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Memória sobre Aveiro do Conselheiro José Ferreira da Cunha e Sousa

XIX - Lugar de Sá

Era uma aldeia suburbana da cidade, que por uma das muitas anomalias que se notavam na antiga divisão territorial pertencia ao concelho e julgado de Ílhavo. Tinha um juiz de vintena ou pedâneo, com seu escrivão.

A última casa da cidade era o convento de frades do Carmo, (hoje a casa do Sr. Dr. Jaime de Magalhães Lima); e o das freiras franciscanas do convento da Madre de Deus, que estava no local onde hoje se acha o Quartel, já era da jurisdição de Ílhavo. Entre os dois conventos não havia casa alguma.

Esta aldeia compunha-se, como actualmente, da rua que terminava, como já se disse, logo adiante da capela de Nossa Senhora da Alegria e de algumas casas por travessas e becos ao sul dela, hoje na maior parte melhoradas e em muito menor número, porque muitas têm sido feitas de novo nestes últimos anos.

Sobradadas só havia duas, além do convento e hospedaria das freiras e habitação do capelão, que até 1834 era sempre um frade da Ordem, e actualmente é hospedaria episcopal; e uma outra do lado do norte, quase ao fim do lugar, a qual pela sua construção mostra ser muito mais antiga do que as outras ora existentes.

As restantes casas eram poucas, térreas e de miserável aspecto, como ainda existem algumas defronte do Quartel, ao começo da avenida para a Estação; uma ou outra tinha pequenos quintais vedados para a estrada por valados ou sebes de raquíticos sabugueiros.

Conquanto este lugar de Sá pertenceu a Ílhavo (foi até 1835), havia ali muitas tabernas que vendiam vinho em grande quantidade, por ser muito mais barato do que o vendido na cidade, e isto pela razão de diferença do imposto de consumo, que em Ílhavo era muito menor. Em consequência, famílias da cidade dali se sortiam, e Sá era muito frequentado à noite e nos dias feriados por todos os devotos de Baco, sendo por isso frequentes ali as desordens e os malefícios; os empresários destas tabernas eram negociantes da cidade.

Depois da morte do último bispo sagrado Manuel Pacheco de Resende, e enquanto foi vigário geral o da Vera Cruz, Manuel Tavares de Araújo Taborda, foram nomeados muitos clérigos instruídos nas ciências eclesiásticas ultimamente pelo último capelão das freiras, frade da Ordem, mas já egresso, o Dr. Francisco Nicolau.

Em dois anos ele, só, os preparava para receberem demissórias e irem tomar ordens a algum bispo da nação vizinha.

Os limites deste lugar pelo lado do nascente eram os mesmos que hoje dividem as freguesias de Esgueira e Vera Cruz, pois que o lugar, conquanto pertencente a Ílhavo, no civil e criminal era pertença da freguesia da Vera Cruz.

O lugar de Arnelas era da freguesia da Vera Cruz, assim como todo o terreno que daí segue pela Forca, Presa e Quinta do Gato, onde por este lado findava a freguesia da Vera Cruz; pelo lado do norte pouco terreno podia pertencer-lhe adjacente à estrada, porque pertencia na maior parte à freguesia de Esgueira, e tanto que no lugar da Quinta do Gato há casas pertencentes a esta última freguesia.

O lugar da Forca era desabitado, e aquelas casas e quintais que hoje se vêem entre a estrada para a Presa e o caminho para Esgueira são edificações novas em um largo despovoado, a monte, com o terreno bastante desigual e até com algumas covas abertas por quem pretendia tirar saibro para construções; aqui e ali rebentavam silvas ou cardos, e no centro existiam umas velhas paredes que diziam ser da forca, e creio que o eram, não só pelo nome dado ao lugar, mas também pela sua configuração que não mostravam ser restos de casa para habitar. É certo que em muitas terras há ainda um sítio com este nome, e posto que em Aveiro não houvesse quem se recordasse de ter havido ali execuções, é muito natural que elas existissem, à vista do livro V das Ordenações, em cujas páginas tantas vezes se repete a terrível sentença, - morra por ello.

A estrada para a Quinta do Gato foi há poucos anos aberta do antigo caminho de carro, ficando este muito bonito e melhorado, e dando lugar a novas construções, o que aquelas povoações conseguiram por ocasião de uma eleição chamada municipal mui disputada.

Não chegou, porém, o desejado dinheiro para se proceder ao ensaibramento, pelo qual apenas os pobres esperam para quando houver outra eleição, eleição que não promete vir tão cedo, visto que já não a têm; já não há eleições, mas sim nomeações feitas pelo santo acordo dos influentes e galopins dos diversos bandos políticos ou pseudo-políticos, governadores deste país.

Ao sul da estrada mencionada confina a freguesia da Vera Cruz com as terras ou terrenos pertencentes à da Senhora da Glória que vão até mesmo ao marco de S. Bernardo e que naquele tempo pertenciam à freguesia do Espírito Santo, os quais também não vão muito ao sul da estrada porque os aperta a freguesia de Arada.

Além destes terrenos, havia, como há ainda hoje, os do lado de Santiago, cujos limites eram os mesmos que ainda hoje existem entre as freguesias da Glória e das Aradas.

 

 

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