Padre José Inácio da Costa e Silva, Caldas de São Jorge, Vol. VI, pp. 224-228

CALDAS DE SÃO JORGE

CALDAS DE SÃO JORGE

Vista parcial da povoação e balneário (p. 224)

JULGO que nesta revista ficará bem apresentar um artigo sobre estas termas. Das duas, que conheço neste distrito, são elas as mais antigas; e esta antiguidade presumo ir até à dominação romana.

As razões, em que me fundamento, são: 1ª − a origem toponímica romana do nome desta freguesia: − CaldeIas. Esta denominação já consta dum documento do ano de 1097; − e por isso é bem de presumir a descoberta anterior da nascente termal. 2.ª − a tradição. No questionário para o dicionário geográfico de 1758, o abade CAETANO DE AZEVEDO, a uma das perguntas respondeu: − «Esta freguesia não tem antiguidades algumas mais do que a tradição de que no Uyma, que por ela passa, no sitio do mato da Negrinha, passais, d'esta Igreja houveram umas Caldas, que se desfizeram, por se romper uma pedreira no mesmo sitio, na qual ainda ha signais de agua tepida, que curte linhos verdes em rama em 3 ou 4 dias, sendo necessario oito dias e mais em outros sitios, e no tempo do verão se conhece um laço por cima da agua a modo de enxofre.»

Não fala, porém, o abade nas virtudes curativas das águas...

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Coube ao seu sucessor Inácio António da Cunha, que para aqui veio em 1794, a glória de descobrir e de promover o aproveitamento dessas virtudes.

A "Gazeta de Lisboa", no seu n.º 1, ano de 1802, trazia a seguinte notícia: − «O abade de S. Jorge desconfiado não só por tradição, mas também por experiência própria, que em um pequeno regato, que corre junto ao lameiro do passal da sua igreja, havia aguas de Caldas, fez convocar o seu amigo Joaquim José d'Almeida, médico da cidade do Porto, para o tirar d'esta desconfiança. O dito medico, só pela simples inspecção, observou que com efeito eram thermais as referidas aguas... do que resultou que o sobredito, para bem da humanidade, á custa de  [ Vol. VI − N.. 23 - 1940 ] /  226 / excessivo trabalho e despeza, mandasse separar, quanto pôde ser, o regato do sitio onde brotava parte das referidas aguas; e fazendo romper o seu lameiro, depois d'uma cavação custosa, descobriu n'ele abundancia das mesmas. Os efeitos felizes d'estas aguas aplicadas por varios medicos... em muitas molestias, tem sido evidentes, e dignos de atenção.»

Esta a notícia. Na verdade, certificado pela ciência médica das virtudes terapêuticas destas águas, o abade, depois de separar do rio a água termal, mandou construir um cano afim de a levar para sítio acomodado, e fez construir barracas com tanques de madeira para tomar banho quem quisesse.

CALDAS DE SÃO JORGE

Fachada principal do balneário

Mais tarde, em Janeiro de 1805, o governo tomou conta do primitivo balneário, e mandou construir um sofrível edifício de cantaria − que subsistiu largos anos − aonde fizeram vários melhoramentos, sobretudo em 1843 e em 1879. Mas eram tais e tantas as deficiências que a Câmara da Feira deliberou edificar um novo edifício balnear, que começou em 1889, e terminou em 1892.

Até 1914, funcionou ele só com banhos de imersão. Neste ano foram instaladas pulverizações, irrigações nasais, inalações, duchas, e algumas banheiras de mármore. Em 1932, a buvette banheiras esmaltadas, e pavimentação do átrio. Nos últimos anos, o revestimento das paredes e pavimentos dos quartos a azulejos e mosaicos, motor eléctrico, portões de ferro, etc. De / 227 / modo que, com estes melhoramentos e as suas excelentes águas, o nosso balneário impõe-se à preferência dos doentes e dos seus médicos.

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Em frente à escadaria principal, um belo parque, para repouso dos banhistas, e abrigo contra o sol de Julho e Agosto. O terreno rectangular que resguarda o balneário é vedado por uma parede capeada com três portões de ferro; e chegada a ela, e em toda a volta, uma estrada que liga com outras, e oferece óptimos meios de comunicação com todas as terras: − Feira, Porto, Espinho, Arouca, etc.

Antigamente, os banhistas tinham de vir, por maus caminhos, a pé, a cavalo, ou em pesados carros de bois; e hoje, os automóveis rodam perfeitamente, por boas estradas, até às entradas do parque, e carreiras de caminhetas, de Arouca para o Porto, estão diariamente à disposição dos banhistas.

Outro melhoramento foi o das pensões. Nada menos de três, e de toda a confiança, estão prontas para receberem e hospedarem com os modernos confortos os que aqui chegam só com a malinha da roupa. E depois, casas para alugar, carros para fretes, praça diária, lojas bem sortidas, talhos, farmácia, barbearias, cafés, rede eléctrica, o telefone...

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Dum artigo do director clínico, publicado em 1936, num semanário da Feira, transcrevo para aqui o seguinte trecho: «Sendo as mais ricas das águas sulfurosas portuguesas em cloro, podemos pela sua temperatura e análise química rotulá-las de hipotermais, hipossalinas, sulfidratadas, sódicas, alcalinas, siliciosas, e litinadas. A sua especialização terapêutica engloba as doenças crónicas da pele, e as diversas modalidades do reumatismo. No primeiro grupo, destacaremos o eczema, a psoríasis, o acne, e as dermatoses pruriginosas; no segundo, reumatismo articular, sub-agudo, crónico adeformante, muscular e nervoso. Nas primeiras, como nas segundas, a sua acção tópica sobre a pele, articulações, e nervos periféricos, manifesta-se atenuando dores, aplacando irritações, e destruindo endurecimentos; internamente, dessensibilizando os humores, e corrigindo os vícios da nutrição. − O seu uso interno regulariza as funções digestivas, aumenta a alcalinidade do sangue, e da bílis, facilita a dissolução do ácido úrico, aumenta a diurese, e baixa a hipertensão. Dá grande resultado na insuficiência hepática, e nas entero-colites átonas. No aparelho respiratório, a sua acção é manifesta sobre a rinite, amigdalite, faringo-laringites, bronquites / 228 / sêcas e asmáticas. Vantajosas na cistite, metrite, e vaginite, têm, no tratamento da avariose, a virtude de reforçarem a acção do mercúrio e do bismuto, e de darem à arsenoterapia ambiente menos restrito pela sua acção sobre a insuficiência hepática − contra indicações − o cancro, os estados agudos, a assistolia, e a tuberculose.»

Regista-se uma inscrição médica oscilando à roda de oitocentos doentes por época termal.

Julho de 1940.

Padre JOSÉ INÁCIO DA COSTA E SILVA
Abade aposentado de São Jorge

 

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