa historia − a dominação dos Philipes − para isso escolhi um facto que fica no meio della e a que posso ligar todas as relaçoens sociaes do tempo: é a queima do António Homem, lente de Prima de Canones, accusado de judaizar.

Este homem foi prezo sem 1619 em Coimbra e mandado depois para Lisboa onde foi queimado em 1624. / 185 /

Ninguem me podia ajudar como tu, se quizesses dar-te a esse trabalho − na bibliotheca do Rey hade haver memorias desse tempo − tudo o que disser respeito a uzos, costumes, governo, politica, religião, me serve, e sobre tudo precizo de uma copia das cortes de 1619, que muito te peço me envies quanto antes.

Dize-me tambem se entre os mss. desta bibliotheca do Porto ha alguns que possa consultar e quaes.

Continuo tambem com a minha chrestomathia mas não achei no teu Heitor Pinto o merecimento que lhe attribuem, de todos os nossos EE é o que me foroeceo menos cabedal.

                              Teu  am.º do C.

                              Antonio Luiz de Seabra

                              Porto 4 de maio de 1842»

O Visconde de Seabra faleceu na sua casa de Mogofores no dia 29 de Janeiro de 1895, com 96 anos de idade, quando já se pensava em festejar o seu centenário.

A homenagem que a imprensa de todos os pontos do país prestou nesta ocasião à sua memória constituiu uma verdadeira apoteose(26). Reapareceu, na sua antiga grandeza, o nome aureolado desta veneranda relíquia de uma geração notável, que se escondera havia nove anos neste recanto da província.

Os restos mortais deste preclaro homem de ciência baixaram ao túmulo com o preito de altas individualidades de Lisboa, do Porto e de Coimbra que assistiram ao funeral, bem como de uma deputação da Universidade composta de professores e alunos. O Governo estava representado pelo governador civil, Visconde de Balsemão, e pelo oficial Dr. Joaquim de Melo Freitas.

À beira da campa, no cemitério de Mogofores, discursaram o Dr. Melo Freitas, o advogado Baptista Leitão e alguns estudantes(27). / 186 /

Por último falou o Sr. Albano Coutinho em nome da nossa terra.

O Sr. Visconde de Seabra casou em primeiras núpcias com sua prima D. Doroteia Honorata, irmã do Barão de Mogofores, de quem teve três filhos: Álvaro Ernesto, que se formou em Direito, foi desembargador da Relação de Lisboa e morreu nesta cidade no estado de solteiro; António Luís, também bacharel em Direito, casado com D. Antónia Teixeira e sucessor de seu pai na Casa de S. Lourenço; e Francisco Luís, bacharel e padre, que foi pároco de Cacia (Aveiro) onde faleceu.

Contraíu segundo matrimónio, já depois dos 70 anos, com D. Ana de Jesus Teixeira, da Casa do Meinedo (Minho), também viúva e com três filhos e duas filhas: Luís Vergílio Teixeira, que seguiu a carreira diplomática; António Raul Teixeira, funcionário da fiscalização do Governo, e Dr. Júlio Benjamim Teixeira, que foi secretário e depois director da Penitenciária de Lisboa; e D. Elisa e D. Laura Teixeira. Deste casamento teve um filho, Aristides, que nasceu em 1873 e casou com D. Júlia de Seabra, de Coimbra, e foi, depois de implantada a República, chefe da política democrática do concelho e presidente da Câmara Municipal, tendo falecido em 1918.

Os filhos deste último casal, Drs. Álvaro Augusto e Adalberto, e Aristides e Eurico, e as Sr.as D. Maria Amélia de Seabra Menano e D. Olga de Seabra Raposo, são os representantes desta família.

 

CONSELHEIRO MANUEL FERREIRA DE SEABRA DA MOTA E SILVA, BARÃO DE MOGOFORES

Figura de grande representação que honrou a nossa terra.

Nasceu no dia 20 de Maio de 1787 em Coimbra, onde seus pais, que eram de Mogofores, residiam nesse tempo.

Em 1808 entrou na Universidade, formando-se em cânones.

Em 1826 foi nomeado juiz de fora da ilha da Madeira e ali, em 1828, concertou-se com o capitão-general da ilha, José Lúcio Travassos Valdez (depois Conde de Bonfim) para levantarem o grito de revolta contra o governo de D. Miguel (ROCHA MARTINS − Legenda da cidade do Funchal).

Por este motivo teve de emigrar e foi encontrar-se, na Inglaterra, com seu primo e cunhado Dr. António Luís de Seabra, com quem regressou a Portugal em 1832, na expedição do Mindelo. / 187 /

Em 1834, sendo juiz ouvidor em Timor, fez parte do conselho governativo desta colónia em circunstâncias críticas produzidas pela morte do governador D. Miguel da Silveira(28).

Regressando à metrópole em 1838, foi nomeado desembargador da Relação do Porto e mais tarde ascendeu ao Supremo Tribunal de Justiça.

Em 1845 foi eleito deputado.

Teve lugar de relevo na magistratura, pelo seu saber e integridade, e publicou várias obras de valor, algumas delas com o nome arcádico de Elmano Colimbriense.

Quando deixou a vida pública veio fixar-se definitivamente na sua casa do Caneiro e entregou-se ao cultivo do seu jardim com tanto entusiasmo, que algumas das espécies que enriqueceram a sua famosa antologia, ainda hoje apontam o nome do Barão de Mogofores na nomenclatura da floricultura nacional.

Conselheiro Manuel Ferreira de Seabra da Mota e Silva, Barão de Mogofores.

Era fidalgo cavaleiro da Casa Real e comendador da Ordem de Cristo, e pertenceu ao conselho de Sua Majestade.

Foi Barão de Mogofores por graça régia de 20 de Maio de 1869.

Casou com sua prima D. Ana de Seabra, irmã do Visconde de Seabra, e teve cinco filhos cujos nomes tinham por inicial a letra A: Acácio, Adolfo, Alfredo, Aloísio e Antero.

Faleceu em 21 de Novembro de 1873 e está sepultado no cemitério desta freguesia, em jazigo de família. / 188 /


DR. ACÁCIO ALFREDO FERREIRA DE SEABRA

 DA MOTA E SILVA

Foi o primeiro filho do Barão de Mogofores e nasceu em 7 de Outubro de 1819.

Ainda adolescente sofreu as agruras do exílio na companhia de seu pai que teve de expatriar-se para escapar à tirania miguelista.

Depois de voltar a Portugal, Acácio de Seabra formou-se em Direito e foi nomeado secretário do Tribunal do Comércio do Porto, lugar que exerceu durante muitos anos.

Quando se aposentou veio fixar residência definitiva em Mogofores, e do lustre que ele trouxe a esta terra falam bem alto o esplendor das suas recepções e a animação das «partidas» semanais que oferecia ao mundo elegante da Bairrada na sua casa do Caneiro.

Aqui passou o resto dos seus dias, a tratar das suas flores e do pomar da sua quinta, até ao ano de 1911 em que faleceu a 16 de Janeiro.

Foi casado com D. Emília Ermelinda Pimentel, filha do general Pimentel, do Porto, mas não teve filhos.

O segundo filho do Barão de Mogofores − Adolfo de Seabra − foi um distinto oficial do exército que se reformou no posto de coronel. Viveu e morreu no Porto.

O terceiro − Alfredo Balduíno de Seabra − bacharel formado em Direito, desempenhou o lugar de Administrador em vários concelhos. Deixou um filho, Alfredo de Seabra júnior, a quem os rapazes do tempo apelidaram de Napoleão, o qual, tendo seguido a carreira militar, veio a falecer coronel do Estado Maior, reformado.

Os dois restantes morreram em Lisboa antes de chegarem à velhice, tendo o último deixado filhos, um dos quais, o Sr. Dr. Antero de Seabra, que é o actua! representante desta família.

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D. JOSÉ XAVIER CERVEIRA E SOUSA, BISPO DE VISEU

Outro nome ilustre a dar brilho à galeria dos nossos patrícios.

Nasceu em Mogofores a 27 de Novembro de 1797(29). Foram seus pais o bacharel José Xavier Cerveira, natural de Aguim, e D. Rosa Joaquina de Sousa Correia, filha do alferes João de Sousa Correia, desta freguesia. Doutorou-se em teologia e principiou a sua carreira sacerdotal na freguesia de Castelo Viegas, concelho de Coimbra, passando, em 1827, para a de Aguada de Cima. Deixou esta freguesia para ir exercer as funções de Lente da Faculdade de Teologia da Universidade de Coimbra.

Em 1843 foi nomeado Bispo do Funchal, transitando para a diocese de Beja em 1848.

Despachado Bispo de Viseu em 1859, daqui fazia repetidas e demoradas visitas a Mogofores, atraído pelo remanso salutar da sua casa do Cruzeiro. Nestas ocasiões, o lustre da sua posição e o prestígio do seu nome chamavam a esta terra muitos visitantes de elevada categoria.

Testemunhos do tempo dizem que o venerando prelado exerceu aqui, algumas vezes, o seu alto ministério conferindo Ordens aos ordinandos da sua diocese, na capelinha que existia nesta antiga casa.

Aqui faleceu no dia 15 de Março de 1862 e foi sepultado na capela do altar-mor da igreja desta freguesia. O seu funeral foi imponente e teve a assistência do cónego Dr. Joaquim Alves Mateus que pronunciou, do púlpito da igreja, um notável elogio fúnebre do ilustre extinto.

A D. José Xavier Cerveira e Sonsa sucedeu, no bispado de Viseu, o famoso D. António Alves Martins. / 190 /

 

FRANCISCO LUÍS FERREIRA TAVARES,

BARÃO DO CRUZEIRO

Foi um carácter impoluto que a nossa terra se ufana de contar no número dos seus homens notáveis.

Nasceu em Albergaria a Velha no dia 29 de Fevereiro de 1859, filho do alferes da Casa da Fonte, Manuel Luís Ferreira Tavares. Podemos, porém, chamar-lhe nosso conterrâneo porque, tendo casado com D. Rosa Joaquina Lebre de Sousa e Vasconcelos, da Casa da Mealhada, que vivia com Seus tios Bispo de Viseu e D. Jerónima, aqui estabeleceu residência e prestou a esta terra relevantes serviços. Entre estes avulta a obra da grande reparação da igreja, a que já me referi, que ele como presidente da Junta de Paróquia − funções que exerceu por dedicação à sua terra adoptiva − conseguiu levar a cabo com muitas canseiras e vencendo muitas dificuldades(30).

Foi presidente da Câmara MunicipaI de Anadia desde 1893 até 1904, com um interregno de 1899 a 1901 em que presidiu o Marquês da Graciosa (D. Fernando), e da sua longa actividade camarária também colhemos valiosos benefícios contando-se, entre outros, a construção da fonte do Cabeço e da estrada da Gândara.

Foi agracia do com o título de Barão do Cruzeiro por carta régia de 21 de Outubro de 1875 e faleceu em 13 de Setembro de 1912.

O seu filho, Dr. Manuel Luís Ferreira Tavares, é o actual representante da antiga Casa do Cruzeiro. / 191 /


JOAQUIM BASÍLIO CERVEIRA E SOUSA

Era irmão do Bispo de Viseu e, como ele, natural de Mogofores onde nasceu a 14 de Julho de 1792. Foi figura de relevo social no nosso meio e exerceu o comando da companhia de ordenanças nesta freguesia com a patente de capitão.

Os azares da agitada política do constitucionalismo, em que se envolveu, levaram-no às cadeias da Relação do Porto, onde esteve preso em 1832, mas saiu ilibado.

Casou com D. Maria Carlota de Albuquerque e Castro de quem teve dois filhos e três filhas, todos já falecidos: Joaquim, que foi general de engenharia e ministro; António, que morreu no Brasil; D. Mariana, que foi casada com Aníbal de Azevedo, secretário do Visconde de Seabra; D. Carlota, que casou com António de Sousa, funcionário das Obras Públicas; e D. Maria, casada com António Luís Maria Sobral, capitalista de Lisboa.

Deste último casal nasceu o sr. Alberto Sobral que é em Mogofores o representante da família Cerveira de Albuquerque.

O Sr. Joaquim Basílio faleceu na sua quinta de Canavai, no dia 8 de Dezembro de 1880, e foi sepultado no cemitério de Mogofores.


GENERAL JOAQUIM BASÍLIO CERVEIRA E SOUSA

DE ALBUQUERQUE E CASTRO

Nasceu em Mogofores no dia 8 de Junho de 1853, filho do capitão de ordenanças Joaquim Basílio Cerveira e Sousa.

Seguiu a carreira militar, na arma de engenharia, e teve aqui casa e família até atingir o posto de capitão, residindo primeiramente na quinta de Canavai, em cuja posse sucedeu a seu pai, depois na casa do Alto do Pinto.

Desempenhou várias comissões de serviço público neste distrito, entre elas a direcção técnica da construção do quartel do regimento de cavalaria em Aveiro.

Entrou na política e filiou-se no partido progressista, sendo muito considerado pelo Sr. Conselheiro José Luciano de Castro. Foi eleito deputado em 1894 pelo círculo de Cantanhede, mas a dissolução da câmara limitou o seu mandato a poucas semanas.

Por esta ocasião sustentou no antigo Jornal de Anadia, de Teodomiro Argente, uma viva polémica com o Sr. Albano Coutinho, em defesa da sua candidatura seriamente prejudicada pela propaganda republicana que este distinto jornalista / 192 / fazia num semanário republicano daquela vila gandaresa(31).

Finda a sua efémera carreira política, obteve a nomeação 'de Lente da Escola do Exército e fixou residência em Lisboa.

Implantada a República, não teve pressa de aderir ao novo regime, mas quando o fez foi alistar-se no partido mais avançado que, tendo em conta o seu valor, o fez Ministro das Colónias − 29 de Janeiro de 1912 a 8 de igual mês do ano seguinte − e da Guerra, desde 12 de Dezembro de 1914 até 28 de Janeiro de 1915.

Foi também Director Geral das Colónias e Governador Civil do Porto.

Faleceu em Lisboa, no posto de general, no dia 4 de Novembro de 1925.


ALBANO AFONSO DE ALMEIDA COUTINHO

'Segundo vários autores insuspeitos, foi uma das glórias do jornalismo do seu tempo.

Nasceu em Anadia no dia 1 de Novembro de 1813, filho do capitão-mor de ordenanças Joaquim Afonso de Almeida, e de D. Francisca Mendes de Carvalho Coutinho.

Era estudante no Porto quando as tropas liberais desembarcaram no Mindelo. A circunstância da sua família ser legitimista levou-o a alistar-se no exército de D. Miguel, onde alcançou a patente de capitão de milícias de Coimbra e Figueira.

Sentindo-se inclinado à carreira das armas, conseguiu passar às tropas de linha, onde era já tenente quando a Convenção de Évora-Monte, em 1834, o obrigou a deixar o exército e a emigrar, mais tarde, para o Brasil. Voltou dali com bem radicadas ideias liberais.

/ 193 / [Vol. X - N.º 39 - 1944]

Estabelecendo residência em Lisboa, em 1856, desenvolveu uma activa e brilhante acção jornalística, fundando e dirigindo o Doze de Agosto, a Revista Brasileira e o Correio da Europa que tiveram grande expansão em Portugal e no Brasil. Espírito de grande cultura, escreveu muito sobre política, finanças e administração pública.

Em 1861, quando entre portugueses e espanhóis se agitavam questões de melindre patriótico suscitadas pela discutida união ibérica, e se preparavam manifestações ruidosas, em sinal de protesto, para solenizar o 1.º de Dezembro, teve a coragem de escrever artigos vigorosos contrariando essas manifestações. Justificava a sua atitude com a morte recente de D. Pedra V.

Em 1867, numa notável campanha doutrinária, advogou o estabelecimento da plena liberdade de cultos.

Em 1868 veio fixar residência em Mogofores, habitando temporariamente a casa onde esteve há anos, no rés-do-chão, a escola do Perrães, e agora está uma barbearia.

Mais tarde, aí por volta de 1870 ou 71, foi um valoroso defensor do povo desta freguesia num processo de vulto que correu no tribunal de Anadia(32).

Casou em primeiras núpcias com D. Ana Luísa de Oliveira Gadanho de quem teve um filho, o Sr. Albano Coutinho. / 194 /

Em segundas núpcias casou com uma senhora sua parenta, da quinta de Labrengos, irmã do antigo capelão militar reformado que morou na casa da Mala Posta, P.e João Coutinho.

Faleceu em Mogofores no dia 7 de Março de 1876, legando à Câmara Municipal de Anadia a sua excelente biblioteca e o valioso retrato que se vê na sala das sessões desta Câmara.

O seu enterro foi civil, um dos primeiros, se não o primeiro, que se realizaram em Portugal.


ALBANO COUTINHO


Foi jornalista distinto, apreciado escritor e proprietário abastado.

Nasceu em Lisboa a 5 de Dezembro de 1848, filho de Albano Afonso de Almeida Coutinho e de D. Ana Luísa de Oliveira Gadanho, e faleceu em Mogofores a 30 de Agosto de 1935.

Desde 1876 que vivia nesta freguesia, respeitado pelo povo que tinha nele um verdadeiro amigo.

A sua personalidade marcou um lugar inconfundível no meio bairradino pela firmeza inquebrantável das suas convicções e rectidão de carácter.

Fez os seus estudos em Lisboa, na Escola de Agricultura e no Curso Superior de Letras. Ainda estudante − aos 18 anos − dedicou-se ao jornalismo, exercendo activa propaganda em "O Século", ao lado de Magalhães Lima, e noutros jornais democráticos.

Em 1875 acompanhou os coronéis Latino Coelho e Elias Garcia e os Drs. Oliveira Marreca, Jacinto Nunes e outros na organização do partido republicano.

Depois da morte de seu pai veio residir em Mogofores, mas não esmoreceu na sua acção de propagandista; passou a colaborar em jornais de Lisboa e da província.

Ardente paladino da República e espírito de rara actividade, defendia com entusiasmo o seu ideal, em luta contínua com o monarquismo local. / 195 /

Pelos anos 1888-89 tomou a peito a difusão do jornal "O Século" que nesse tempo fazia demolidora propaganda republicana e por isso era pouco lido no nosso concelho. Mandava distribuir dúzias de exemplares em Anadia sem se importar com a irritação que o facto causava aos políticos da vila, os quais se vingavam mandando queimar os jornais que o velho Lagoa podia adquirir(33).

A sua propaganda pelo voto também foi notável, embora sempre contrariada pela política dominante(34).

Depois de implantada a República, foi o primeiro governador civil do distrito e o mais votado deputado às constituintes por este círculo, e veio a ser escolhido para senador quando se fez o desdobramento daquela câmara.

Escreveu Oito dias em Madrid, Ócios e outras obras que marcaram a sua personalidade literária. Também escreveu A Filha do Comendador, para a inauguração do teatro de Anadia.

Foi um apaixonado viticultor, tratando as suas vinhas com esmero, e os seus vinhos com proficiência. Já antes da criação da antiga Escola de Viticultura na velha Quinta do Paço, de Anadia, o empirismo rotineiro tinha desaparecido da sua adega para dar lugar aos métodos científicos de selecção e fabrico, aconselhados por modernos tratados de enologia.

Interessando-se vivamente pelo fomento agrícola da Bairrada, deu orientação e estímulo a todas as comissões e sindicatos criados para este fim e colaborou com inexcedível solicitude e provada inteligência em todas as medidas que a defesa dos interesses da região impunha.

Fez da imprensa e da tribuna dos comícios − sobretudo da primeira − o seu melhor posto de combate; dali fazia ouvir o seu conselho autorizado ou lavrava enérgico protesto, consoante o exigissem os interesses em causa.

As Águas da Curia devem-lhe benefícios inolvidáveis. Pode dizer-se que foi o Sr. Albano Coutinho, com a chama criadora da sua iniciativa, quem abriu a estrada triunfal desta aprazível estância. / 196 /

Amigo devotado da terra que quase lhe foi berço, mostrava por ela extremos de carinho sempre que o seu amor ao jornalismo lhe proporcionava o ensejo de a elevar no conceito de estranhos.

Para os pobres da freguesia foi um generoso protector, socorrendo-os sem alarde nem reclame.

Casou com sua prima D. Francisca Afonso Coutinho, da Casa de Sepins, e teve uma filha, D. Maria da Piedade, hoje casada com o Dr. Manuel Luís Ferreira Tavares.

Com a morte de Albano Coutinho, Mogofores viu desaparecer o último representante de um passado glorioso.

 

GONÇALO CALDEIRA PINTO

Nasceu em Mogofores no primeiro quartel do século passado, filho de Gonçalo Caldeira Leitão de Albuquerque e de D. Josefa Pinto de Macedo Mascarenhas. Descendente de uma família ilustre da Beira Baixa com casa na Idanha (Castelo Branco) e Torrozelo (Seia), estava ligado à velha aristocracia da nossa região. Era cunhado do 1.º Marquês da Graciosa, tio do Marquês D. Fernando e da Condessa de Foz de Arouce, e tio-avô do actual Conde da Borralha.

Fidalgo de sentimentos nobilíssimos, era simples e afável no trato com o povo humilde que o rodeava.

Tinha grande apego à sua aldeia onde gozou, na companhia das suas irmãs D. Ana e D. Inês − simpático trio celibatário! − uma vida simples, patriarcal, que muito se coadunava com a sua modéstia.

Faleceu em 1892, no seu solar de Mogofores, e as suas cinzas repousam no cemitério do Crasto, em capela de família, onde jazem também os seus irmãos Drs. Albano e José Caldeira, que faram distintos magistrados. / 197 /

*

Crisóstomo de Paiva. Era natural desta freguesia, senhor e morador da Casa do Alto do Pinto.

Casou em Águeda com D. Joana Pinto, de quem teve um filho e três filhas: Cristóvão, que foi o último fidalgo senhor daquela casa; Maria e Helena, que receberam a crisma em 1603, e Isabel, que foi baptizada em 27 de Abril de 1608 (Registo paroquial de Mogofores, de 1600-1700, L.º 1.º).

Teve antepassados de bom sangue que andaram a batalhar pela Índia (CONDE DA BORRALHA, «Subsídios para a história de Águeda» − Arquivo do Distrito de Aveiro, voI. I).

 

Manuel de Oliveira Barreto. Foi um fidalgo que exerceu notável influência na vida de Mogofores durante uma grande parte do século dezassete, mas nada consegui averiguar acerca da sua naturalidade(35).

Em 1648 foi nomeado capitão-mor de ordenanças (36) dos coutos de Mogofores, Aguim, Casal Comba e Vila Nova de Monsarros, cargo que ainda exercia em 27 de Janeiro de 1681, conforme se vê numa certidão que ele passou nesta data, em Mogofores, a favor de Pedro de Barros Sobrinho, capitão de ordenanças de Aguim, natural de Tamengos.

Serviu com o seu terço na guerra da Restauração sob as ordens do governador desta província, D. Sancho Manuel  / 198 / (Ver «Homens da Bairrada na Guerra da Restauração», de S. DA GRAÇA − Arquivo do Distrito de Aveiro, voI. III).

Em 1674 foi testemunha num processo de habilitação que correu em Águeda contra um familiar do Santo Ofício, marido de uma neta de Crisóstomo de Paiva, de Mogofores, do qual era inimigo declarado (C. DA BORRALHA, ob. cit.).

Alguns factos da sua vida mostram que foi homem de ânimo irrequieto e autoritário, mas deve ter sido bom cristão porque aparece a paraninfar em baptizado nos anos de 1641-42 e 43 e outros, nesta freguesia.


Domingos Dias Vilalobos. Era de Mogofores e foi capitão de milícias, segundo reza a notícia do seu falecimento, ocorrido nesta freguesia em 26 de Julho de 1694. Está sepultado junto do altar de Jesus (agora da Senhora de Fátima), que ele erigira em capela, onde já repousava sua esposa (Registo paroquial citado).

Estava ligado por laços de parentesco aos morgados Couceiros da Costa, de Vilarinho de Cacia.


Dr. Pedro Marques. Sobre este indivíduo não tenho outra informação, além da lacónica notícia que se vê nas Informações Paroquiais de 1721. Sabe-se que era natural de Mogofores, tinha o grau de Licenciado e instituiu o morgado da capela do altar de Santo António, na nossa igreja, onde ele e sua mãe estão sepultados.

Se o avaliarmos pela dignidade que lhe é atribuída, deve tratar-se de pessoa de categoria.


Dr. Eugénio de Meneses. É com prazer que recordo este ilustre médico militar. Não era de Mogofores mas casou aqui com D. Emília Reis da Silva, filha do nosso patrício Sr. José Jacinto da Silva, ligando assim o seu nome à nossa terra.

Vinha passar temporadas na sua casa do Juncal para descansar dos seus labores oficiais, e destas estadas ficou-me uma alta consideração pela nobreza do seu carácter, notável aprumo e distinção de maneiras, predicados que o impunham ao respeito de todos.

Era pai do Sr. Engenheiro Carlos de Meneses e da Sr.ª D. Camila de MelIo Sampaio.

Faleceu em Santarém, onde era médico de artilharia 2:

LUÍS ALVES DA CUNHA

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(21) Este partido fundiu-se em 1876, pelo pacto da Granja, com o reformista chefiado por Alves Martins, Bispo de Viseu. Desta fusão nasceu o partido progressista que desapareceu com a queda da monarquia. 

(22) Uma amostra: Numa eleição de deputados, quando o Dr. Alfredo de Seabra, para votar, procurava romper, de braço no ar e a lista entre os dedos, a massa que se comprimia em volta da urna, um histórico audacioso arrebatou-lhe a lista. Debalde se protestou; a mesa, facciosa, prosseguiu na chamada doutros eleitores e a proeza surtiu efeito. Mas estes processos não impediram que o sr. Visconde triunfasse em 1851, 1852 e 1856, eleito pelo circulo de Aveiro, a que o nosso concelho pertencia, e em 1861 por Anadia, já sede de circulo.  

(23) A última destas manifestações, dirigida pelo barbeiro Aniceto, resultou numa proveitosa lição para os históricos. O povo de Mogofores quis pregar uma partida aos arruaceiros. Para este fim foi um grupo de homens armados de varapaus, guardar a saída da ponte do Cértima, além do rio, enquanto outro grupo canalizava para ali os manifestantes em retirada. Assim encurralados, os históricos tiveram que saltar os muros da ponte para fugir a vindicta de quem zelava o brio da sua terra. (Colhida dalguns participantes na acção).  

(24) Serviu em cinco reinados: de D. João VI, D. Pedro IV, D. Maria lI, D. Pedro V e D. Luís.   

(25) − Costa Cabral? 

(26) PINHEIRO CHAGAS, vulto eminente de jornalista e escritor, exaltou a memória do Visconde de Seabra em artigo de fundo do Correio da Manhã, de 30 de Janeiro, intitulado: Caiu o colosso!

O Conde de Valenças disse num jornal de Coimbra que este ilustre sábio teria sido considerado um génio se tivesse vivido em França.   

(27) O quartanista Marreiros Neto rematou a sua brilhante oração afirmando: o Visconde de Seabra foi, é e há-de ser o Mestre insigne da ciência do Direito. 

(28) Teve por colegas neste conselho o coronel-comandante da guarnição e o padre superior das Missões. Pouco tempo depois da posse, este padre prendeu os companheiros e arvorou-se em governador da ilha e comandante do batalhão, até qUf'. o novo governador, chegado do reino, restabeleceu a normalidade (História de Portugal, de DAMIÃO PERES. vol. VI).

(29) Do seu assento de baptismo consta que foi baptizado em casa pelo cura Manuel Soares da Cruz, na noite de 21 de Novembro, em caso de necessidade.

(30) A Junta lutava com falta de meios; foi o seu presidente, com o prestígio do seu nome, que a tirou de embaraços obtendo um subsídio do Governo que permitiu a conclusão das obras.

(31) Este semanário intitulava-se "Liberdade Popular" e era dirigido por Carvalho Neves, um atilado empregado comercial que as alternativas da fortuna obrigaram, mais tarde, a emigrar para o Rio de Janeiro onde alcançou situação de destaque entre a colónia portuguesa.

(32) Deu origem a este processo um enterro feito no adro na igreja, contra a expressa proibição da autoridade. O regedor da freguesia, Luís Cerveiral da Fonte, recebera ordem do Administrador do concelho para remover para o cemitério da freguesia de Arcos o cadáver de uma criança, em virtude de não haver ainda cemitério em Mogofores. O povo viu neste facto a perda da autonomia da freguesia e opôs-se à remoção, procedendo tumultuariamente ao enterramento da criança na presença daquela autoridade que não pôde impedir o desacato. Este acontecimento levou à cadeia de Anadia, e ao banco dos réus, meia dúzia de pessoas que mais se salientaram no tumulto. Foi o sr. Albano Coutinho (pai), com o concurso do seu cunhado, o advogado José Caetano Rebelo (pai), de Famalicão, quem conseguiu a libertação dos presos.

(33) A Praça do Município foi algumas vezes teatro destes autos de fé.

(34) Lembro-me de um facto significativo sucedido cerca dos anos de 1894 ou 95, numa eleição de deputados em que o Dr. Teófilo Braga se propunha por acumulação. Havia o propósito de evitar os votos republicanos e para isso se fechou a urna antes da hora legal. Quando o Sr. Albano Coutinho e o seu grupo se apresentaram, não puderam votar. A mesa, subserviente, não atendeu a reclamação que lhe foi feita, mas o ilustre democrata não se conformou; procurou imediatamente o seu primo, Dr. José Paulo Cancela, deputado eleito, e apresentou-lhe o seu protesto. Ante a ameaça de ser contestada a eleição, as coisas compuseram-se e foram contados 50 votos ao Dr. Teófilo Braga. Foi a única votação republicana do distrito.

(35) Depois de escritas e compostas estas notas, uma informação do Sr. Dr. JOAQUIM DA SILVEIRA, erudito investigador a quem a história regional muito deve, leva-me a formular a hipótese de que Manuel de Oliveira Barreto pertenceu à ilustre família dos Barretos de Castilho que foi de S. Lourenço do Bairro, onde possuía a casa e quinta que depois pertenceram ao Sr. Visconde de Seabra, e veio a fixar-se em Aguim no século XVIll.

Admitida esta hipótese, que alguns factos tornam verosímil, fica justificada a presunção, que na devida altura apresentei, de D. Doroteia Lobo Barreto, mãe deste nobre titular, ser descendente do fidalgo Barreto. Assim se explica como aquela vivenda, que se tornou histórica, veio para a posse da família Seabra. Este fidalgo aparece em vários actos da sua vida ao lado do prior de S. Lourenço, António Álvares da Cruz.

Note-se que o poeta VISCONDE DE CASTILHO, membro ilustre da família Barreto de Castilho, foi compadre e amigo íntimo do Visconde de Seabra de quem o escritor JÚLIO DE CASTILHO, filho do poeta e seu sucessor no título, era afilhado.

(36) As ordenanças eram tropas irregulares que formavam a terceira linha e compunham-se de homens dos 16 aos 60 anos, não alistados no exército ou na milícia. O recrutamento para o exército era feito à sorte entre as ordenanças, mas o capitão-mor podia usar do direito, que o governo por vezes lhe concedia, de escolher os soldados, o que dava lugar a escandalosos favoritismos. A honra das mulheres pagava frequentemente a redenção dos filhos, dos noivos ou dos maridos (OLIVEIRA MARTINS − Portugal Contemporâneo, voI. I, pág. 79).

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