J. A. Soares de Sousa Batista, Recordações do Marnel II, Vol. X, pp. 16-19.

RECORDAÇÕES DO MARNEL

II

Corrigindo:

EM passado artigo, sob a epígrafe supra, localizámos a Mamoa Negra nas proximidades de Albergaria a Velha, por deficiência de informação verbal, tanto nesta vila como nas vizinhas povoações; e ainda pelo desconhecimento de certo documento policial que à mesma faz referência, e do qual, em gentil e douta carta, o ilustre Sr. Dr. ALBERTO SOUTO, que a nenhum esforço se tem poupado para bem conhecer os pormenores do Distrito, nos dá conta; não devendo também ser esquecidas as palavras do erudito Sr. P.e MIGUEL DE OLIVEIRA, em seu substancial artigo «De Talábriga a Lancóbriga pela via militar romana», no mesmo número 33 do Arquivo inserto. Que, um e outro a Mamoa Negra dão a pequena distância de Angeja. O local onde, todavia, situamos o fúnebre monumento é conhecido por Mamoas, e deve corresponder a um daqueles em que certo investigador concelhio encontrou restos de alguns monumentos semelhantes. Investigador a que o Sr. P.e MIGUEL DE OLIVEIRA também se refere.

Nossa crença, porém, − cuja exteriorização constituiu o principal objectivo de nosso artigo − de que todas as localidades rezadas na carta de couto concedida por D. Teresa a Gonçalo Eiriz, e noutros documentos, se encontram nas proximidades do rio Vouga, e não àquelas distâncias que lhes foram atribuídas, com a situação da Mamoa Negra a seis quilómetros a oeste de Albergaria a Velha, em nada foi prejudicada. Há, sim, e é isso muito importante − a identificação dos actuais topónimos com os antigos correspondentes / 17 / [Vol. X - N.º 37 - 1944] e o respeito à verdade, que, com a presente rectificação, recebem: esta, o devido culto; aquela, o aceite em que a têm os seus legítimos investigadores.

Vem ainda a propósito esclarecer que sobre Palaciolo nossas informações dimanaram principalmente das pesquisas do Dr. AUGUSTO S. DE SOUSA BAPTISTA, que no-las narrou e melhor do que ninguém conhece o MarneI e seus arredores. E não deixará ele, decerto, quando regressar do Brasil, de contar-nos pelo miúdo quanto viu pelo famoso Cabeço e do mesmo sabe pela leitura do pouco que sobre este existe escrito, que não ultrapassará a exaustiva rebusca efectuada pelo nosso esforçado companheiro de escavações locais em 1941(1).

Rematando:

Do muito prezado Amigo e lúcido e consciencioso investigador que é o Sr. Dr. SOARES DA GRAÇA, recebemos amabilíssima missiva, que sobre a igreja de Lamas nos trouxe o seguinte complemento: «Rebusquei as minhas notas e verifiquei que está muito certo o que se afirma no artigo; efectivamente, o juiz da igreja de Lamas, Domingos de Carvalho, requereu ao Bispo de Coimbra, no ano de 1771, para ser edificada outra igreja, em outro local, visto que a antiga estava muito arruinada. Houve divergências quanto à escolha de sítio em que havia de ser feita, e enquanto uns a queriam junto da estrada, outros entendiam que ela devia ficar no cabeço denominado Gaiteira; por fim, acordou-se em que fosse edificada no sítio da Cruz, onde foi a eira do Bento António, da cidade de Aveiro. A 11 de Novembro de 1776 foi feita a visita de exame pela autoridade eclesiástica e achou-se que o templo já estava em condições de ali se celebrarem actos de culto, e que havia, além disso, paramentos bastantes, uma custódia dourada, um turíbulo e naveta de prata, etc.

Estas notas que tirei em tempo na Câmara Eclesiástica de Coimbra, aí as mando ao meu Amigo, pois são mais uma achega para o conhecimento daquele local, que tão interessante carinho lhe tem merecido.»

E assim fica plenamente corroborado quanto o ilustre sacerdote que foi João Gomes dos Santos deixou escrito no Livro das Pastorais da Igreja de Lamas.

Por tão valiosa achega receba o Sr. Dr. SOARES DA GRAÇA o nosso mais vivo agradecimento.

 

O Crestelo: A Sudeste do Cabeço de Vouga, em duro e pronunciado esporão, formando socalco a meio da lombada / 18 / do monte do Toural, deve ter poisado outrora a edificação que constituiu certamente dependência do castro de Cabeço de Vouga. Ao local conserva-se, em nossos dias, o topónimo Crestelo e foi povoação ainda ao finalizar do século XVII, continuando as respectivas terras de lavoura a produzir pão, vinho e carne, esta através das ervagens consumidas pelo gado; pois, resultantes do arenito triádico, rico de cimento argiloso, revelam mediana fertilidade, que os seus proprietários não cometem o erro de entregar à floresta resinosa.

Em o n.º 30 do Arquivo, enunciando dizeres de vetusto documento, denominado «O Rol das «Cavalarias» do Vouga», destas menciona ROCHA MADAHIL, na freguesia de Valongo do Vouga, duas em Brunhido, sendo uma de p. menendj; duas em Lanheses, sendo uma de martino petri e outra de paiam; e uma em Crestelo, da deste não referindo o nome do proprietário onerado.

Em 1612, ali, no referido Crestelo, faleceu Adão Martins, e em 1621 sua viúva, Violante Álvares. Do casal vieram pelo menos dois filhos: Domingos Martins, que casou com Catarina Marques, falecida em 1628, e Francisco Martins, que em 1621 casou com Antónia Maria. Ali viveu também António Rodrigues, falecido em 1694, que foi casado com Domingas Dias, havendo sido registados do casal cinco filhos, dos quais um, o chamado Manuel, que seria de alcunha O Cristeleiro, morreu em 1695. Dos assentos paroquiais consta ainda o falecimento de Manuel, filho de António da Costa, do Crestelo, em 1696. E sobre demografia foi quanto do dito Crestelo encontrámos.

Há ao cimo e a Poente das terras de cultura uma nascente com seu tanque de ajuntamento das águas para regadio, que estão divididas por diversos proprietários. Esta nascente deveria ser muito mais rica outrora, pois ali existiu um moinho que elas moviam e vem referido nos registos paroquiais, deles rezando ainda a tradição. Mais volumoso mesmo que fosse o caudal, tal moinho, contudo, somente poderia funcionar à presada.

Estivemos no esporão do Crestelo, percorremos as terras e pinhais circunvizinhos, e, de luso ou luso-romano, nada, absolutamente nada encontrámos. No socalco apenas colhemos um pedacito de telha nacional, que pela espessura nos pareceu indicar fabrico de alguns séculos.

E para terminar:

Uma das vezes que por ali andámos, deparou-se-nos velho conhecido, que, logo perguntado no sentido da nossa pesquisa, respondeu: − O Crestelo é aí; e apontou-nos o esporão. E a seguir acrescentou − Dizem que era dali que davam fogo para o Cabeço de Vouga... / 19 /

Quem sabe se os lusos e luso-romanos precederam os chineses no conhecimento da pólvora e da pirotecnia, e os ingleses na sua aplicação guerreira? Mas talvez o nosso comparoquiano se quisesse referir ao célebre combate entre liberais e legitimistas, em que, afinal, parece que ninguém morreu. Pelo menos, dos falados cadáveres emborcados no poço da mina, apenas apareceram uns ossitos de pequenos ruminantes...

JOAQUIM SOARES DE SOUSA BATISTA

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(1) A. G. DA ROCHA MADAHIL, Estação luso-romana do Cabeço do Vouga, Coimbra, 1941.

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