Bertoldt Brecht - Três poemas em versão portuguesa de Paulo Quintela, in: separata da revista "Vértice", n.º 382-383 (Nov.-Dez. 1975)

Três parágrafos

da Constituição de Weimar

 

PARÁGRAFO 1.º 

 

                       1
 

O Poder do Estado vem do Povo.
— Mas pra onde vai?
Sim, pra onde é que vai?
Pois pra algum lado há-de ir!
O polícia de casa sai.
— Mas pra onde é que ele vai?

etc.

 

 

                       2
 

Olhai, agora o grande troço põe-se em marcha.
— Mas pra onde marcha?
Sim, pra onde é que marcha?
Pois pra algum lado há-de marchar!
Agora em volta da casa «direita volver!»
— Mas pra onde faz direita volver?
etc.

 

 

                       3
 

O Poder do Estado fica de repente parado.
Alguma coisa ele vê acolá.
— Que é que ele vê acolá?

Alguma coisa ele vê acolá.
E de repente grita o Poder do Estado.
Grita:  Dispersar já!
— Porquê dispersar já?
Ele grita: Dispersar já!

 

 

                       4
 

Além está algo aglomerado
E algo pergunta: porquê?
Porque é que pergunta porquê?
E ainda perguntam porquê!
Então naturalmente dispara o Poder do Estado
E alguma coisa tomba.
O que é que assim tomba?
Porque é que logo assim tomba?

 

 

                       5
 

O Poder do Estado vê: ali jaz algo na lama!
Alguma coisa jaz ali na lama!
O que é que jaz então ali na lama?
Algo bem morto na lama e não na cama.
Mas — mas é o Povo!
Então é na verdade o Povo?
Pois é, é na verdade o Povo.

 

 

PARÁGRAFO 111.º

 

                       1

 

Corre, proleta, corre, tens o direito
De adquirir um terreno
A isso tens o direito.
Tens o direito no Wannsee
Tens o direito no Nikolassee.
Já não morre de fome o proleta pequeno
Ele tem o direito a herdar um terreno.
Tem esse direito
Nada pequeno
Tem o direito a ter um terreno. 

 

 

                       2

 

Alto, proleta, alto, esse tal terreno
Já outro dele se apossou.
Ele tinha esse direito.
Tinha o direito no Wannsee
Tinha o direito no Nikolassee.
Tens que esperar que a morte dele te dê um jeito.
Depois vem inda outro que também tem direito,
Outro que o pagou
E esse era o seu direito.
Senão serias tu quem o alcançou.

 

 

 

 

PARÁGRAFO 115.º

 

                       1

 

Também pra um alemão há casas livres
Pois elas são na nossa vida de escravos indispensáveis
Indispensáveis.
E se tivéssemos casas nossas livres
Seriam essas casas invulneráveis
Invulneráveis.

 

 

                       2

 

Ninguém nos poderia incomodar em nossas casas
Recebia logo o castigo que lhes competia
Competia.
Pois a nós pertenceriam essas casas
Se essas casas nos pertencessem
Pertencessem.

 

  

                       3

 

Mas, como não conseguimos cada um ter a sua,
Buracos de caves e arcos de pontes são-nos indispensáveis
Indispensáveis.
Porém quando temos de dormir na rua
Então somos também ‘t’ralmente vulneráveis
Vulneráveis.

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