Era
uma aldeia suburbana da cidade, que por uma das muitas anomalias que se
notavam na antiga divisão territorial pertencia ao concelho e julgado de
Ílhavo. Tinha um juiz de vintena ou pedâneo, com seu escrivão.
A última casa da cidade era o convento de frades do Carmo, (hoje a casa
do Sr. Dr. Jaime de Magalhães Lima); e o das freiras franciscanas do
convento da Madre de Deus, que estava no local onde hoje se acha o
Quartel, já era da jurisdição de Ílhavo. Entre os dois conventos não
havia casa alguma.
Esta aldeia compunha-se, como actualmente, da rua que terminava, como já
se disse, logo adiante da capela de Nossa Senhora da Alegria e de
algumas casas por travessas e becos ao sul dela, hoje na maior parte
melhoradas e em muito menor número, porque muitas têm sido feitas de
novo nestes últimos anos.
Sobradadas só havia duas, além do convento e hospedaria das freiras e
habitação do capelão, que até 1834 era sempre um frade da Ordem, e
actualmente é hospedaria episcopal; e uma outra do lado do norte, quase
ao fim do lugar, a qual pela sua construção mostra ser muito mais antiga
do que as outras ora existentes.
As restantes casas eram poucas, térreas e de miserável aspecto, como
ainda existem algumas defronte do Quartel, ao começo da avenida para a
Estação; uma ou outra tinha pequenos quintais vedados para a estrada por
valados ou sebes de raquíticos sabugueiros.
Conquanto este lugar de Sá pertenceu a Ílhavo (foi até 1835), havia ali
muitas tabernas que vendiam vinho em grande quantidade, por ser muito
mais barato do que o vendido na cidade, e isto pela razão de diferença
do imposto de consumo, que em Ílhavo era muito menor. Em consequência,
famílias da cidade dali se sortiam, e Sá era muito frequentado à noite e
nos dias feriados por todos os devotos de Baco, sendo por isso
frequentes ali as desordens e os malefícios; os empresários destas
tabernas eram negociantes da cidade.
Depois da morte do último bispo sagrado Manuel Pacheco de Resende, e
enquanto foi vigário geral o da Vera Cruz, Manuel Tavares de Araújo
Taborda, foram nomeados muitos clérigos instruídos nas ciências
eclesiásticas ultimamente pelo último capelão das freiras, frade da
Ordem, mas já egresso, o Dr. Francisco Nicolau.
Em dois anos ele, só, os preparava para receberem demissórias e irem
tomar ordens a algum bispo da nação vizinha.
Os limites deste lugar pelo lado do nascente eram os mesmos que hoje
dividem as freguesias de Esgueira e Vera Cruz, pois que o lugar,
conquanto pertencente a Ílhavo, no civil e criminal era pertença da
freguesia da Vera Cruz.
O lugar de Arnelas era da freguesia da Vera Cruz, assim como todo o
terreno que daí segue pela Forca, Presa e Quinta do Gato, onde por este
lado findava a freguesia da Vera Cruz; pelo lado do norte pouco terreno
podia pertencer-lhe adjacente à estrada, porque pertencia na maior parte
à freguesia de Esgueira, e tanto que no lugar da Quinta do Gato há casas
pertencentes a esta última freguesia.
O lugar da Forca era desabitado, e aquelas casas e quintais que hoje se
vêem entre a estrada para a Presa e o caminho para Esgueira são
edificações novas em um largo despovoado, a monte, com o terreno
bastante desigual e até com algumas covas abertas por quem pretendia
tirar saibro para construções; aqui e ali rebentavam silvas ou cardos, e
no centro existiam umas velhas paredes que diziam ser da forca, e creio
que o eram, não só pelo nome dado ao lugar, mas também pela sua
configuração que não mostravam ser restos de casa para habitar. É certo
que em muitas terras há ainda um sítio com este nome, e posto que em
Aveiro não houvesse quem se recordasse de ter havido ali execuções, é
muito natural que elas existissem, à vista do livro V das Ordenações, em
cujas páginas tantas vezes se repete a terrível sentença, - morra por
ello.
A estrada para a Quinta do Gato foi há poucos anos aberta do antigo
caminho de carro, ficando este muito bonito e melhorado, e dando lugar a
novas construções, o que aquelas povoações conseguiram por ocasião de
uma eleição chamada municipal mui disputada.
Não chegou, porém, o desejado dinheiro para se proceder ao
ensaibramento, pelo qual apenas os pobres esperam para quando houver
outra eleição, eleição que não promete vir tão cedo, visto que já não a
têm; já não há eleições, mas sim nomeações feitas pelo santo acordo dos
influentes e galopins dos diversos bandos políticos ou pseudo-políticos,
governadores deste país.
Ao sul da estrada mencionada confina a freguesia da Vera Cruz com as
terras ou terrenos pertencentes à da Senhora da Glória que vão até mesmo
ao marco de S. Bernardo e que naquele tempo pertenciam à freguesia do
Espírito Santo, os quais também não vão muito ao sul da estrada porque
os aperta a freguesia de Arada.
Além destes terrenos, havia, como há ainda hoje, os do lado de Santiago,
cujos limites eram os mesmos que ainda hoje existem entre as freguesias
da Glória e das Aradas. |