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CALDAS DE SÃO JORGE
Vista parcial da
povoação e balneário
(p. 224) |
JULGO
que nesta revista ficará bem apresentar um artigo sobre estas termas.
Das duas, que conheço neste distrito,
são elas as mais antigas; e esta antiguidade presumo ir até à dominação
romana.
As razões, em que me fundamento, são:
1ª − a origem toponímica romana do nome desta freguesia: − CaldeIas.
Esta denominação já consta dum documento do ano de 1097; − e por isso é bem de presumir a descoberta anterior da nascente termal. 2.ª
− a tradição. No questionário para o dicionário geográfico de 1758, o abade CAETANO DE AZEVEDO, a uma
das perguntas respondeu: − «Esta freguesia não tem antiguidades algumas mais do que a tradição de que no Uyma, que
por ela passa, no sitio do mato da Negrinha, passais, d'esta
Igreja houveram umas Caldas, que se desfizeram, por se romper uma pedreira no mesmo sitio, na qual ainda ha signais de
agua tepida, que curte linhos verdes em rama em 3 ou 4 dias,
sendo necessario oito dias e mais em outros sitios, e no tempo do verão
se conhece um laço por cima da agua a modo de enxofre.»
Não fala, porém, o abade nas virtudes curativas das águas...
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Coube ao seu sucessor Inácio António da Cunha, que para
aqui veio em 1794, a glória de descobrir e de promover o aproveitamento dessas virtudes.
A "Gazeta de Lisboa", no seu
n.º 1, ano de 1802, trazia a
seguinte notícia: − «O abade de S. Jorge desconfiado não só
por tradição, mas também por experiência própria, que em um
pequeno regato, que corre junto ao lameiro do passal da sua igreja,
havia aguas de Caldas, fez convocar o seu amigo Joaquim José d'Almeida, médico da cidade do Porto, para o tirar d'esta
desconfiança. O dito medico, só pela simples inspecção, observou que com efeito eram thermais as referidas aguas... do que resultou
que o sobredito, para bem da humanidade, á custa de
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Vol. VI − N.. 23 - 1940 ]
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excessivo trabalho e despeza, mandasse separar, quanto pôde ser, o
regato do sitio onde brotava parte das referidas aguas; e fazendo
romper o seu lameiro, depois d'uma cavação custosa, descobriu n'ele
abundancia das mesmas. Os efeitos felizes d'estas aguas aplicadas por
varios medicos... em muitas molestias, tem sido evidentes, e dignos de
atenção.»
Esta a notícia. Na verdade, certificado pela ciência médica das virtudes
terapêuticas destas águas, o abade, depois de separar do rio a água
termal, mandou construir um cano afim de a levar para sítio acomodado,
e fez construir barracas com tanques de madeira para tomar banho quem
quisesse.
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CALDAS DE SÃO JORGE
Fachada principal do
balneário |
Mais tarde, em Janeiro de 1805, o governo tomou conta do primitivo
balneário, e mandou construir um sofrível edifício de cantaria − que
subsistiu largos anos − aonde fizeram vários melhoramentos, sobretudo em
1843 e em 1879. Mas eram tais e tantas as deficiências que a Câmara da
Feira deliberou
edificar um novo edifício balnear, que começou em 1889, e
terminou em 1892.
Até 1914, funcionou ele só com banhos de imersão. Neste ano foram
instaladas pulverizações, irrigações nasais, inalações, duchas, e algumas banheiras de mármore. Em 1932, a
buvette banheiras
esmaltadas, e pavimentação do átrio. Nos últimos anos, o revestimento
das paredes e pavimentos dos quartos a
azulejos e mosaicos, motor eléctrico, portões de ferro, etc. De
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modo que, com estes melhoramentos e as suas excelentes águas, o nosso
balneário impõe-se à preferência dos doentes e dos seus médicos.
*
Em frente à escadaria principal, um belo parque, para repouso dos
banhistas, e abrigo contra o sol de Julho e Agosto. O terreno
rectangular que resguarda o balneário é vedado por uma parede capeada com três portões de ferro; e chegada a ela, e em
toda a volta, uma estrada que liga com outras, e oferece óptimos meios de
comunicação com todas as terras: − Feira, Porto, Espinho, Arouca, etc.
Antigamente, os banhistas tinham de vir, por maus caminhos, a pé, a cavalo, ou em pesados carros de bois; e hoje, os automóveis rodam perfeitamente, por boas estradas, até às entradas
do parque, e carreiras de caminhetas, de Arouca para o Porto, estão
diariamente à disposição dos banhistas.
Outro melhoramento foi o das pensões. Nada menos de três, e de toda a
confiança, estão prontas para receberem e hospedarem com os modernos
confortos os que aqui chegam
só com a malinha da roupa. E depois, casas para alugar, carros para
fretes, praça diária, lojas bem sortidas, talhos, farmácia, barbearias,
cafés, rede eléctrica, o telefone...
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Dum artigo do director
clínico, publicado em 1936, num semanário da
Feira, transcrevo para aqui o seguinte trecho: «Sendo as mais ricas das
águas sulfurosas portuguesas em cloro, podemos pela sua temperatura e
análise química rotulá-las de hipotermais, hipossalinas, sulfidratadas,
sódicas, alcalinas, siliciosas, e litinadas. A sua especialização
terapêutica engloba as doenças crónicas da pele, e as diversas
modalidades do reumatismo. No primeiro grupo, destacaremos o eczema, a
psoríasis, o acne, e as dermatoses pruriginosas; no segundo, reumatismo
articular, sub-agudo, crónico adeformante, muscular e nervoso.
Nas primeiras, como nas segundas, a sua acção tópica sobre a
pele, articulações, e nervos periféricos, manifesta-se atenuando dores,
aplacando irritações, e destruindo endurecimentos; internamente,
dessensibilizando os humores, e corrigindo os vícios da nutrição. − O
seu uso interno regulariza as funções digestivas, aumenta a
alcalinidade do sangue, e da bílis, facilita a dissolução do ácido
úrico, aumenta a diurese, e baixa a hipertensão. Dá grande resultado na
insuficiência hepática, e nas entero-colites átonas. No aparelho
respiratório, a sua acção é manifesta sobre a rinite, amigdalite,
faringo-laringites, bronquites
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metrite, e vaginite,
têm, no tratamento da avariose, a virtude de reforçarem a
acção do mercúrio e do bismuto, e de darem à arsenoterapia
ambiente menos restrito pela sua acção sobre a insuficiência
hepática − contra indicações − o cancro, os estados agudos,
a assistolia, e a tuberculose.»
Regista-se uma inscrição médica oscilando à roda de oitocentos doentes
por época termal.
Julho de 1940.
Padre JOSÉ INÁCIO DA COSTA E SILVA
Abade aposentado de São Jorge
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