José Manuel Lopes Cordeiro, O teatro do alfaiate Baquet, in: "Público", 14/04/2002, p. 56.

O teatro do Alfaiate Baquet

O mês de Março, que há pouco findou, encontra-se associado a alguns dos episódios mais trágicos que ao longo dos tempos marcaram a cidade do Porto. Já aqui referimos, na semana passada, o naufrágio do vapor "Porto", ocorrido há 150 anos, no dia 29 de Março de 1852, provocando a morte dos seus 66 passageiros e tripulantes. Anteriormente, também num dia 29 de Março, mas de 1809, centenas de pessoas tinham morrido afogadas nas águas do Douro, aquando da tragédia da Ponte das Barcas, ao fugirem apressadamente das tropas de Soult que então entravam na cidade. Ainda no mês de Março, mas em 1888, na noite de 20 para 21, registou-se a terceira catástrofe que marcou a cidade do Porto no século XIX, o incêndio do Teatro Baquet, onde terão perecido pelo menos 120 pessoas.

 

O Teatro Baquet, localizado na Rua de Santo António (actualmente de 31 de Janeiro) precisamente onde hoje se encontra o edifício da Caixa Geral de Depósitos, tinha sido mandado construir por António Pereira, um alfaiate portuense que, muito novo, emigrara para Espanha. Quando regressou do país vizinho, trazia um pecúlio considerável — que lhe permitiu lançar-se na construção de um teatro —, uma mulher, e um enigmático sobrenome de origem francesa, precisamente "Baquet".

 

As obras de construção do teatro decorreram com apreciável rapidez. Iniciadas em 21 de Fevereiro de 1858, ficaram concluídas menos de um ano depois, tendo o teatro sido inaugurado, com um baile de Carnaval, em 13 de Fevereiro de 1859.

 

A inauguração oficial decorreu em 16 de Julho, mas o falecimento da rainha D. Estefânia, no dia seguinte, e o luto nacional por oito dias que se seguiu obrigaram a que a segunda representação apenas ocorresse em 25 de Julho. Um infausto acontecimento que, segundo algumas vozes mais supersticiosas, teria marcado o próprio destino do Teatro Baquet.

 

De acordo com Manuela Espírito Santo, que consagrou um pequeno estudo ao Teatro Baquet, aquando do centenário do seu incêndio, António Pereira Baquet era um empresário de vistas largas. Proprietário do primeiro pronto-a-vestir do Porto — o que, em parte, constituía um bom exemplo do seu espírito empresarial — para além de não se ter poupado a despesas na edificação do teatro e no seu embelezamento, também não pediu nenhum subsídio ao Estado para concretizar aquele seu empreendimento, não obstante o considerável investimento que o mesmo representava. Contudo, Pereira Baquet teve apenas uma década para usufruir do seu teatro, tendo falecido em 1869, sem descendência. Ainda segundo Manuela Espírito Santo, "a viúva voltou a casar com Antónío Teixeira Assis, seu contramestre na alfaiataria, que não lhe sobreviveu muito tempo. Passou então o teatro para Ana Vitória da Ascensão, mãe de Assis, dona do edifício à data do incêndio".

 

Na noite de 20 para 21 de Março de 1888, quando se representava a ópera cómica "Os Dragões de Villars", com a lotação esgotada, perfazendo cerca de seis centenas de espectadores, deflagrou um violento incêndio nos bastidores e, em menos de cinco minutos, o fogo destruiu o teatro por completo. Nesse curto espaço de tempo, os espectadores, em pânico, precipitaram-se para as saídas e, inicialmente, pensou-se que não teria havido vítimas. Ainda segundo o trabalho de Manuela Espírito Santo, o maestro e empresário do Teatro Baquet — Ciríaco Cardoso — teria então afirmado: "Estou perdido, estou arruinado, mas resta-me a consolação de que ninguém morreu!". Estava, infelizmente, equivocado.

 

Segundo as estatísticas oficiais, pereceram naquela tragédia 88 pessoas, mas, na realidade, terão morrido carbonizadas 120 pessoas.

 

Guilherme Gomes Fernandes, então comandante dos Bombeiros Voluntários do Porto, que combateram o sinistro, escreveu no relatório ao administrador do Bairro Ocidental: "...sabia que um teatro, desde que o fogo lhe pegasse, ardia depressa e não havia meio de o salvar; mas o que não sabia era que ardesse tão rapidamente; e desta vez ardeu tão rapidamente, porque havia a favorecer a combustão o ter durado o espectáculo mais duas horas que o costume, estar tudo velho e carunchado e a temperatura estar elevadíssima".

 

Logo a seguir ao incêndio — o maior alguma vez ocorrido numa sala de espectáculos em Portugal —, arrancou na imprensa uma ampla campanha de solidariedade e apoio às vítimas daquela tragédia, dado que muitas famílias se viram numa situação difícil por perda dos seus familiares. Abriram-se inúmeras subscrições públicas, algumas no Brasil, sendo uma delas encabeçada pelo próprio rei D. Luís. Por seu turno, a rainha D. Maria Pia de Sabóia, ao tomar conhecimento da tragédia, deslocou-se ao Porto, acompanhada pelo infante D. Afonso, duque do Porto, para prestar solidariedade às vítimas, visitando pessoalmente alguns dos sobreviventes.

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16-03-2006