O Mito de Prosérpina

Prosérpina era filha de Ceres, a deusa dos campos e protectora das colheitas. Um dia, quando a jovem colhia flores com as suas companheiras, sentiu-se atraída pela beleza da flor do narciso. Afastou-se para a colher; mas, antes de lhe poder tocar, uma fenda abriu-se na terra, saindo dela um carro puxado por cavalos negros.

Quem o conduzia era Plutão, deus dos Infernos, que, apaixonado por Prosérpina, a raptou, aproveitando a ausência de Ceres. Quando desta voltou, ao aperceber-se da ausência da filha, procurou-a por toda a parte. Não a encontrando, refugiou-se na sua tristeza, transformando num deserto estéril e gelado prados outrora fecundos e verdejantes.

Algum tempo depois, perante a ameaça que tal situação representava para os mortais, Júpiter, rei dos deuses, resolveu interceder junto de seu irmão, rei dos Infernos, enviando até ele Mercúrio. No entanto, a jovem, tentada por Plutão, enquanto se encontrava no Mundo Subterrâneo, tinha ingerido sementes de romã, quebrando o jejum, pelo que não podia dissociar-se daquele lugar.

Para amenizar o sofrimento de Ceres, Júpiter estabeleceu que Prosérpina repartiria o seu tempo entre os Infernos e a Terra: metade do ano, passá-lo-ia com o marido; a outra, na companhia da mãe.

Assim, enquanto ela está na terra, os campos tornam-se férteis, os prados florescem e as árvores enchem-se de frutos. Quando desce ao mundo dos mortos, a terra cobre-se de luto e a vida parece cair em torpor, Quando regressa à superfície, tudo se renova. É o eterno ciclo da Primavera em oposição ao Inverno, simbolizando, deste modo, a constante regeneração da natureza, o que comummente designamos por quatro estações, tão bem representadas não apenas no universo da arte pictórica, como também no mundo da música.

Música da Prosérpina

Coelho radioactivo, Perséfone (ficheiro em mp3) - 3 Megas


Prosérpina

O que te digo desce pelos canais da memória
até ontem. Acendo uma luz excêntrica com os dedos
do vento. Proponho-te um jogo: abrir e fechar
janelas como quem folheia um livro. As folhas
entram pela casa com o Outono; mas já não há
Inverno, e o Verão desapareceu num canto
do quarto. Sentamo-nos então na cama, sem nada
para te dizer. A terra abrir-se-á para que eu
te chame; porém, o teu olhar segue a luz
subterrânea até onde a chuva não chega, nem o
cheiro do mar na maré baixa. A lâmpada

que abana com a s correntes de ar, roubou-te
a indecisão: e procuro, agora, uma certeza
obscura por dentro dos reflexos, ou nesse
espelho que bebeu os brilhos flutuantes
da tarde. Soube, em vão o teu nome; de nada
serviu ter-te pegado na mão, como se pudesses
ficar comigo, ou apenas lembrar-te do meu gesto.
          
Nuno Júdice, in Poesia Reunida 1967-2000

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António Ribães – Quatro Estações


Eterno recomeço

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Ana Rita Cambra - Prosérpina

Também Perséfone
regressa em cada Primavera
para que os campos refloresçam.

Porque deixou com o amado
metade do seu coração,
a ele tem de voltar
para que o ciclo se cumpra
e a terra se vista novamente
com o frio do Inverno.

Assim se desenham
cúmplices lutas de afectos
com tréguas de permeio...

         Maria Alice Pinho, 23-11-2004


Prosérpina

Quero perder-me em teu abraço forte,
aquecer a alma e o corpo em teu regaço
e encontrar o ígneo sonho que comporte
toda a paixão em que hoje me desfaço.

Hei de seguir-te, qual fiel consorte,
por todos os caminhos, passo a passo;
quero, custe-me embora a dor e morte,
viver com fúria nosso amor devasso.

Serei dos teus demónios mais um réu
e entre tormentos te amarei, contente,
que, por onde estiveres, aí terei meu céu.

Felicidade, então, será o inferno!,
pois em teu ventre encontro a sarça ardente
onde me queimarei num gozo eterno!
   
   Evandro Moreira, As Faces de Proteu

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Antonieta Bastos – Prosérpina I


O rapto de Prosérpina

   

 

Na Primavera, o amor
consiste na sua ausência. As flores nascem
de rebentos de fogo, cegas como os dedos
de uma sombra. Ela colhe-as, na sequência interminável
que a mãe descreve: está, não está; está,
não está…pousando o telefone da cabina pública,
como a língua negra dos cães do inferno.

Que faria ela no campo, a meio da tarde,
colhendo as flores de fogo da primavera? Por
que se ria, se o seu riso apenas servia para chamar os que
habitam o fundo da terra – e para que seus braços
baços da monotonia subterrânea
se abrissem num furor de abraço? Examino os seus olhos,
que ficaram presos a esta vegetação que insiste em cada fim
de Inverno: os olhos azuis, verdes, rubros como o sol,
cinzentos quando a chamo, de entre os mortos, e
só um murmúrio antigo me lembra que
ninguém de entre nós, lhe poderá restituir o sopro
da vida.

Apanho o telefone caído. Digo o seu nome. Responde-me
o silêncio; e tiro-o do bocal, como se as letras fossem
estas pétalas que apodrecem quando a tarde chega, ou estes
frutos que azedam na minha memória, enquanto insisto
em recordar o seu rosto.

                   Nuno Júdice, in Poesia Reunida 1967-2000

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Antonieta Bastos – Prosérpina II


Menina minha serás

O brilho do sol de outrora;
Os campos verdes distantes;
A menina que brincou lá fora:
As purezas que viveram instantes.

Romã escrava a tornou
Do maldito deus dos infernos.
Porque é que esse fruto a afastou
Dos campos outrora eternos?!

Menina minha eras
Menina minha serás.
Seis meses de indefinidas trevas,
Em cores seis meses transformarás.

                                      Ana Alves

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Antonieta Bastos – Prosérpina III


A dor de Plutão

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Isabel Gala – Prosérpina

Observei-te passeando pelo campo…
Tu, de frágeis e delicados gestos,
em mim causaste tão grande paixão,
que te desejei da forma mais excessiva.

Percebi nesse momento: serias minha.

Ambicionava saber como te conquistar,
mas o tempo, esse, era já uma linha indefinida
fazendo, interminavelmente, meu vício por ti crescer…
Sempre… Mais… Sempre e cada vez mais.

Concluí então: raptar-te-ia.

                                                          Ana Alves


Oferenda a Prosérpina

 

Trago nas mãos
Uma oferenda
Como tu leve e antiga
Dorida de tempo e saudade
Para essas horas escuras que passas
Pensando no que poderias ter vivido
Está a teus pés
Vejo-te abri-la com cuidado
E momentos depois vacilas
Lês enquanto suspiras
Palavras do livro que te dei
Choras por alguém ter escrito
“Menina e moça me levaram
de casa de minha mãe…”.
             
        Renata Cambra

 

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