Razão tínhamos nós, os nobres de
verdadeira linhagem e autênticos pergaminhos, quando, no número
119, de 25/4/1985, da nossa Gazeta Oficial, nos insurgíamos contra
essa plebe atrevida, directos descendentes dos servos da gleba a
quererem alcandorar-se a níveis aristocráticos!
Um, porque um dos seus antepassados
maternos, uma vez obtida a carta de alforria, passara a artesão
bate-solas (clandestino, pois nunca chegou a inscrever-se na casa
dos Vinte e Quatro), enquanto, do lado paterno, ascendera a escamador
de pescado no cais dos paços ribeirinhos!
Outro, porque, tendo sido
sentenciado às galés por crimes infamantes, entre os quais, o de
apalpar as ancas da cozinheira do solar, depois de, às esconsas,
lhe haver escorropichado as infusas, regressou, depois de cumpridas
as penas, do desterro na costa africana, no bárbaro reino maputense,
e foi invadir, montado em jerico roubado aos ciganos que à Inquisição
sobreviveram, os restos das ruínas do velho Solar que fora dos
Verride, entretanto dizimados pelo escorbuto, à míngua de produtos
hortícolas, nomeadamente de tomates, que os seus domínios,
tornados maninhos, haviam deixado de produzir.
Pois foi esta gente do mais baixo
estrato social, foram estes encardidos bóias-frias que se atreveram
a exibir brasões feitos à pressa em barro escuro de Molelos para
lhes dar a ilusão óptica de pátina dos tempos. E, com a
desvergonha característica dos “sans-coulottes”, não hesitaram
em fazer figurar, nos ditos, os símbolos da sua baixa condição. O
tal Conde de Mataduços, as penas dos patos que abafava nos
galinheiros dos vizinhos, as botas cardadas que, para as não
desgastar, trazia aos ombros quando ia ao mercado e só calçava à
entrada do burgo, e os peixes, a cheirar a fénico, que apanhava nos
canais do Vouga para onde corriam, a céu aberto, os esgotos das
oficinas de artes e misteres das redondezas!
D. Bártolo de Mataduços antes de embarcar para
Cochim!
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O pseudo-Duque de Verride, com mais
desaforo ainda, encimou o brasão com um jerico lazarento enfeitado
com arreios de macho de moleiro, colocando, no escudo, os
instrumentos do único ofício para que estava vocacionado, de
jogador de chincalhão e sueca nos antros escuros das alfurjas lúgubres
e avinhadas, onde se gastava tocando cavaquinho e enfrascando
quartilho após quartilho.
Esperávamos que esses atrevidos pés-rapados
se reduzissem à sua insignificante condição de pobres proletários
após terem saído, na Folha Oficial, as nossas vergastadas
justiceiras que só não foram mais além, porque, sem consultar as
Cortes e sem ouvir o Conselho dos Nobres de Cacia, sua Majestade o
Rei dos Dias, que então governava a nossa Gazeta, decidiu vestir as
roupas absolutistas do Príncipe Perfeito, o nosso senhor D. João
II que Deus guarde em Sua memória e assinou o autocrático e despótico
decreto do “Tollitur quaestio”, numa intolerável antecipação
à Lei da Rolha, recentemente imposta pelo Barão dos Andrades (D.
Nuno P. Costa) que, impunemente, se passeia pelas ruas do burgo
tripeiro em afrontosa atitude de desafio à Constituição que o Sr.
D. Pedro, exibindo-a, permanentemente, recorda ter outorgado em
gesto de magnânima liberalidade.
Esperávamos de facto, mas qual o
quê?
Eis que, ainda agora, quando julgávamos
terem recolhido às catacumbas da História, donde, aliás, nunca
deveriam ter saído, voltam a dar sinal de vida. E de que maneira,
Senhores!
Pois não é que o tal D. Bártholo
de Mataduços anda agora, segundo novas que, desavergonhadamente,
enviou, a exibir as enxúndias calaceiras de reformado pelas praias
de Cochim, num calcorrear sacrílego daquelas areias pisadas pelos
MEUS nobres antecessores vice-reis, D. Francisco de Almeyda e D. João
de Castro, num grave insulto às barbas dadas em penhor dos
compromissos assumidos e religiosamente conservadas no relicário
maravilhoso da tradição lusa de Goa?!
E, com a maior desfaçatez, vem
dizer-nos que, disfarçado com turbante de marajá, se passeia em
cavalgadas proboscídeas, integrado no quadro geral de adidos de
El-Rei D. Mário I, o Passeante Incansável, com a anuência dos
Pares do Reino e à custa do erário luso, por estas e por outras tão
debilitado que o Ministro das Coroas, Braga de Cavaleiros, se viu
forçado a tapar buracos, aumentando, desapiedadamente, as décimas
do sacrificado Povo!
A que ponto chegou o desvario!
Uma dúvida tremenda nos assalta:
como terá, o tal D. Bártholo de Mataduços, chegado a Cochim? À
boleia, nas caravanas de Prestes João? A nado? Escondido nalgum
tonel das caravelas, depois de o ter esvaziado em libações atávicas?
Ou voou na passarola de Gusmão, à gosma como é seu hábito e
esperançado em chegar aos mares de Timor agarrado à labita do
Ramalho, esse comandante intemerato da malta de navegadores foliões
do Lusitânia, que deu meia volta e fugiu, logo que os piratas indonésios
içaram, na canhoneira, a bandeira vermelha de sentido proibido?!...
Como quer que tenha sido, o tal D.
Bártholo volta a mostrar que “vulpes pilum mutat, non mores”!
Sem forças nem vontade para interromper a calaceirice da reforma
tranquila e responder ao S.O.S. da nossa Gazeta, manda fazê-lo ao
seu esbirro Barbatesa, marginal analfabeto que apenas vive obcecado
em ajustar contas com o tal usurpador da linhagem dos Verride!
E, como se tal não bastara, faz mão
baixa de mais um condado, o do Fontão, que acrescenta, guloso, ao
de Mataduços apesar de, naquele, só possuir os restos que ficaram
dum palheiro de marnotos que por lá existia quando as águas da Ria
cobriam a zona e as azenhas eram ainda de marés!
Que é lá isso?!
Enquanto as justiças de Sua
Majestade, já requeridas, não mandam o meirinho para cortar as
asas da ambição ao mistificado Conde, os moleiros da Cova do
Macho, comandados pelo tal jogador de sueca e tangedor de cavaquinho
que usurpou o título dos Verride de quem, falsamente, propalou ser
primo, já soltaram as abelhas em protecção dos seus moinhos!
Que isso será o bastante para
impedir que o tal Conde (que julgava comprar-nos com umas lamechas
laudatórias...) a quem assiste apenas o direito de visita em
fins-de-semana ao condado do Fontão, por ali assente arraiais
quando regressar de Cochim, obstando, desse modo, aos seus intentos,
ambiciosos e desmedidos, de alargar os domínios de Mataduços que,
aliás, apenas detém por posse não titulada e de má fé, a roçar
as raias do esbulho!
Escrito em nossos Paços de Pena
Alva nos idos de Março de 1992, seguindo a nossa assinatura
autenticada com o sinete da nossa heráldica da vassoura e da pá.
Solar de Pena Alva, 25.III.92
D. Almeyda da Câmara y Ruas
Byce-Rey de Pena Alva
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